Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

Processo n. 0181940-78.2012.8.26.0000

Suscitante: 15ª Câmara de Direito Público

 

 

 

Ementa: Constitucional. Tributário. Incidente de Inconstitucionalidade. Imunidade tributária. Serviço social autônomo. Obrigação tributária acessória. Instrução Normativa n. 08/09. Princípio da legalidade tributária. Procedência. A instituição de obrigação tributária acessória e a previsão de substituição ou responsabilidade tributária ainda que diante de contribuinte portador de imunidade tributária reclama lei em sentido formal (art. 150, VI, c, e § 7º, CF/88).

 

 

 

 

 

Colendo Órgão Especial:

 

 

1.                Trata-se de incidente de inconstitucionalidade da Instrução Normativa SF/SUREM n. 08/2009, suscitado pela colenda 15ª Câmara de Direito Público no julgamento de apelação contrariando respeitável sentença que denegou mandado de segurança impetrado por Serviço Social do Comércio – SESC para eximi-lo da emissão de nota fiscal dos serviços prestados e da exigência de retenção pelos tomadores de serviços em face da ausência de sua apresentação (fls. 616/623).

2.                O venerando acórdão está assim ementado:

“MANDADO DE SEGURANÇA – ISS – Exercício de 2009 – Município de São Paulo – Preliminar afastada – Interesse de agir constatado – IN SF/SUREM Nº 08/09 – Determinação às entidades imunes de emissão de notas fiscais pelos serviços prestados – Obrigação tributária acessória – Autonomia e dever de sua observância – Medida voltada ao interesse fiscalizatório – Ilegitimidade ‘ad causam’, ademais, para requerer a abstenção de se exigir, dos tomadores, a retenção do imposto por seu descumprimento – Instituição, porém, através de ato infralegal e em evidente restrição à imunidade – Descabimento – Afronta aos artigos 5º-II e 150-VI-c da CF – Inconstitucionalidade vislumbrada – Aplicação da Súmula Vinculante nº 10 do STF e do artigo 190 do Regimento Interno desta E. Corte – Julgamento suspenso, com remessa dos autos ao C. Órgão Especial para análise da matéria” (fl. 617).

3.                É o relatório.

4.                A norma impugnada estabeleceu a necessidade de a entidade imune de impostos com base no inciso VI do art. 150 da Constituição Federal emitir nota fiscal de prestação de serviços (art. 1º), dispondo que à sua falta o tomador de serviço deverá reter e recolher o imposto sobre serviços (art. 2º).

5.                O venerando acórdão estimou que “a obrigação tributária acessória não pode mesmo advir exclusivamente de ato infralegal” em face do princípio da legalidade tributária (fl. 620), vislumbrando afronta aos arts. 5º, II e 150, VI, c, da Constituição da República, por restringir o gozo da imunidade além de observar que a infração à obrigação tributária pode gerar multa, mas, não a própria exação (fl. 622).

6.                A Constituição de 1988 assegura imunidade tributária ao patrimônio, renda e serviços das instituições de educação e de assistência social sem finalidade lucrativa, “atendidos os requisitos da lei” (art. 150, VI, c).

7.                Trata-se de imunidade de impostos condicionada aos requisitos legais.

8.                A respeito de obrigações tributárias acessórias impostas ao contribuinte imune, o Supremo Tribunal Federal assim decidiu:

“TRIBUTÁRIO. MULTA. TOMADOR DE SERVIÇOS QUE DEIXA DE EXIGIR A APRESENTAÇÃO DA NOTA FISCAL. ALEGADA EXONERAÇÃO DO DEVER INSTRUMENTAL EM RAZÃO DE A PRESTADORA DE SERVIÇOS SER IMUNE. INADEQUAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL. A imunidade tributária não exonera por si o dever da entidade protegida de obedecer os deveres instrumentais razoáveis e proporcionais estabelecidos em lei. Sem o cumprimento desses deveres, a autoridade fiscal não teria meios de verificar se a entidade atende aos requisitos constitucionais para receber a proteção. Se a entidade imune se nega a cumprir obrigações acessórias válidas, de modo a impossibilitar o cumprimento dos deveres instrumentais impostos à agravante, falta a tal questão o necessário prequestionamento. Agravo regimental ao qual se nega provimento” (STF, AgR-RE 702.604-AM, 2ª Turma, Rel. Min. Joaquim  Barbosa, 25-09-2012, v.u., DJe 25-10-2012).

