Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

Processo n. 0191412-69.2013.8.26.0000

Suscitante: 19ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

 

Ementa:

1.      Arguição de inconstitucionalidade do art. 13 da Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001. Necessidade de conferir à norma interpretação no sentido de que a sentença proferida em usucapião especial de imóvel urbano, invocada em matéria de defesa, para ser registrada no cartório de registro de imóvel, exigirá que os confinantes, as fazendas públicas, eventuais interessados e o Ministério Público sejam comunicados.

2.      Nem se pode dizer que a referida providência ofenderia os princípios do devido processo legal e da duração razoável do processo, porque resta evidente a conexão entre a ação petitória e a ação de usucapião especial urbano. Assim, melhor se afigura possibilitar que os interessados participem do processo, o que solucionaria de uma vez por todas a demanda, a se impedir que a sentença de usucapião especial de imóvel urbano possa ser registrada no cartório de registro de imóveis.

3.      Mostra-se adequado permitir a participação dos interessados em sede de ação petitória, quando levantado o tema da usucapião em sede de defesa, porque eventual demora em nada ofenderá a duração razoável do processo, uma vez que a causa será decidida definitivamente.

4.      Parecer no sentido do conhecimento e acolhimento da arguição de inconstitucionalidade, para dar interpretação conforme ao art. 13 do Estatuto da Cidade.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

1.   Relatório.

Trata-se de arguição de inconstitucionalidade suscitada pela C. 19ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, quando do julgamento da Apelação nº 0052406-15.2011.8.26.0001, cujo relator foi o Desembargador RICARDO PESSOA DE MELLO BELLI, em 12 de agosto de 2013.

A Col. Câmara arguiu a inconstitucionalidade do art. 13 da Lei n. 10.257/01. Veja-se o teor da ementa:

“Ementa: Apelação Ação de reintegração de posse. Pedido contraposto pleiteando o reconhecimento de usucapião, com vistas à obtenção de título de domínio, na forma do art. 13 da Lei 10.257/01. Dispositivo que padece da eiva da inconstitucionalidade, por afronta ao mandamento do devido processo legal (CF, art. 5º, LIV). Inadmissível, com efeito, o reconhecimento de usucapião, com força de coisa julgada material, em processo de que não participem os titulares do registro, os confrontantes, as fazendas públicas e o Ministério Público. Hipótese não se confundindo com a possibilidade de exceção de usucapião, nas ações petitórias e possessórias (Súmula 237 do STF), já que esta é suscitada com o único objetivo de resistir à pretensão do autor, trazendo efeitos ‘inter partes’ e sem a outorga de título de domínio. Sentença de proclamação do usucapião que, com efeito, produz eficácia ‘erga omnes’ e, portanto, reclama a concessão de oportunidade de defesa a todos aqueles que possam ter objeção ao pleito. Inviável, por outro lado, a ampliação procedimental para propiciar o chamamento dos interessados, em processos tais, o que infringiria outro nuclear mandamento constitucional, o que assegura a razoável duração do processo e a celeridade de sua tramitação (CF, art. 5º, LXXVIII). Quadro impondo a suscitação de incidente de inconstitucionalidade ao Pleno deste Tribunal, nos termos do disposto nos arts. 481 e 482 do CPC e da Súmula Vinculante 10. Suscitado incidente de inconstitucionalidade”.

Objetiva-se atender à cláusula de reserva de plenário (Súmula Vinculante nº 10 do STF).

Não há notícia de pronunciamento anterior do Órgão Especial, do Plenário ou do Supremo Tribunal Federal sobre a questão suscitada (art. 481, parágrafo único, do CPC).

É o relato do essencial.

2. Da admissibilidade do incidente de inconstitucionalidade.

Como anota José Carlos Barbosa Moreira, comentando o parágrafo único do art. 481 do CPC, “são duas as hipóteses em que se deixa de submeter a arguição ao plenário ou ao órgão especial: (a) já existe, sobre a questão, pronunciamento de um desses órgãos do tribunal em que corre o processo; (b) já existe, sobre a questão, pronunciamento do plenário do STF. A redação alternativa indica que é pressuposto bastante da incidência do parágrafo a ocorrência de uma delas” (Comentários ao CPC, vol.V, 13ªed., Rio de Janeiro, Forense, 2006, p.44).

 No caso em exame, salvo eventual equívoco, a quaestio iuris não foi examinada pelo Plenário ou Órgão Especial. De outro lado, e de acordo com pesquisa informatizada, não há notícia de que a validade dessa norma foi julgada pelo Supremo Tribunal Federal ou analisada por esse Sodalício sob a perspectiva aqui abordada.

