Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

Processo n. 2052715-97.8.26.0000

Suscitante: Prefeito do Município de Sales

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Processo Civil. Incidente de Inconstitucionalidade. Indeferimento. Petição dissociada do julgamento de recurso no órgão fracionário. Câmara de Direito Público que desproveu agravo. Inépcia da petição inicial. Ausência de indicação de parâmetro constitucional. Descabimento de invocação de súmula vinculante ou do direito infraconstitucional. Impossibilidade de recebimento como ação declaratória de constitucionalidade. Alteração do art. 73 e do § 19 do art. 106 da Lei Orgânica do Município de Sales. Emenda n. 06/13. Previsão de Secretários Municipais. Exclusão da proibição de nepotismo. Lei n. 1.732/13. Criação das Secretarias Municipais. Desvio de finalidade de ato legislativo. Violação dos princípios de moralidade e impessoalidade. Improcedência da pretensão. 1. O incidente de inconstitucionalidade deve ser suscitado pelo órgão julgador fracionário ao tribunal pleno antes do julgamento do recurso para a declaração de inconstitucionalidade incidenter tantum, competindo ao órgão fracionário pronunciar-se positivamente sobre a inconstitucionalidade suscitada. 2. Não conhecimento do incidente suscitado em petição avulsa após o julgamento do recurso pelo órgão fracionário. 3. Inadmissibilidade de recebimento como ação declaratória de constitucionalidade por sua inépcia em razão da ausência de indicação, na petição inicial, do parâmetro constitucional violado, não servindo a tanto súmula vinculante nem direito infraconstitucional. 4. A eficácia de súmula vinculante é exclusivamente dirigida a ato administrativo ou decisão judicial, não alcançando ato normativo. 5. Em face de decisões judiciais desconformes a Súmula Vinculante 13 do Supremo Tribunal Federal são cabíveis recursos e reclamação. 6. Lei Orgânica do Município de Sales alterada pela Emenda n. 06/13 a fim de excluir da redação do § 19 do art. 106 (que proibia o nepotismo sem exceção) os Secretários Municipais, cujos cargos também foram criados por essa emenda em substituição aos Assessores Municipais no art. 73, seguindo-se a Lei n. 1.732/13 criando e organizando as Secretarias Municipais. 7. Precedentes do Órgão Especial invectivando o desvio de finalidade de ato legislativo ao declarar a inconstitucionalidade de leis municipais editadas com o propósito de burla à Súmula Vinculante 13. 8. Conquanto agentes políticos, Secretários Municipais não estão excluídos da proibição da súmula vinculante, não bastasse a primazia dos princípios de moralidade e impessoalidade. 9. Improcedência da ação.

 

 

 

 

 

 

Eminente Relator,

Colendo Órgão Especial:

 

 

 

 

 

 

1.                O Prefeito do Município de Sales requereu, em 04 de abril de 2014, a instauração de incidente de inconstitucionalidade, com fulcro no art. 480 do Código de Processo Civil e no art. 190 do Regimento Interno do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, para o reconhecimento da constitucionalidade da Emenda n. 06, de 25 de janeiro de 2013, à Lei Orgânica Municipal e da Lei n. 1.732/13, do Município de Sales, que criaram Secretarias Municipais e Procuradoria Geral do Município, e a concessão de liminar para suspensão do trâmite de ações civis públicas e de liminares nelas concedidas e confirmadas em segundo grau de jurisdição.

2.                Após a regularização da petição inicial, foi proferido o seguinte respeitável despacho:

I A propositura objetiva ver reconhecida a constitucionalidade da Emenda nº 6/2013, que alterou dispositivo da Lei Orgânica do Município de Sales, assim como da Lei Municipal nº 1.732/2013, à vista da qual foram criadas e providas Secretarias Municipais.

O autor alega que mediante equivocada compreensão acerca daqueles diplomas e da Súmula Vinculante nº 13 o Ministério Público ajuizou ações civis públicas na Comarca de Urupês, nas quais combate a nomeação de duas Secretárias Municipais, tendo o Juiz concedido liminar para sustar tal nomeação ao argumento de que houve nepotismo (feitos nºs 301363-16.2013.8.26.0648 e 300395-83.2013.8.26.0648).

Assim, o requerente pede sejam suspensas aquelas liminares, bem como o próprio curso dos processos até o definitivo julgamento desta ação declaratória.

Não se justifica, contudo, tal medida.

Primeiro porque, tal como ocorre na ação direta de inconstitucionalidade, também na declaratória de constitucionalidade o parâmetro de controle há de ser a Constituição estadual Realmente, o Supremo Tribunal Federal já se pronunciou no sentido de que ‘A fiscalização de constitucionalidade das leis e atos municipais, nos casos em que estes venham a ser questionados em face da Carta da República, somente se legitima em sede de controle incidental (método difuso). Desse modo, inexiste, no ordenamento positivo brasileiro, a ação direta de inconstitucionalidade de lei municipal, quando impugnada in abstracto em face da Constituição Federal’ (ADI nº 2.172 MC, rel. Min. Celso de Melo).

