Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 181, § 2.º

Protocolado n.º 22.947/12

Autos n.º 125/11 – MM. Juízo da Vara da Infância e da Juventude da Comarca de Serrana

Adolescente: (...)

Assunto: revisão de promoção de arquivamento de procedimento apuratório de ato infracional (adolescente que atingiu a maioridade penal)

 

 

EMENTA: ECA, ART. 181, § 2.º. REVISÃO DE ARQUIVAMENTO DE PROCEDIMENTO VISANDO À APURAÇÃO DE ATO INFRACIONAL EQUIPARADO A ROUBO AGRAVADO (CP, ART. 157, § 2.º, I E II). PEDIDO EMBASADO NA SUPERVENIÊNCIA DA MAIORIDADE PENAL DO ADOLESCENTE. DESCABIMENTO. PROPOSITURA DA REPRESENTAÇÃO.

1. O fato de o agente ter completado dezoito anos não afasta a aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente, notadamente quanto à imposição de medida socioeducativa, haja vista o disposto no art. 2.º, parágrafo único, da Lei n.º 8.069/90.

2. A se entender o contrário, estar-se-ia criando inaceitável faixa de impunidade, pela não-incidência da legislação menorista e da lei penal. Precedentes do Egrégio Superior Tribunal de Justiça e do Colendo Tribunal de Justiça de São Paulo (STJ, HC n. 89.846, rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, 5.ª Turma, julgado em 15/09/2009, DJe de 19/10/2009;  TJSP, Câmara Especial, APELAÇÃO CÍVEL n.° 994.09.229204-9, rel. Des. MAIA DA CUNHA, julgado em 10 de maio de 2010).

Solução: designa-se outro promotor de justiça para ajuizar representação em face do agente.

 

Cuida-se de procedimento instaurado em face de (...), imputando-lhe a prática de ato infracional equiparado a roubo agravado (CP, art. 157, § 2.º, I e II).

O Douto Promotor de Justiça, pelo fato de o adolescente ter completado a maioridade, tornando-se inócua, em seu entender, a aplicação de qualquer medida de proteção ou socioeducativa, postulou o arquivamento do feito (fls. 23).

A MM. Juíza, contudo, deixou de homologar tal pedido, e determinou a remessa dos autos a esta Procuradoria-Geral de Justiça, com base no art. 28 do CPP, aplicável à espécie por analogia (fls. 26/27).

Eis a síntese do necessário.

Com a devida vênia, não há como acolher a tese sustentada pelo Ilustre Representante do Parquet.

É de se ponderar, inicialmente, que as disposições da Lei n. 8.069/90, relativas aos atos infracionais praticados por adolescentes (arts. 112 a 125), aplicam-se a todos os indivíduos que, ao tempo da ação ou omissão, sejam penalmente inimputáveis, desde que não tenham completado vinte e um anos de idade.

Caso contrário, se assim não se entender, com o máximo respeito, produzir-se-á inaceitável faixa de impunidade e jamais poderia ser acolhida como postura institucional pela Procuradoria-Geral de Justiça.

Isto porque, a prevalecer o raciocínio que embasou o pleito ministerial, quem praticasse atos infracionais, ainda que gravíssimos, quando prestes a completar dezoito anos, não seria punido criminalmente, em razão do momento da conduta (CP, art. 4.º) e não sofreria a incidência do Estatuto da Criança e do Adolescente, por ter alcançado a maioridade. Por razões óbvias, essa corrente não pode ser admitida.

A omissão dos órgãos estatais perante ilícitos cometidos por adolescentes que, ex post facto, atingissem a maioridade resultaria em inadmissível desproteção a valores fundamentais: como vida, integridade corporal, saúde individual ou pública, patrimônio, honra, entre outros.

Deve-se obtemperar, por oportuno, que a atual compreensão conferida ao princípio da proporcionalidade o vê sob duas perspectivas. Além da tradicional concepção consubstanciada na proibição do excesso, mais recentemente se tem admitido outra faceta: a proibição de proteção deficiente (Untermassverbot), cuja dignidade constitucional foi reconhecida pelo Tribunal Constitucional da Alemanha.

A proibição de proteção deficiente deve ser um “recurso auxiliar” para determinação da medida do dever de prestação legislativa, estabelecendo-se um padrão mínimo das medidas estatais do qual não se pode abrir mão, sob pena de afronta à Constituição. Nesse sentido, a obra de LUCIANO FELDENS, intitulada “A Constituição Penal: a dupla face da proporcionalidade no controle de normas penais” (Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2005).

Acrescente-se, outrossim, que nossos tribunais rechaçam a tese ora afastada, pois, nos termos do art. 104, par. ún., da Lei n.º 8.069/90, considera-se a idade do infrator à data do fato, de modo que tão somente quando completar a idade de 21 anos, a teor do art. 121, § 5.º, do Estatuto da Criança e do Adolescente, o reeducando será obrigatoriamente liberado.

