Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

Processo n. 0185001-10.2013.8.26.0000

Suscitante: 5ª Câmara de Direito Público

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ementa: Constitucional. Urbanístico. Processual Civil. Incidente de Inconstitucionalidade. Não conhecimento. Leis n. 804/91 e n. 1.039/96, do Município de Jandira. Desafetação de áreas institucionais de loteamento.  Incompatibilidade com o art. 180, VII, CE/89, inclusive com as redações posteriores dadas pelas EC 23/07 e 26/08.  Inconstitucionalidade. 1. O incidente de inconstitucionalidade não se consubstancia em consulta do órgão julgador fracionário ao tribunal pleno nem tem outra finalidade senão a declaração de inconstitucionalidade incidenter tantum, competindo ao órgão fracionário, em qualquer hipótese, se pronunciar sobre a inconstitucionalidade suscitada, fundamentando seu acolhimento ou sua rejeição. 2. Não conhecimento de incidente de inconstitucionalidade de lei se a turma julgadora simplesmente determina sua instauração sem pronunciamento positivo ou negativo da inconstitucionalidade. 3. Leis locais que autorizam desafetação de área institucional de loteamento ao arrepio do art. 180, VII, CE/89, inclusive sob a redação das supervenientes EC 23/07 e 26/08. 4. Inconstitucionalidade.

 

 

 

 

 

Colendo Órgão Especial:

 

 

 

 

 

1.                Trata-se de incidente de inconstitucionalidade suscitado pela colenda 5ª Câmara de Direito Público no julgamento de apelação contra respeitável sentença que julgou procedente ação civil pública declarando a inconstitucionalidade das Leis n. 804/91 e n. 1.039/96 do Município de Jandira e a nulidade de acordo celebrado entre os réus e sua condenação à regularização do loteamento e à reparação de danos (fls. 692/697). O venerando acórdão tem a seguinte fundamentação:

“O julgamento do recurso passa, necessariamente, pela análise da constitucionalidade das Leis Municipais nºs 804/91 e 1.030/96, que desafetaram área institucional que, por força do artigo 180, inciso VII da Constituição do Estado de São Paulo, não poderia ter sido desafetadas sem a necessária compensação, possuindo efeitos concretos reservados aos atos administrativos.

Não sendo possível a este órgão fracionado o julgamento acerca da inconstitucionalidade em referência, determina-se a suspensão do julgamento para a submissão da questão ao C. Órgão Especial deste Tribunal, nos termos do art. 97 da Constituição Federal e conforme a Súmula Vinculante 10 do E. Supremo Tribunal Federal” (fl. 697).

2.                É o relatório.

3.                Friso, preliminarmente, que o incidente de inconstitucionalidade não se consubstancia em consulta do órgão julgador fracionário ao tribunal pleno nem tem outra finalidade senão a declaração de inconstitucionalidade incidenter tantum em julgamento per saltum.

4.                Com a devida vênia, a colenda turma não se pronunciou sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade do preceito legal impugnado.

5.                A admissibilidade do incidente de inconstitucionalidade atende aos contornos legais e regimentais e, mormente, ao art. 97 da Constituição Federal e ao teor da Súmula Vinculante 10 do Supremo Tribunal Federal, impositivos da observância da cláusula de reserva de plenário quando a inconstitucionalidade de lei surja para o julgador em segundo grau de jurisdição como essencial para o julgamento da causa, ainda que assim não tenham postulado as partes no processo.

