Incidente de Inconstitucionalidade

 

Autos nº.  0262746-03.2012.8.26.0000

Suscitante: Oitava Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça

 

Parecer do Ministério Público

 

Ementa: Leis ns.  987/00, 1865/05 e 1989/06, do Município de Ribeirão Preto que autorizam a concessão do direito real de uso de área pública a associações que desenvolvem atividades e serviços apenas para determinada parcela da população. Violação do inciso VII do art. 180, “caput”, da Constituição do Estado de São Paulo.  Parecer pela admissão e acolhimento do incidente de inconstitucionalidade.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

1) Relatório

O Ministério Público de São Paulo ajuizou Ação Civil Pública, objetivando a anulação das Leis ns.  987/00, 1865/05 e 1989/06, do Município de Ribeirão Preto, que autorizam a concessão do direito real de uso de área pública a associações que desenvolvem atividades e serviços apenas para determinada parcela da população, em virtude destas violarem o art. 180, VII, da Constituição do Estado de São Paulo.

A ação foi julgada procedente pela r. Sentença de fls. 327/337, reconhecendo-se a inconstitucionalidade das normas por as mesmas terem contrariado o disposto no art. 180, VII, da Constituição Estadual, ficando anulados os atos administrativos do Poder Executivo que autorizaram a concessão, “devendo ser revertido o imóvel e eventuais benfeitorias existentes ao patrimônio público municipal, sem direito de retenção”.

Houve interposição de recursos de apelação, nos quais se defende a constitucionalidade das normas.

As contrarrazões foram apresentadas às fls. 469/484.

Parecer da Procuradoria de Justiça de Interesses Difusos e Coletivos, pelo não provimento dos recursos interpostos (fls. 491/501).

Pelo v. Acórdão de fls. 511/518, a Oitava Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça determinou a remessa dos autos a este Colendo Colegiado para atendimento da cláusula do artigo 97 da                                                                                       Constituição da República e da Súmula Vinculante n. 10, do Supremo Tribunal Federal.

Eis, em breve síntese, o relatório.

2) Da admissibilidade do incidente de inconstitucionalidade.

A questão de direito deve ser solucionada para que seja possível concluir-se o julgamento das apelações interpostas pelos recorrentes.

Como anota José Carlos Barbosa Moreira, comentando o parágrafo único do art. 481 do CPC, “são duas as hipóteses em que se deixa de submeter a argüição ao plenário ou ao órgão especial: (a) já existe, sobre a questão, pronunciamento de um desses órgãos do tribunal em que corre o processo; (b) já existe, sobre a questão, pronunciamento do plenário do STF. A redação alternativa indica que é pressuposto bastante da incidência do parágrafo a ocorrência de uma delas” (Comentários ao CPC, vol.V, 13ªed., Rio de Janeiro, Forense, 2006, p.44).

No caso em exame, salvo eventual equívoco, a quaestio iuris – que se restringe à verificação da constitucionalidade das Leis ns.  987/00, 1865/05 e 1989/06, do Município de Ribeirão Preto – não foi examinada pelo Plenário ou Órgão Especial.

Assim, considerando que (a) a solução da quaestio iuris é imprescindível para o julgamento do recurso de apelação, e (b) ainda não houve declaração de inconstitucionalidade a seu respeito pelo E. STF ou por esse E. Tribunal de Justiça, é de ser admitido o processamento do presente incidente de inconstitucionalidade.

3) Fundamentação.

Inicialmente é de se consignar que o artigo 180 da Constituição do Estado de São Paulo, cuja constitucionalidade já foi proclamada pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, sofreu alteração redacional por ocasião da Emenda n° 23, de 31 de janeiro de 2007, passando a ter o seguinte teor:

“As áreas definidas em projetos de loteamento como áreas verdes ou institucionais não poderão ter sua destinação, fim e objetivos originais alterados, exceto quando a alteração da destinação tiver como finalidade a regularização de:

a) loteamentos, cujas áreas verdes ou institucionais estejam total ou parcialmente ocupadas por núcleos habitacionais de interesse social, destinados à população de baixa renda e cuja alteração esteja consolidada;

b) equipamentos públicos implantados com uso diverso da destinação, fim e objetivos originariamente previstos quando da aprovação do loteamento”.

