Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

Processo nº 0145811-40.2013.8.26.0000

Suscitante: 1ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente do Tribunal de Justiça

 

Ementa:

1)      Incidente de inconstitucionalidade. Arts. 15, 17, 20, 22, 23, 24 e 29 da Lei Federal nº 12.651/2012, que admitem: o cômputo das Áreas de Preservação Permanente no cálculo do percentual da Reserva Legal do imóvel; a exploração econômica da Reserva Legal mediante manejo sustentável; o manejo florestal sustentável da vegetação da Reserva Legal com propósito comercial; o manejo sustentável para exploração florestal eventual sem propósito comercial, para consumo no próprio imóvel e o manejo florestal nas áreas fora de Reserva Legal.

2)      Preliminar. Falta de indicação clara e precisa da violação constitucional. Inviabilidade do conhecimento do incidente de arguição de inconstitucionalidade.

3)      Mérito. O cômputo da área de preservação permanente na reserva legal interfere negativamente nos processos ecológicos essenciais desse meio, causando desiquilíbrio ecológico; compromete a diversidade e integridade do patrimônio genético do País e dos atributos que justificam a sua proteção; comporta risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente. Sendo, portanto, medida incompatível com a garantia de efetividade do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, (Constituição Federal, art. 225, caput, e § 1º, I, II, III, V e VII).

 

  

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

Trata-se de arguição de inconstitucionalidade suscitada pela C. 1ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente do Tribunal de Justiça, quando do julgamento da apelação cível nº 0004650-62.2010.8.26.0189, da Comarca de Fernandópolis, na sessão realizada em 20 de junho de 2013, figurando como Relator o Des. Ruy Alberto Leme Cavalheiro.

A Col. Câmara argui necessidade de análise da constitucionalidade da Lei 12.651/2012 para chegar-se a uma solução.

Não há, no v. acórdão (fls. 644/648), indicação precisa de qual teria sido a inconstitucionalidade do referido ato normativo em face de ter ficado consignado no voto do relator o seguinte:

“(...)

Ocorre que, quando do ajuizamento da ação, a reserva legal estava disciplinada na Lei nº 4.771/65.

Contudo, esta lei foi revogada pela Lei nº 12.651/2012, que disciplinou a questão de forma mais ampla. E o recorrido alega justamente a inconstitucionalidade de vários artigos desta última lei. No presente caso, fundamental se faz a análise da constitucionalidade da lei para, só então, chegar-se à uma solução do presente conflito.”

É o relato do essencial.

PRELIMINARMENTE

A arguição não deve ser conhecida, uma vez que não foi indicado de forma precisa o parâmetro constitucional violado.

Afirma-se de forma genérica que o recorrido teria alegado a inconstitucionalidade de vários artigos da Lei. Alega-se no v. Acórdão a possibilidade do controle incidental da inconstitucionalidade da Lei nº 12.651/2012, sem, no entanto, apontar qual teria sido a norma constitucional violada.

De outro lado, importante ressaltar que não foi objeto da decisão recorrida declaração incidental da inconstitucionalidade de qualquer dispositivo da Lei nº 12.651/2012. Apenas em sede de declaração da sentença afirmou-se que “o dispositivo que prevê a constituição da reserva florestal encontra-se em consonância com a CF, notadamente com a ideia de meio ambiente equilibrado e por isso não é inconstitucional’ (fl. 378).

         Nem mesmo consta como causa de pedir a declaração incidental de inconstitucionalidade de qualquer dispositivo legal.

Na sentença que julgou procedente o pedido, ficou consignado que: JULGO PROCENDENTE a pretensão deduzida em juízo por (...) para tornar definitiva a tutela antecipada concedida pelo órgão ad quem, extinguindo-se o processo com resolução do mérito, nos termos do art. 269, I do Código de Processo Civil” (fl. 369).

Por sua vez, o v. acórdão que concedeu a tutela antecipada em razão de recurso de agravo interposto pelo Ministério Público, declarado às fls. 311/312, estabeleceu que: “Nesse sentido, o penúltimo parágrafo do Acórdão embargado deverá adotar a seguinte redação: ‘De rigor o provimento do agravo de instrumento, que revela a combatividade inata do parquet. Deverá o vencido apresentar em 120 dias, projeto de demarcação da área de reserva legal ao órgão ambiental competente- CBRN – CTR IV e cumprir os demais pedidos lançados na petição inicial do Agravo de Instrumento’”.

