Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

Processo nº 0248718-30.2012.8.26.0000

Órgão Especial

Suscitante: 9ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça

Apelante: (...)

Apelado: SECRETÁRIO MUNICIPAL DE ADMINISTRAÇÃO DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS

Ementa:

1)      Incidente de inconstitucionalidade. Direito Administrativo. Concurso público. Guarda municipal. Art. 15, II, da Lei Complementar Municipal n. 359/08, que fixa limite máximo da idade de 25 anos para ingresso no serviço.

2)      Inconstitucionalidade. Súmula n. 683 do STF. Art. 39, § 3º, e art. 7º, XXX da CF. Ausência de razoabilidade no critério etário imposto, que não se justifica em função da natureza do cargo e das atividades a ele relacionadas.

3)      Parecer no sentido do conhecimento e acolhimento da arguição de inconstitucionalidade.

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

Trata-se de arguição de inconstitucionalidade suscitada pela C. 9ª Câmara de Direito Público, quando do julgamento da apelação cível nº 0248718-30.2012.8.26.0000, relator o Desembargador Oswaldo Luiz Palu, na sessão de julgamento realizada em 29 de agosto de 2012.

A Col. Câmara arguiu a inconstitucionalidade do art. 15, II, da Lei Complementar nº 359/08, do Município de São José dos Campos, em v. acórdão do qual consta a seguinte ementa:

“(...)

APELAÇÃO CÍVEL. Concurso público para provimento de cargo de Guarda Civil Municipal. Fixação de idade máxima para ingresso no cargo. Previsão legal. Estabelecimento pelo artigo 15, II, da Lei Complementar Municipal nº 359/08 de limite máximo de idade de 25 anos ingresso no cargo, o qual apenas foi repetido pelo edital. Incidência da súmula nº 683 do STF e do artigo 39, § 3º, da Carta Constitucional. Ofensa ao artigo 7º, XXX, da Carta Maior, diante da falta de razoabilidade no limite. Não parece razoável exigir idade tão baixa, mesmo para as difíceis atribuições do cargo de guarda municipal. A limitação ofende o artigo 7º, inciso XXX, da Carta Constitucional, em especial, diante do artigo 39, § 3º, da mesma Carta, que autoriza o estabelecimento de requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir. É claro que a isonomia – que também repercute no acesso aos cargos, empregos e funções públicas – só interdita as exigências que, embora genéricas e impessoais, não tenham uma fundamentação objetiva e razoável. Consequentemente em um mesmo concurso público não é admissível condição estranha ao propósito de selecionar os melhores e os mais idôneos. Porém, a idade do candidato é um critério de exclusão válido sempre que não afronte o princípio da razoabilidade. Inconstitucionalidade premente. Remessa dos autos ao C. Órgão Especial.

(...)”

É o relato do essencial.

A arguição de inconstitucionalidade deve ser conhecida e acolhida.

O dispositivo da Lei Complementar Municipal nº 359/08, de São José dos Campos, glosado pela Col. 9ª Câmara de Direito Público tem a seguinte redação:

“(...)

Art. 15. São requisitos mínimos, além dos estabelecidos no artigo 5º da Lei Complementar nº 56, de 24 de julho de 1992, para a investidura no cargo de provimento efetivo de Guarda Civil Municipal 2ª Classe:

(...)

II - ter idade máxima de 25 anos, completados até o dia do término da inscrição ao concurso público de Guarda Civil Municipal;

(...)”

Ao suscitar o incidente, consignou o relator que:

“(...)

Não parece razoável exigir idade tão baixa, mesmo para as difíceis atribuições do cargo de guarda municipal. A limitação ofende o artigo 7º, inciso XXX, da Carta Constitucional, em especial, diante do artigo 39, § 3º, da mesma Carta, que autoriza o estabelecimento de requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir. Claro que os guardas municipais, assim como policiais civis e militares, têm de ingressar jovens na respectiva corporação, por motivos óbvios, mas o limite da referida lei local parece exageradamente restritivo. Poderia ser 30 anos, como a Polícia Militar ou 35 como inúmeras carreiras, ‘data venia’, mas 25 anos, a meu ver, não se afigura razoável.

(...)”

E como acertadamente ponderou a Col. 9ª Câmara de Direito Público ao suscitar o incidente, essa limitação imposta pela legislação municipal mostra-se incompatível com a Constituição, na medida em que se mostra despida de razoabilidade.