9.                Portanto, não há inconstitucionalidade no conteúdo do art. 1º da instrução normativa.

10.              Todavia, em relação à forma, a inconstitucionalidade é evidente.

11.              O caráter condicionado da imunidade encontra sede na lei em sentido formal, como se infere da alínea c do inciso III do art. 150 da Carta Magna e, ademais, se capta do venerando aresto acima mencionado quando se refere “deveres instrumentais razoáveis e proporcionais estabelecidos em lei”.

12.              Neste sentido, há decisão da Suprema Corte:

“OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA ACESSÓRIA - SURGIMENTO POR FORÇA DE INSTRUÇÃO DA RECEITA FEDERAL - RELEVÂNCIA DO PEDIDO DE CONCESSÃO DE TUTELA ANTECIPADA E RISCO DE MANTER-SE O QUADRO COM PLENA EFICÁCIA. Ante o disposto no artigo 113, § 2º, do Código Tributário Nacional, a exigir lei em sentido formal e material para ter-se o surgimento de obrigação tributária, ainda que acessória, mostra-se relevante pedido de tutela antecipada veiculado por Estado, visando a afastar sanções, considerado o que previsto em instrução da Receita Federal” (STF, AgR-TA-ACO 1.098-MG, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, 08-10-2009, m.v., DJe 14-05-2010).

13.              É certo que não há que se cogitar de imunidade sobre as multas tributárias (STF, RE 590.421-RS, Rel. Min. Dias Toffoli, 08-10-2012, DJe 16-10-2012).

14.              Contudo, não parece materialmente constitucional a previsão do art. 2º - não bastasse sua incompatibilidade formal assentada pela violação ao princípio da legalidade absoluta e sua relação de acessoriedade com o art. 1º da mesma instrução normativa – quando impõe ao tomador de serviços o dever de retenção do valor e recolhimento do imposto se não emitida a nota fiscal pelo prestador imune.

15.              O assentamento no venerando acórdão da impressão de que “a desobediência de uma obrigação tributária acessória somente pode acarretar eventual sanção pecuniária – a igualmente encontrar-se prevista em lei – porém, nunca implicar na própria exação” (fl. 622), afigura-se adequado. No entanto, a instrução normativa promove a responsabilidade ou substituição tributária, em que é lícita a transmissão da capacidade tributária passiva, como julgou o Supremo Tribunal Federal:

“DIREITO TRIBUTÁRIO. SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. RETENÇÃO DE 11% ART. 31 DA LEI 8.212/91, COM A REDAÇÃO DA LEI 9.711/98. CONSTITUCIONALIDADE. 1. Na substituição tributária, sempre teremos duas normas: a) a norma tributária impositiva, que estabelece a relação contributiva entre o contribuinte e o fisco; b) a norma de substituição tributária, que estabelece a relação de colaboração entre outra pessoa e o fisco, atribuindo-lhe o dever de recolher o tributo em lugar do contribuinte. 2. A validade do regime de substituição tributária depende da atenção a certos limites no que diz respeito a cada uma dessas relações jurídicas. Não se pode admitir que a substituição tributária resulte em transgressão às normas de competência tributária e ao princípio da capacidade contributiva, ofendendo os direitos do contribuinte, porquanto o contribuinte não é substituído no seu dever fundamental de pagar tributos. A par disso, há os limites à própria instituição do dever de colaboração que asseguram o terceiro substituto contra o arbítrio do legislador. A colaboração dele exigida deve guardar respeito aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, não se lhe podendo impor deveres inviáveis, excessivamente onerosos, desnecessários ou ineficazes. 3. Não há qualquer impedimento a que o legislador se valha de presunções para viabilizar a substituição tributária, desde que não lhes atribua caráter absoluto. 4. A retenção e recolhimento de 11% sobre o valor da nota fiscal é feita por conta do montante devido, não descaracterizando a contribuição sobre a folha de salários na medida em que a antecipação é em seguida compensada pelo contribuinte com os valores por ele apurados como efetivamente devidos forte na base de cálculo real. Ademais, resta assegurada a restituição de eventuais recolhimentos feitos a maior. 5. Inexistência de extrapolação da base econômica do art. 195, I, a, da Constituição, e de violação ao princípio da capacidade contributiva e à vedação do confisco, estampados nos arts. 145, § 1º, e 150, IV, da Constituição. Prejudicados os argumentos relativos à necessidade de lei complementar, esgrimidos com base no art. 195, § 4º, com a remissão que faz ao art. 154, I, da Constituição, porquanto não se trata de nova contribuição. 6. Recurso extraordinário a que se nega provimento. 7. Aos recursos sobrestados, que aguardavam a análise da matéria por este STF, aplica-se o art. 543-B, § 3º, do CPC” (STF, RE 603.191-MT, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, 01-08-2011, m.v., DJe 05-09-2011).