6.                O incidente somente seria inadmissível se o tribunal tivesse declarado no juízo abstrato, concentrado, direto e objetivo a inconstitucionalidade, com efeito erga omnes, da lei municipal questionada no controle difuso de constitucionalidade, como consta do parágrafo único do art. 481 do Código de Processo Civil ao determinar que “os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário, ou ao órgão especial, a arguição de inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão”. Neste sentido:

“3. ‘O princípio da reserva de plenário de que tratam os arts. 480 a 482 do CPC e 97 da CF/88 (...) é excetuado quando o Plenário ou Órgão Especial do Tribunal de origem ou o Supremo Tribunal Federal tenham declarado a inconstitucionalidade da norma impugnada’ (REsp 727.208/RR, Rel. Min. HUMBERTO MARTINS, Segunda Turma, DJe 16/4/09).” (STJ, AgR-AREsp 34.942-PE, 1ª Turma, Rel. Min. Arnaldo Esteves de Lima, 22-05-2012, v.u., DJe 28-05-2012).

7.                Consoante entendimento pacificado neste colendo Órgão Especial, o incidente de inconstitucionalidade não pode ser conhecido se o órgão judiciário suscitante não examina a questão da inconstitucionalidade, como ocorrido in casu em que o douto órgão fracionário determinou sua remessa ao colendo Órgão Especial abstendo-se de qualquer pronunciamento sobre a constitucionalidade ou não das normas mencionadas.

8.                A título de exemplo assim já decidiu este colendo Órgão Especial em venerando acórdão da lavra do eminente Desembargador Mário Devienne Ferraz, cujos valiosos fundamentos, no que interessa, são transcritos e incorporados expressamente:

“Ocorre que a instauração do incidente de inconstitucionalidade, regulado nos artigos 480 a 482 do Código de Processo Civil, exige que o órgão fracionário enfrente a alegação e decida se a acolhe ou a rejeita. Se a rejeitar, declarará as razões pelas quais concluiu nesse sentido e prosseguirá no julgamento de mérito. Na hipótese contrária, se acolher a arguição, deverá lavrar acórdão nesse sentido e suspenderá o julgamento, determinando a remessa dos autos ao Órgão Especial para decisão quanto à declaração incidental de inconstitucionalidade, nos moldes do que dispõe o artigo 97 da Constituição Federal e a Súmula Vinculante nº 10, do colendo Supremo Tribunal Federal. Se o Órgão Especial concluir pela constitucionalidade ou inconstitucionalidade da lei ou ato normativo, os autos de qualquer forma retornarão ao órgão fracionário, que prosseguirá no julgamento do mérito, ficando vinculado, entretanto, ao que for decidido pelo Órgão Especial.

(...)

Como visto, a leitura do acórdão revela que a questão relativa ao acolhimento ou não da inconstitucionalidade da norma atacada não foi submetida à turma julgadora, que sobre isso não se pronunciou” (Incidente de Inconstitucionalidade de Lei n. 172.877-0/2-00, Miguelópolis, Órgão Especial, v.u., 18-02-2009.

9.                Compete ao órgão fracionário, em qualquer hipótese, se pronunciar sobre a inconstitucionalidade suscitada, fundamentando seu acolhimento ou sua rejeição.

10.              O colendo Órgão Especial não tem conhecido de incidente de inconstitucionalidade de lei se a douta Turma Julgadora simplesmente determina sua instauração sem pronunciamento positivo ou negativo da inconstitucionalidade.

11.              Ora, nos termos em que suscitado o incidente, ele não merece conhecimento.

12.              No mérito, se superada a preliminar, a Lei n. 804, de 26 de agosto de 1991, autorizou o Poder Executivo a desafetar por decreto várias glebas de terra para atendimento do Projeto Habitacional de Casa Própria (fls. 105/107) e inclusive, segundo consta da petição inicial, a delimitada no art. 3º que foi definida em loteamento registrado como área institucional (fl. 04).

13.              Em 04 de julho de 1996 foi editada a Lei n. 1.039 (fl. 112) alterando o caput do art. 1º da Lei n. 804/91 e acrescentou-lhe parágrafo único para excepcionar da finalidade indicada a gleba descrita no art. 3º desta que, aliás, foi por ela revogado no art. 2º daquela.