A mencionada Emenda Constitucional ainda acrescentou dois parágrafos ao art. 180 da Carta Paulista, sendo que o § 1° teve a seguinte redação:

“§ 1° - As exceções contempladas nas alíneas “a” e “b” do inciso VII deste artigo serão admitidas desde que a situação das áreas objeto de regularização esteja consolidada até dezembro de 2004, e mediante a realização de compensação que se dará com a disponibilização de outras áreas livres ou que contenham equipamentos públicos já implantados nas proximidades das áreas objeto de compensação”.

Fica absolutamente cristalina a intenção do legislador paulista de, ao permitir raras exceções à regra geral, coibir a alteração de destinação de área verde ou institucional havida pelo Poder Público Municipal.

De fato, as áreas verdes e institucionais têm a função de proporcionar aos habitantes de determinada localidade onde se instituiu um núcleo de pessoas a possibilidade de, sem um deslocamento de grandes proporções, desfrutar de lazer e equilíbrio ambiental, bem como ter acesso aos equipamentos públicos indispensáveis a uma vida digna.

Ao permitir o desvirtuamento dos objetivos, finalidades e destinações destas áreas, o Poder Público penaliza o cidadão, que deixa de alcançar a qualidade de vida pretendida pelo legislador. Daí porque o Parlamento Paulista, através da Emenda Constitucional n° 23,                                                                                               admitiu a ocorrência da alteração destas situações em casos excepcionalíssimos.

Realmente, conquanto tenha o Poder Legislativo Paulista admitido aquelas exceções, estas foram aceitas apenas para regularizar certas situações já consolidadas, cuja reversão era impossível ou de dificílima ocorrência.

Assim, permitiu a Constituição Bandeirante, a partir da citada Emenda, que pudesse ocorrer a alteração daquelas situações jurídicas, quando as áreas verdes ou institucionais já estivessem total ou parcialmente ocupadas por núcleos habitacionais de interesse social, destinados à população de baixa renda, e já consolidados, bem como para manter equipamentos públicos não previstos originariamente para aqueles locais.

E, mesmo nas situações acima retratadas, o § 1° do art. 180 exige que as hipóteses de exceção já estivessem consolidadas até dezembro de 2004, e que fossem feitas compensações de áreas, nas imediações daquelas que tiveram a alteração.

Não é o caso dos autos.

Com efeito, conforme podemos verificar da documentação anexada à presente inicial, os diplomas legais ora combatidos autorizaram a  concessão de direito real de uso de área pública institucional com 14.963,46 m², primeiramente à Associação Evangélica Fonevida (Lei n. 987/2.000). Depois, a Lei n. 1.865/2.005 passou a referida área à Associação de Apoio ao Psicótico. E, por fim, a Lei n. 1.989/2.006 alterou as anteriores para “prescrever que a concessão terá vigência pelo prazo de trinta anos, e que a finalidade é a implantação da sede administrativa da concessionária, bem como apoio espiritual, via telefone, às pessoas necessitadas, além de atendimento social”.

Não existe, portanto, o elemento constitucional necessário para a ocorrência da alteração de destinação, fim ou objetivos, qual seja, a necessidade de regularização pretendida pelas Leis ns.  987/00, 1865/05 e 1989/06, do Município de Ribeirão Preto, pois não há naquela área nenhum núcleo habitacional de baixa renda já consolidado, nem equipamento público de uso diverso de destinação originária.

Como é possível verificar dos autos, a sustação dos efeitos das Leis ns.  987/00, 1865/05 e 1989/06, do Município de Ribeirão Preto, era de fato de extrema urgência, na medida em que, enquanto estas estiverem em vigência, fica o Poder Executivo municipal autorizado a alterar as destinações de  áreas institucionais.

Por essas razões, o parecer é pela inconstitucionalidade das Leis ns.  987/00, 1865/05 e 1989/06, do Município de Ribeirão Preto.

São Paulo, 7 de janeiro de 2013.

 

 

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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