Assim, considerando que (a) a solução da quaestio iuris é imprescindível para o julgamento do recurso, e (b) ainda não houve declaração de inconstitucionalidade a seu respeito pelo E. STF ou por esse E. Tribunal de Justiça, é de ser admitido o processamento do presente incidente de inconstitucionalidade.

3. Fundamentação.

O incidente de inconstitucionalidade foi suscitado em ação de reintegração de posse julgada improcedente, além de haver declarado extinto o pedido contraposto, por ausência de interesse de agir. Em apelação, objetivaram os réus o acolhimento do pedido contraposto, a fim de obter o título de domínio sobre o imóvel em disputa.

Assevera o Ilustre Desembargador RICARDO PESSOA DE MELLO BELLI que o art. 13 da Lei n. 10.257/01 padece do vício de inconstitucionalidade pelos seguintes motivos:

a)    a denominada exceção de usucapião suscitada para resistir à pretensão petitória ou possessória não se confunde com a proclamação da usucapião com força de coisa julgada material, para fins de obtenção do domínio. Na primeira hipótese, o efeito é “inter partes”, não se caracterizando título de propriedade;

b)    a sentença que pronuncia a usucapião com atributo de coisa julgada afeta interesses jurídicos de inúmeras pessoas, razão pela qual se faz necessária a intervenção de diversos interessados;

c)      a aplicação literal do art. 13 do Estatuto da Cidade, com o reconhecimento da usucapião especial em processo do qual não façam parte ou não tenham sido citados os titulares do registro, os confinantes, as fazendas públicas, eventuais interessados e em que não haja intervenção do Ministério Público ofende o disposto no art. 5º, inciso LIV, da Constituição Federal, o qual dispõe que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”;

d)    por outro lado, permitir o ingresso de todos os interessados  no âmbito de ação petitória ou possessória ofenderia a razoável duração do processo e a celeridade (art. 5º, LXXVIII da Constituição Federal);

e)     no mesmo sentido, o art. 7º da Lei n. 6.969/81 não foi recepcionado pela Constituição Federal.

De plano, cumpre observar que a usucapião urbana está prevista em três dispositivos.

Em primeiro lugar, a Constituição Federal de 1988 estatui em seu art. 183 que “aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural”. A seguir, o art. 9º da Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001 (Estatuto da Cidade), ao disciplinar a usucapião especial de imóvel urbano, repete o Texto Constitucional, apenas acrescentando o vocábulo “edificação”. Finalmente, o art. 1.240 do Código Civil de 2002 assevera: “Art. 1.240. Aquele que possuir, como sua, área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural”.

Destaque-se que a Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001, ao disciplinar a usucapião especial de imóvel urbano assim dispõe:

“Art. 13. A usucapião especial de imóvel urbano poderá ser invocada como matéria de defesa, valendo a sentença que a reconhecer como título para registro no cartório de registro de imóveis”.

Veja-se, então, que a norma supra referida não padece de inconstitucionalidade, sobretudo porque a usucapião especial urbana do Estatuto da Cidade objetiva beneficiar a família que resida no imóvel. Aliás, constitui requisito a utilização do imóvel para moradia de área urbana de “até duzentos e cinquenta metros quadrados”, sendo esse o tamanho máximo fixado pelo legislador constitucional.

Basta conferir ao referido dispositivo interpretação no sentido de que a sentença proferida em usucapião especial de imóvel urbano invocada em matéria de defesa, para ser registrada no cartório de registro de imóvel, exigirá que os confinantes, as fazendas públicas, eventuais interessados e o Ministério Público sejam comunicados.

Nem se pode dizer que referida providência ofenderia os princípios do devido processo legal e da duração razoável do processo, mesmo porque resta evidente a conexão entre a ação petitória e a ação de usucapião especial urbano. Assim, melhor se afigura possibilitar que os interessados participem do processo, o que solucionaria de uma vez por todas a demanda, a se impedir que a sentença de usucapião especial de imóvel urbano possa ser registrada no cartório de registro de imóveis.

Aliás, bem analisado, mostra-se adequado permitir a participação dos interessados em sede de ação petitória, porque eventual demora em nada ofenderá a duração razoável do processo, pois a causa será decidida de uma vez por todos, atribuindo-se ou não a propriedade ao polo passivo.

 

 

4. Conclusão.

 Destarte, opino pela interpretação conforme à Constituição Federal de 1988 do art. 13 da Lei n. 10.257/01, a fim de que a usucapião especial de imóvel urbano invocada como matéria de defesa possa ser registrada no cartório de imóveis, desde que os confinantes, as fazendas públicas, eventuais interessados e o Ministério Público sejam comunicados da demanda.

 

São Paulo, 07 de novembro de 2013.

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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