Aqui, contudo, o autor não aponta conformidade dos diplomas com o texto constitucional estadual, o que impõe oportuna reflexão sobre o próprio cabimento desta propositura.

Segundo porque, de todo modo, nem há, ao menos de pronto, evidência de que a tese na qual se amparam as ações civis públicas, à vista da qual houve a concessão de liminares e a confirmação de uma delas pela instância recursal (AI nº 2020234.18.2013.8.26.00), contraria o entendimento do Supremo Tribunal Federal, que é o intérprete da Constituição Federal e nessa condição editou a Súmula Vinculante nº 13.

Com efeito, o referido tribunal já assentou que ‘Em nenhum momento esta Corte pré-excluiu a aplicação da Súmula Vinculante 13 aos agentes políticos’ (MC na Reclamação Nº 9.098, rel. Min. Joaquim Barbosa).

Não se pode, por isso, reconhecer presente a fumaça do bom direito alegado pelo autor, isto é, de que os diplomas locais estão em conformidade com a Constituição da República ao permitir a nomeação de parentes para ocupar Secretarias Municipais.

Por isso e aquilo, indefiro a liminar”.

3.                O agravo regimental oposto foi desprovido.

4.                É o relatório.

5.                A petição inicial merece indeferimento.

6.                Não bastasse o requerente não apontar o parâmetro constitucional no qual repousa a constitucionalidade das normas municipais – e para tanto não se habilita súmula vinculante nem jurisprudência dominante porque a eficácia daquela é relativamente a atos administrativos e decisões judiciais, e não a normas -, requereu a instauração de incidente de inconstitucionalidade em petição avulsa.

7.                Ora, o incidente de inconstitucionalidade deve ser suscitado no julgamento do recurso interposto contra a decisão proferida na ação civil pública, não constituindo ação autônoma, e sua instauração depende de pronunciamento do órgão colegiado fracionário competente para julgar o mencionado recurso para que, afinal, o tribunal pleno aprecie a questão (art. 480, Código de Processo Civil). Neste sentido dispõe o Regimento Interno:

“Art. 193. O incidente de inconstitucionalidade de lei ou ato do Poder Público será suscitado pelo órgão julgador fracionário do Tribunal, de ofício ou a requerimento do interessado, para apreciação do Órgão Especial, nos termos da Constituição Federal e da lei processual civil.

Parágrafo único. Nos incidentes de inconstitucionalidade não caberão embargos infringentes.

Art. 194. Proclamada a constitucionalidade do texto legal ou ato normativo, ou não alcançada a maioria prevista na Constituição Federal (artigo 97), a arguição será julgada improcedente.

§ 1º. Publicada a conclusão do acórdão, os autos serão devolvidos ao órgão judicante que suscitou o incidente, para prosseguir no julgamento, de acordo com o pronunciamento do Órgão Especial.

§ 2º. Somente se houver motivo relevante, poderá ser renovado o incidente”.

8.                O requerente censura as decisões judiciais proferidas, inclusive agravo de instrumento julgado pela colenda 12ª Câmara de Direito Público (Processo n. 2020234-18.2013.8.26.0000), assinalando textualmente que:

“Não bastasse a dificuldade interpretativa, o despacho liminar inicial e o venerando acórdão em agravo de instrumento da 12° Câmara de Direito Público, negam eficácia ao art. 106, § 19º da lei municipal, ao indiretamente suspenderem seus efeitos normativos”.

9.                Ocorre que a colenda 12ª Câmara de Direito Público deste egrégio Tribunal de Justiça já julgou o agravo interposto (conforme cópia agregada à petição inicial), cujo venerando acórdão tem a seguinte ementa:

“SECRETÁRIA MUNICIPAL. Prefeito que nomeou irmã para ocupar cargo comissionado de Secretária Municipal. Decisão agravada que afastou liminarmente a nomeada e suspendeu os vencimentos. Decisão mantida. Indícios de alteração legislativa e de reorganização da máquina administrativa para nomear parente. Princípios da moralidade e da impessoalidade. Hipótese não excepcionada pela Súmula Vinculante nº 13 do STF. Precedentes deste Tribunal. Recurso não provido” (TJSP, AI 2020234-18.2013.8.26.0000, Urupês, 12ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Edson Ferreira, v.u., 30-10-2013).

10.              Nem se alegue que a petição inicial foi recebida como ação declaratória de constitucionalidade. E se assim for admitido, a petição inicial é inepta por falta de indicação de parâmetro, uma vez que para tanto não se habilita súmula vinculante nem jurisprudência dominante porque a eficácia daquela é relativamente a atos administrativos e decisões judiciais, e não a normas (art. 103-A, § 3º, Constituição Federal; Lei n. 11.417/06). Se para o requerente as decisões judiciais são desconformes a Súmula Vinculante 13 do Supremo Tribunal Federal os remédios cabíveis são os recursos e a reclamação.