O art. 7º, XXX, da CF veda expressamente diferenciação no acesso ao emprego em função da idade, quando não haja fator consistente de discriminação que assinale para a legitimidade da distinção.

Esse dispositivo aplica-se aos servidores públicos, por expressa remissão contida no art. 39, § 3º da CF.

De outro lado, o Col. STF assentou a jurisprudência em torno do tema, ao editar o verbete nº 683 da súmula da sua jurisprudência dominante, assim redigido:

“(...)

Súmula nº 683. O limite de idade para a inscrição em concurso público só se legitima em face do art. 7º, XXX, da Constituição, quando possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido.

(...)”

Ademais, tratando de situações análogas o Col. STF se manifestou no sentido de que restrição etária para ingresso no serviço público por concurso só se legitima quando calcada no princípio da razoabilidade.

Confiram-se os precedentes a seguir indicados, aplicáveis à hipótese em exame mutatis mutandis:

“(...)

Pode a lei, desde que o faça de modo razoável, estabelecer limites mínimo e máximo de idade para ingresso em funções, emprego e cargos públicos. Interpretação harmônica dos arts. 7º, XXX, 37, I, 39, § 2º. O limite de idade, no caso, para inscrição em concurso público e ingresso na carreira do Ministério Público do Estado de Mato Grosso – vinte e cinco anos e quarenta e cinco anos – é razoável, portanto não ofensivo à Constituição, art. 7º, XXX, ex vi do art. 39, § 2º. Precedentes do STF: RMS 21.033/DF, RTJ 135/958; RMS 21.046; RE 156.404/BA; RE 157.863/DF; RE 136.237/AC; RE 146.934/PR; RE 156.972/PA. (RE 184.635, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 26-11-1996, Segunda Turma, DJ de 4-5-2001.)

(...)

Concurso público da polícia militar. Teste de esforço físico por faixa etária: exigência desarrazoada, no caso. Ofensa aos princípios da igualdade e legalidade. O Supremo Tribunal Federal entende que a restrição da admissão a cargos públicos a partir da idade somente se justifica se previsto em lei e quando situações concretas exigem um limite razoável, tendo em conta o grau de esforço a ser desenvolvido pelo ocupante do cargo ou função. No caso, se mostra desarrazoada a exigência de teste de esforço físico com critérios diferenciados em razão da faixa etária. (RE 523.737-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 22-6-2010, Segunda Turma, DJE de 6-8-2010.) No mesmo sentido: RE 598.969-AgR, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 20-3-2012, Segunda Turma, DJE de 13-4-2012

(...)

Recurso extraordinário. Concurso público para a admissão a Curso de Formação de agente penitenciário. Admissibilidade da imposição de limite de idade para a inscrição em concurso público. - O Plenário desta Corte, ao julgar os recursos em mandado de segurança 21.033 e 21.046, firmou o entendimento de que, salvo nos casos em que a limitação de idade possa ser justificada pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido, não pode a lei, em face do disposto nos artigos 7º, XXX, e 30, § 2º, da Constituição Federal, impor limite de idade para a inscrição em concurso público. - No caso, dada a natureza das atribuições do cargo, é justificada a limitação de idade, tanto a mínima quanto a máxima, não se lhe aplicando, portanto, a vedação do artigo 7º, XXX, da Constituição Federal. Recurso extraordinário conhecido e provido. (RE 176479 / RS, 1ª T., rel. Min. Moreira Alves, j. 26/11/1996, DJ 05-09-1997

(...)”

Em suma, não se mostra razoável imaginar que alguém só esteja apto para o ingresso no serviço público como guarda municipal, apenas até os 25 anos de idade.

Por mais graves e exigentes que sejam tais funções, tanto do ponto de vista emocional, físico, psicológico e intelectual, mostra-se razoável asseverar que em faixa etária superior ao limite escolhido pelo legislador municipal será possível encontrar pessoas aptas ao desempenho de tais encargos.

A restrição excessiva, como a que operou a lei municipal em exame, mostrou-se despida de razoabilidade, e por essa razão ofensiva à isonomia de tratamento daqueles que desejem disputar referidos cargos públicos.

Por tais razões, nosso parecer é no sentido do conhecimento do incidente, e da declaração da inconstitucionalidade do inciso II do art. 15 da Lei Complementar Municipal nº 359/08, de São José dos Campos.

São Paulo, 21 de fevereiro de 2013.

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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