16.              E, como já decidido, ela não é vedada em face de relação com instituição portadora de imunidade:

“CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE. ENTIDADE DE ASSISTÊNCIA SOCIAL E EDUCAÇÃO SEM FINS LUCRATIVOS. INAPLICABILIDADE ÀS HIPÓTESES DE RESPONSABILIDADE OU SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. IMPOSTO SOBRE OPERAÇÃO DE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS - ICM/ICMS. LANÇAMENTO FUNDADO NA RESPONSABILIDADE DO SERVIÇO SOCIAL DA INDÚSTRIA - SESI PELO RECOLHIMENTO DE TRIBUTO INCIDENTE SOBRE A VENDA DE MERCADORIA ADQUIRIDA PELA ENTIDADE. PRODUTOR-VENDEDOR CONTRIBUINTE DO TRIBUTO. TRIBUTAÇÃO SUJEITA A DIFERIMENTO. Recurso extraordinário interposto de acórdão que considerou válida a responsabilização tributária do Serviço Social da Indústria - SESI pelo recolhimento de ICMS devido em operação de circulação de mercadoria, sob o regime de diferimento. Alegada violação do art. 150, IV, c da Constituição, que dispõe sobre a imunidade das entidades assistenciais sem fins lucrativos. A responsabilidade ou a substituição tributária não alteram as premissas centrais da tributação, cuja regra-matriz continua a incidir sobre a operação realizada pelo contribuinte. Portanto, a imunidade tributária não afeta, tão-somente por si, a relação de responsabilidade tributária ou de substituição e não exonera o responsável tributário ou o substituto. Recurso extraordinário conhecido, mas ao qual se nega provimento” (STF, 202.987-SP, 2ª Turma, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 30-06-2009, v.u., DJe 25-09-2009).

17.              Aliás, a Suprema Corte também já decidiu que:

“IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS – IMUNIDADE – ARTIGO 150, INCISO VI, ALÍNEA C, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. A imunidade prevista no artigo 150, inciso VI, alínea ‘c’, do Diploma Maior, a impedir a instituição de impostos sobre patrimônio, renda ou serviços das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, está umbilicalmente ligada ao contribuinte de direito, não abarcando o contribuinte de fato” (STF, AgR-RE 491.574-RJ, 1ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, 21-08-2012, v.u., DJe 06-09-2012).

18.              De qualquer modo, a definição da substituição ou responsabilidade tributária também demanda a reserva de lei formal ou em sentido estrito, como emerge do § 7º do art. 150 da Constituição da República.

19.              Face ao exposto, opino pela procedência do incidente para declarar a inconstitucionalidade da Instrução Normativa n. 08/09 por sua incompatibilidade com o art. 150, VI, c, da Constituição Federal.

         São Paulo, 03 de dezembro de 2012.

 

 

 

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

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