Parecer em incidente de Inconstitucionalidade

 

Processo nº 0186306-29.2013.8.26.0000

Suscitante: 5ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

Ementa: Incidente de inconstitucionalidade do art. 27da Lei Orgânica do Município de Guarulhos, que dispõe sobre a instauração de comissões especiais de inquérito, pela deliberação da maioria absoluta da Câmara dos Vereadores. Constituições Federal (art. 58 e seu § 3º) e Estadual (art. 13 e seu § 2º) que reclamam quórum de 1/3 para o mesmo objetivo. Violação de princípio de observância obrigatória pelos Municípios. Parecer pelo reconhecimento da inconstitucionalidade.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de incidente de inconstitucionalidade suscitado pela C. 5ª Câmara de Direito Público do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, nos autos da apelação em mandado de segurança (nº 0077842-83.2011.8.26.0224) impetrado por (...) contra ato do Presidente da Câmara Municipal de Guarulhos.

Objetiva-se atender à cláusula de reserva de plenário (Súmula Vinculante nº 10 do STF), eis que se cogita do eventual afastamento, por inconstitucionalidade, do art. 27 da Lei Orgânica do Município de Guarulhos.

Não há notícia de pronunciamento anterior do Órgão Especial, do Plenário ou do Supremo Tribunal Federal sobre a questão suscitada (art. 481, parágrafo único, do CPC).

Este é o resumo do que consta dos autos.

(...) impetrou mandado de segurança contra ato do Presidente da Câmara Municipal de Guarulhos, que exigiu “quórum de aprovação de maioria absoluta”, para a instauração de Comissão Especial de Inquérito para “averiguação de denúncias junto a Secretaria de Educação”.

Em 1º grau de jurisdição, a segurança foi concedida, ao argumento de que a exigência de maioria absoluta para a instauração de comissão especial de inquérito, prevista no art. 27 da Lei Orgânica Municipal, encontra-se eivada de inconstitucionalidade (fls. 106/108 vº).

Contra tais fundamentos se opôs o Presidente da Câmara Municipal, em tempestiva apelação (fls. 123/129).

A questão que se submete ao C. Órgão Especial é a de saber se padece de inconstitucionalidade o art. 27 da Lei Orgânica do Município de Guarulhos, assim redigido:

“Art. 27 – As comissões especiais de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judicias, além de outros previstos no regimento interno, serão criadas pela Câmara, mediante requerimento de pelo menos um terço de seus membros, que deverá ser aprovado por maioria absoluta dos membros do Legislativo, para a apuração de fato determinado e prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, objetivando a responsabilização civil ou criminal dos infratores.”

No caso em exame, o art. 27 da Lei Orgânica do Município de Guarulhos exige quorum qualificado da maioria absoluta dos membros da Câmara Municipal para a instauração de comissões especiais de inquérito.

Contrariamente, o art. 58 e seu parágrafo terceiro, da Constituição da República, em situação cuja simetria deveria ser observada, na medida em que envolve a instauração de comissões parlamentares de inquérito, não exige quorum de maior qualificação, fazendo a seguinte previsão:

“Art. 58. O Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo regimento ou no ato de que resultar sua criação.

(...)

§ 3º - As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além e outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores.”

De igual teor é o art. 13, § 2º da Constituição Bandeirante in verbis:

“Art. 13 – A Assembleia Legislativa terá Comissões permanentes e temporárias, na forma e com as atribuições previstas no Regimento Interno.

(...)

§ 2º - As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além e outros previstos no Regimento Interno, serão criadas mediante requerimento de um terço dos membros da Assembleia Legislativa, para apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, quando for o caso, encaminhadas aos órgãos competentes do Estado para que promovam a responsabilidade civil e criminal de quem de direito.”

Evidente que a Lei Municipal, por coerência e simetria exigida no art. 29 da Constituição Federal, deve se submeter aos princípios nela estabelecidos, assim como nos abraçados pela Constituição Estadual, prevendo os mesmos critérios e o mesmo quorum para a instauração de comissões especiais de inquérito.

A previsão do art. 27 da Lei Orgânica do Município de Guarulhos contraria tais posturas ao exigir quorum de maioria absoluta para a instauração de C.E.I., o que exige a declaração de sua inconstitucionalidade, posto que, no âmbito de seu poder de auto-organização, o município tem limites constitucionais bem explícitos, como nos indica o artigo 29, “caput”, da Constituição da República.

É dizer: o Município organiza-se e rege-se por sua Lei Orgânica e pelas demais leis que adotar, mas, para atingir tal desiderato, há que observar os princípios da Constituição da República e os da Constituição do respectivo Estado.

É autônomo o Município, nos termos da Constituição. Autonomia, entretanto, não significa a apropriação de liberdade ilimitada para dispor normativa e organizacionalmente sobre os poderes municipais. Há que se respeitar a fonte única dos poderes: a Constituição da República (Cf. José Nilo de Castro, in Direito Municipal Positivo, Del Rey, 3ª edição, p. 66).

Decorre daí que, no ponto questionado, o legislador municipal deveria ter adotado, como parâmetro, o texto constitucional. Ainda que bem intencionado, não lhe cabia inovar definindo quorum diferente do estabelecido na Constituição Federal e na Estadual para a instauração de C.E.I.

Esse tema, aliás, já foi enfrentado por esse C. Órgão Especial, que tem entendido, pela maioria de seus membros, que as regras constitucionais destacadas se aplicam por simetria às municipalidades.

Diante do exposto, o parecer é pela declaração da inconstitucionalidade do art. 27 da Lei Orgânica do Município de Guarulhos.

São Paulo, 29 de outubro de 2013.

 

 

         Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

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