Assim, o pedido ao qual foi dada procedência refere-se à: 1)  obrigação de fazer consistente em apresentar ao órgão ambiental competente área a ser destinada como reserva legal; 2) promoção de demarcação e isolamento da área aprovada; 3) promoção do registro e averbação da área demarcada e isolada junto à matrícula do imóvel; 4) obrigação de não fazer consistente na abstenção de realizar qualquer atividade na área assim destinada.

Verifica-se que o conteúdo da sentença não abarca qualquer obrigação referente à limitação ou discriminação do que deve constituir a reserva legal, o que poderia ensejar eventual discussão acerca da constitucionalidade da Lei nº 12.651/2012, na parte em que disciplina as áreas que podem integrar a reserva legal e as atividades permitidas em tal área.

Desta forma, além da falta de indicação precisa dos dispositivos da Lei nº 12.651/2012 objeto da presente arguição, não se vislumbra relação de prejudicialidade para o julgamento do recurso, haja vista que o apelante pretende trazer à discussão matéria que não foi objeto do pedido, qual seja, quais as áreas que podem integrar a reserva legal.

Verifica-se que a r. sentença foi proferida quando ainda não estava em vigor a Lei nº 12.651/2012, razão pela qual a questão que se pretende submeter ao debate não foi objeto de conhecimento em primeiro grau.

Desta forma, mostra-se inviável o conhecimento da presente arguição.

NO MÉRITO

Caso superada a preliminar, atenta-se no mérito presumindo que a questão decorra da necessidade de se verificar a constitucionalidade dos arts. 15, 17, 20, 22, 23, 24 e 29 da Lei nº 12.651/2012, que disciplinam as áreas que podem integrar a reserva legal e os usos nelas admitidos, haja vista pretender o recorrente apresentar o projeto de reserva legal computando-se as áreas de preservação permanente.

Sob nenhum dos possíveis ângulos pelos quais a questão venha a ser apreciada, será viável o acolhimento da pretensão deduzida pelo requerente.

Ao não apontar, concretamente, qualquer vício apto a invalidar a r. sentença, limitam-se os autores a postular direito de estabelecer as áreas de preservação permanente e de reserva legal de acordo com o Novo Código Florestal.

A forma como foi deduzida a pretensão, portanto, assinala nitidamente a impossibilidade de seu acolhimento.

De qualquer forma, o afastamento da aplicabilidade dos arts. 15, 17, 20, 22, 23, 24 e 29 da Lei nº 12.651/2012, tem amparo nas regras constitucionais que determinam a proteção ao meio ambiente, que figura, no contexto da ordem jurídica nacional, como direito a ser usufruído pelas presentes e futuras gerações (art. 225 da CF).

A área de preservação permanente e a reserva legal são espaços territoriais especialmente protegidos que cumprem funções precípuas distintas, embora muitas vezes complementares, por isso, não se confundem, nem uma pode substituir outra.

Ao subtrair da reserva legal montante de área de preservação permanente existente no imóvel rural, compromete-se a configuração de habitats de espécies típicas de solo seco, dando-se causa à perda da biodiversidade, além de provocar prejuízos ao cumprimento de outras de suas funções ecológicas (hídricas, edáficas, climáticas, estéticas, sanitárias e econômicas).

Assim, o cômputo da área de preservação permanente na reserva legal:

1)     interfere negativamente nos processos ecológicos essenciais desse meio, causando desiquilíbrio ecológico;

2)    compromete a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País;

3)     compromete a integridade dos atributos que justificam a sua proteção; e

4)    comporta risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente.

É, portanto, medida incompatível com a garantia de efetividade do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (Constituição Federal, art. 225, caput, e § 1º, I, II, III, V e VII).

Desta forma, embora não pertinente a discussão acerca da matéria submetida pelo recorrente, deve ser reconhecida a inconstitucionalidade dos arts. 15, 17, 20, 22, 23, 24 e 29 da Lei nº 12.651/2012, por violação ao art. 225, caput, e § 1º, I, II, III, V e VII da Constituição Federal.

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido do não conhecimento do incidente de inconstitucionalidade, e caso conhecido merece acolhimento para reconhecer a inconstitucionalidade dos arts. 15, 17, 20, 22, 23, 24 e 29 da Lei nº 12.651/2012.

 

                 São Paulo, 30 de agosto de 2013.

 

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

 

 

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