Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

Processo nº 0184232-02.2013.8.26.0000

Suscitante: 6ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça

 

Ementa:

1)      Incidente de inconstitucionalidade. Art. 5º, § 3º, da Lei nº 2.723, de 21 de novembro de 2011, do Município de Álvares Machado, que prevê a transposição do Emprego Público de Auxiliar de Desenvolvimento Infantil – ADI, para o emprego público de Professor de Creche.

2)      Provimento por transposição ofensiva aos arts. 111 e 115, II, da Constituição Estadual. A transposição para cargo ou emprego diverso é vedada (Súmula 685 do STF). É inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido.

3)      Parecer pela admissão e acolhimento do incidente de inconstitucionalidade.

 

 

 

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator,

Colendo Órgão Especial:

         Trata-se de arguição de inconstitucionalidade suscitada pela C. 6ª Câmara de Direito Público, quando do julgamento da Apelação Cível nº 0006512-91.2012.8.26.0482 da Vara da Fazenda Pública de Presidente Prudente, figurando como Relatora a Desembargadora Maria Olívia Alves.

A Col. Câmara argui a inconstitucionalidade da Lei nº 2.723, de 21 de novembro de 2011, do Município de Álvares Machado, por violação aos arts. 111, 115, I e II e 144 da Constituição Estadual e art. 37, II, Constituição Federal, tendo ficado consignado no acórdão o seguinte:

“(...)

Todavia, a despeito de o parecer nº 7/2011 do Conselho Nacional de Educação ter possibilitado a inclusão dos profissionais da Educação Infantil na carreira de magistério da Educação Básica sem a necessidade de se submeterem a novo concurso público, a Lei Municipal nº 2.723/11, de fato, afronta princípios constitucionais, previstos nos artigos 111, 115, I e II e 144 da Constituição Estadual, bem como no artigo 37, II, da Constituição Federal.

Isso porque tais dispositivos vedam expressamente a investidura em cargo público sem a anterior aprovação em concurso público a ele destinado, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração.

(...)”

É o relato do essencial.

Não obstante ter sido apontado no v. acórdão a inconstitucionalidade da Lei nº 2.723, de 21 de novembro de 2011, do Município de Álvares Machado, na verdade, apenas o § 3º do art. 5º da referida lei cuida da questão objeto do presente incidente, pois prescreve o seguinte:

“(...)

Artigo 5.º

(...)

§ 3º - Os atuais ocupantes do Emprego Público de Auxiliar de Desenvolvimento Infantil – ADI, que preencham os requisitos mínimos exigidos pela LDB, passam a integrar o Quadro Especial do Magistério como Professor de Creche, sujeitando-se ao calendário de funcionamento da creche.

(...)”

O citado dispositivo legal promoveu a transposição do emprego público de Auxiliar de Desenvolvimento Infantil – ADI, para o emprego de Professor de Creche, ao qual foram investidos sem concurso público servidores público que preenchessem determinados requisitos mínimos exigidos pela LDB.

Está evidente que houve provimento dos empregos públicos por transposição, seja porque não se tratou de mera modificação de nomenclatura, mas de criação de unidade de caraterísticas e atribuições diversas, pelo que se pode extrair da própria denominação do emprego.

Não constam nos autos os atos normativos que criaram e que descrevem as atribuições dos empregos de Auxiliar de Desenvolvimento Infantil e de Professor de Creche.

De qualquer forma, tão só pela nomenclatura, é possível afirmar que se tratam de empregos que desempenham atividades diversas.

Houve no caso, transposição de servidores públicos lato sensu admitidos para um determinado emprego público, isolado, para outro de natureza, regime, atribuições e requisitos de investidura diversos.

Não há dúvida que compete à lei - como expressão invulgar do princípio da legalidade administrativa em sua acepção mais estrita de reserva de lei, lei em sentido formal ou legalidade absoluta ou restrita, como ato normativo oriundo do Poder Legislativo produzido mediante o competente e regular processo legislativo – ao criar o cargo público, fixar suas atribuições - pois, todo cargo pressupõe função previamente definida em lei (Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Direito Administrativo, São Paulo: Atlas, 2006, p. 507; Odete Medauar. Direito Administrativo Moderno, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 287), à luz do art. 37, II, da Constituição Federal e do art. 115, II, da Constituição Estadual.