14.              O art. 180 da Constituição do Estado de São Paulo na redação vigente à época da edição dessas leis municipais assim dispunha em seu inciso VII:

“as áreas definidas em projeto de loteamento como áreas verdes ou institucionais não poderão, em qualquer hipótese, ter sua destinação, fim e objetivos originariamente estabelecidos alterados”.

15.              O contraste das normas locais com o parâmetro constitucional denota a inconstitucionalidade daquelas.

16.              Sabe-se que a inconstitucionalidade é congênita, nunca superveniente e que o controle de constitucionalidade é descabido se houver alteração substancial do parâmetro constitucional. Neste sentido:

“(...) 2. A cláusula de reserva de plenário (full bench) é aplicável somente aos textos normativos erigidos sob a égide da atual Constituição. 3. As normas editadas quando da vigência das Constituições anteriores se submetem somente ao juízo de recepção ou não pela atual ordem constitucional, o que pode ser realizado por órgão fracionário dos Tribunais sem que se tenha por violado o art. 97 da CF. Precedentes: AI-AgR 582.280, Segunda Turma, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 6.11.2006 e AI 831.166-AgR, Segunda Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, Dje de 29.4.2011” (STF, AgR-ARE 705.316-DF, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, 12-03-2013, m.v., DJe 17-04-2013).

17.              Destarte, “a alteração da Carta inviabiliza o controle concentrado de constitucionalidade de norma editada quando em vigor a redação primitiva” (STF, ADI-MC 3.833-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, 19-12-2006, m.v., DJe 13-11-2008), sendo julgada “prejudicada a ação direta quando, de emenda superveniente à sua propositura, resultou inovação substancial da norma constitucional que — invocada ou não pelo requerente — compunha necessariamente o parâmetro de aferição da inconstitucionalidade do ato normativo questionado” (STF, ADI 2.112-MC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 15-05-2002, DJ 18-05-2001). Neste sentido:

“(...) Prejudicialidade da ação direta quando se verifica inovação substancial no parâmetro constitucional de aferição da regra legal impugnada. Precedentes. (...)” (STF, ADI 2.197-RJ, Tribunal Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa, 10-03-2004, v.u., DJ 02-04-2004).

18.              Mas, essa orientação é própria apenas para o controle de constitucionalidade concentrado, não se aplicando ao incidental. De qualquer sorte, a modificação do parâmetro provocada pelas Emendas Constitucionais n. 23/07 e n. 26/08 não altera a convicção de inconstitucionalidade das leis locais.

19.              As alterações introduzidas contemplaram exceção à proibição do inciso VII do art. 180 para permitir a alteração de destinação que objetive a regularização de: loteamentos, cujas áreas verdes ou institucionais estejam total ou parcialmente ocupadas por núcleos habitacionais de interesse social destinados à população de baixa renda, e cuja situação esteja consolidada ou seja de difícil reversão; equipamentos públicos implantados com uso diverso da destinação, fim e objetivos originariamente previstos quando da aprovação do loteamento; e imóveis ocupados por organizações religiosas para suas atividades finalísticas.

20.              Essa exceção é condicionada aos requisitos. Exige-se que a situação das áreas objeto de regularização esteja consolidada até dezembro de 2004, e mediante a realização de compensação, que se dará com a disponibilização de outras áreas livres ou que contenham equipamentos públicos já implantados nas proximidades das áreas objeto de compensação (art. 180, § 1º), podendo ser dispensada essa medida, entretanto, por ato fundamentado da autoridade municipal competente, desde que nas proximidades da área pública cuja destinação será alterada existam outras áreas públicas que atendam as necessidades da população (art. 180, § 2º).

21.              Ou seja, se não bastasse a inconstitucionalidade congênita pela incompatibilidade das leis locais com o inciso VII do art. 180 da Constituição Estadual em sua redação primitiva, as leis locais seriam consideradas não recepcionadas em face de inexistência de compensação exigida pela alteração do parâmetro constitucional.

22.              Face ao exposto, opino pela declaração de inconstitucionalidade.

         São Paulo, 07 de outubro de 2013.

 

 

 

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

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