11.               Se superadas as preliminares e recebida a petição inicial como ação declaratória de constitucionalidade, opino pela improcedência da pretensão.

12.              O Ministério Público ajuizou ações civis públicas na Comarca de Urupês questionando nomeações de parentes do alcaide para cargos de provimento em comissão alegando que a Lei Orgânica do Município de Sales foi alterada após a edição da Súmula Vinculante 13 do Supremo Tribunal Federal pela Emenda n. 06, de 2013, a fim de excluir da redação do § 19 do art. 106 - que proibia o nepotismo sem exceção - os Secretários Municipais, sendo que os respectivos cargos também foram criados por essa emenda em substituição aos Assessores Municipais no art. 73. Também articulou que, em seguida, foi editada a Lei n. 1.732/13 criando e organizando as Secretarias Municipais.

13.              Esta egrégia Corte já se debruçou sobre o tema invectivando o desvio de finalidade de ato legislativo em pronunciamentos deste Órgão Especial ao declarar a inconstitucionalidade de leis municipais editadas com o propósito de burla à Súmula Vinculante 13 (TJSP, ADI 994.09.224748-5, Órgão Especial, Rel. Des. Palma Bisson, m.v., 28-04-2010; TJSP, ADI 0010165-63.2010.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Des. Roberto Mac Cracken, v.u., 08-05-2013). Neste sentido, também decidiu o Supremo Tribunal Federal (STF, Rcl-MC 9.075-SP, Rel. Min. Cezar Peluso, 05-10-2009, DJe 13-10-2009).

14.              O vício de inconstitucionalidade é patente. A Lei Orgânica do Município assim previa antes da Emenda n. 06:

“Artigo 73 – Os Assessores Municipais serão escolhidos entre brasileiros maiores de vinte e um anos, residentes no município de Sales, e no exercício dos direitos políticos.

(...)

Art. 106.

(...)

§ 19 – Ficam proibidas nomeações ou contratações e a manutenção de nomeações ou contratações para cargos em comissão, de livre nomeação e exoneração, da Administração Pública direta ou indireta do Município, e do Poder Legislativo o, de cônjuge ou companheiro, de parentes em linha reta, colateral ou afinidade, até o terceiro grau, do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Vereadores, bem como dos Diretores, Gerentes ou ocupantes equivalentes na Administração Pública Municipal Indireta”.

15.              Após a Emenda n. 06, assim ficou a redação desses preceitos:

“Artigo 73 – Os Secretários Municipais, auxiliares diretos e da confiança do Prefeito, serão escolhidos entre brasileiros maiores de vinte e um anos, pessoalmente qualificados, e no exercício dos direitos políticos.

(...)

Art. 106.

(...)

§ 19 – Exceto para função de Secretário Municipal, são vedadas nomeações ou contratações, assim como a manutenção e contratações para cargos em comissão, de livre nomeação ou exoneração, da Administração Pública Direta ou Indireta do Município, e do Poder Legislativo, de cônjuge ou companheiro, de parentes em linha reta, colateral ou afinidade, até o terceiro grau, do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Vereadores, bem como dos Diretores, Gerentes ou ocupantes equivalentes na Administração Pública Municipal Indireta”.

16.              A própria Suprema Corte tem considerado que não há na Súmula Vinculante 13 exceção em favor de agentes políticos como Ministros ou Secretários (STF, Rcl-MC 12.478-DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 03-11-2011, DJe 08-11-2011; STF, Rcl-MC 11.605-SP, Rel. Min. Celso de Mello, 29-06-2012, DJe 02-08-2012), o que é robustecido pela compreensão das inelegibilidades. Com efeito, o art. 14, § 7º, da Constituição Federal, cunha inelegibilidade relativa por motivo de parentesco, impedindo a eleição no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consanguíneos ou afins. Ora, se a moralidade administrativa impede a investidura mediante eleição em razão do parentesco, idêntica razão aconselha a proibição do nepotismo no provimento de cargos de Ministros ou Secretários. E também decidiu que:

A previsão impugnada, ao permitir (excepcionar), relativamente a cargos em comissão ou funções gratificadas, a nomeação, a admissão ou a permanência de até dois parentes das autoridades mencionadas no caput do art. 1º da Lei estadual nº 13.145/1997 e do cônjuge do chefe do Poder Executivo, além de subverter o intuito moralizador inicial da norma, ofende irremediavelmente a Constituição Federal” (STF, ADI 3.745-GO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Toffoli, 15-05-2013, v.u., DJe 01-08-2013).

17.              A incompatibilidade dos atos normativos do Município de Sales com os princípios de moralidade e impessoalidade é manifesta.

18.              Face ao exposto, opino pelo indeferimento da petição, e inclusive de seu recebimento como ação declaratória de constitucionalidade, e, no mérito, por sua improcedência.

                  São Paulo, 28 de julho de 2014.

 

 

 

 

        Nilo Spinola Salgado Filho

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

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