A exigência desse conteúdo em lei não é burocrática nem formalista, é substancial ao Estado de Direito, pois, “todo cargo público só pode ser criado e modificado por norma legal aprovada pelo Legislativo” (Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2003, pp. 395-396). A criação e a modificação concernem não apenas à sua nomenclatura, senão também ao plexo de suas atribuições, valendo observar sua importância na medida em que “se a transformação ‘implicar em alteração do título e das atribuições do cargo, configura novo provimento’, que exige o concurso público” (Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2003, p. 399), como julgado no Supremo Tribunal Federal (RTJ 150/26).

A propósito do tema manifesta o Prof. Marçal Justen Filho que “somente a lei pode criar esse conjunto inter-relacionado de competências, direitos e deveres que é o cargo público. Essa é a regra geral consagrada no art. 48, X, da Constituição, que comporta uma ressalva à hipótese do art. 84, VI, b. Esse dispositivo permite ao Chefe do Executivo promover a extinção de cargo público, por meio de ato administrativo. A criação e a disciplina do cargo público faz-se necessariamente por lei no sentido de que a lei deverá contemplar a disciplina essencial e indispensável. Isso significa estabelecer o núcleo das competências, dos poderes, dos deveres, dos direitos, do modo da investidura e das condições do exercício das atividades. Portanto, não basta uma lei estabelecer, de modo simplista, que ‘fica criado o cargo de servidor público’. Exige-se que a lei promova a discriminação das competências e a inserção dessa posição jurídica no âmbito da organização administrativa, determinando as regras que dão identidade e diferenciam a referida posição jurídica” ( Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 581).

Não bastasse, o art. 61, § 1°, II, a, da Constituição Federal, e o art. 24, § 2º, 1, da Constituição Estadual, em coro, exigem lei em sentido formal.

No caso, verifica-se que tanto o emprego de Auxiliar de Desenvolvimento Infantil como o de Professor de Creche não têm suas atribuições descritas na lei, o que é vedado.

E essa vedação também tem fundamento nos princípios de moralidade, impessoalidade, razoabilidade e interesse público para além do princípio da legalidade.

Isto ocorre porque somente a partir da descrição precisa das atribuições do cargo público será possível, a bem do funcionamento administrativo e dos direitos dos administrativos, averiguar-se a completa licitude do exercício de suas funções pelo agente público. Vale dizer, quando se exige a descrição das atribuições a preocupação manifestada é relativa à competência do agente público para a prática de atos em nome da Administração Pública e, em especial, aqueles que tangenciam os direitos dos administrados.

De outra parte, a exigência igualmente se prende à aferição da legitimidade da forma de investidura no cargo público que deve ser guiada pela moralidade, pela impessoalidade e pela razoabilidade.

Se as leis que criaram os empregos de Professor de Creche e de Auxiliar de Desenvolvimento Infantil não descrevem suas atribuições é lícito concluir que desenvolver atividades diversas, caso contrário, teriam a mesma nomenclatura.

Assim, o dispositivo legal impugnado não promoveu simples alteração de nomenclatura do cargo, mas provimento com violação da regra do concurso público pela transposição do emprego de Auxiliar de Desenvolvimento Infantil para o de Professor de Creche, já existente no quadro de pessoal do Município de Alvares Machado, sem que houvesse identidade das atribuições e demais características da unidade funcional.

Assim, o dispositivo legal impugnado não promoveu simples alteração de nomenclatura do emprego ou unificação de empregos de atribuições idênticas para integrarem nova carreira, mas provimento por transposição com violação da regra do concurso público (art. 115, II, da Constituição Estadual e art. 37, II, da Constituição Federal).

Ademais a Súmula 685 do Supremo Tribunal Federal dispões que:

 “É inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido.”

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido do conhecimento do incidente de inconstitucionalidade e de seu acolhimento, declarando a inconstitucionalidade do art. 5º, § 3º, da Lei nº 2.723, de 21 de novembro de 2011, do Município de Álvares Machado.

 

                        São Paulo, 12 de dezembro de 2013.

 

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

 

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