Confira-se, a respeito, os seguintes julgados do Egrégio Superior Tribunal de Justiça:

 

“CRIMINAL. HC. ECA. PACIENTE QUE ATINGIU 18 ANOS CUMPRINDO MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA. EXTINÇÃO DA MEDIDA. NÃO OCORRÊNCIA. CONSIDERAÇÃO DA DATA DO ATO INFRACIONAL PRATICADO. LIBERAÇÃO COMPULSÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. ADOLESCENTE QUE AINDA NÃO COMPLETOU 21 ANOS. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. INSERÇÃO EM PROGRAMA DE APOIO E ACOMPANHAMENTO DE EGRESSO. NÃO CABIMENTO. LIBERDADE ASSISTIDA EM ANDAMENTO. CONDIÇÃO DE EGRESSO NÃO CARACTERIZADA. ORDEM DENEGADA.

I. Para a aplicação das disposições do Estatuto da Criança e do Adolescente, considera-se a idade do adolescente à data do fato, em atendimento ao intuito do referido Diploma Legal, o qual visa à ressocialização do jovem, por meio de medidas que atentem às necessidades pedagógicas e ao caráter reeducativo.

II. A data do fato deve ser sempre considerada para fins de aplicação, bem como de progressão ou regressão de qualquer medida sócio-educativa, sendo certo que o limite para o cumprimento destas é a idade de 21 anos, quando o adolescente deve ser liberado compulsoriamente. Precedentes.

III. Se o paciente ainda não completou 21 anos de  idade, não há que se falar em extinção da medida sócio-educativa a ele determinada, em razão de o mesmo já ter atingido 18 anos de idade.

(...)

V. Ordem denegada.”

(STJ, HC n. 52.513, rel. Min. GILSON DIPP, DJU de 08/05/2006, p. 261; grifo nosso)

 

“ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. HABEAS CORPUS. ATO INFRACIONAL EQUIPARADO AO DELITO DE ROUBO CIRCUNSTANCIADO, NA FORMA TENTADA. CUMPRIMENTO DE MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE SEMILIBERDADE APÓS A MAIORIDADE CIVIL E PENAL. EVASÃO. EXTINÇÃO DA REFERIDA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA. IMPOSSIBILIDADE. PRESCRI- ÇÃO. OCORRÊNCIA. ORDEM CONCEDIDA.

1. Para a aplicação das medidas socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, leva-se em consideração apenas a idade do menor ao tempo do fato (ECA, art. 104, parágrafo único), sendo irrelevante a circunstância de atingir o adolescente a maioridade civil ou penal durante seu cumprimento, tendo em vista que a execução da respectiva medida pode ocorrer até que o autor do ato infracional complete 21 (vinte e um) anos de idade (ECA, art. 2º, parágrafo único, c/c  120, § 2º, e 121, § 5º ).

2. O ECA registra posição de excepcional especialidade tanto em relação ao Código Civil como ao Código Penal, que são diplomas legais de caráter geral.

(...)”.

(HC n. 89.846, rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, 5ª Turma, julgado em 15/09/2009, DJe de 19/10/2009, grifo nosso)

 

HABEAS CORPUS. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. ATO INFRACIONAL ANÁLOGO AO CRIME DE ROUBO. PRESCRIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. MAIORIDADE CIVIL. LIBERAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.

(...)

4. Para efeito de aplicação das medidas sócio-educativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, leva-se em consideração a idade do menor à data do fato. A liberação obrigatória deve ocorrer apenas quando o menor completar 21 (vinte e um) anos de idade.

5. O Novo Código Civil em vigor não revogou as disposições contidas no Estatuto da Criança e do Adolescente. (...)”. 

(HC n. 95.012, rel. Min. LAURITA VAZ, 5.ª Turma, julgado em 07/02/2008, DJe de 03/03/2008, LEXSTJ vol. 225, p. 353, grifo nosso)

 

É preciso ponderar, posto que relevante, que a Colenda Câmara Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo adota semelhante ponto de vista; confira-se:

 

“Infância e Juventude. Ato infracional equiparado ao crime de desacato. Art. 331 do Código Penal. Remissão que deve atender às circunstâncias do ato infracional e às condições favoráveis do adolescente. Representado que ostenta diversas representações. Maioridade que não impede a continuidade do procedimento para a apuração do ato infracional nem a aplicação de medida socioeducativa se o adolescente, à data do fato, contava com menos de 18 anos de idade. Sentença que é anulada para o prosseguimento do feito. Recurso provido em parte para tanto”

(TJSP, Câmara Especial, APELAÇÃO CÍVEL n° 994.09.229204-9, rel. Des. MAIA DA CUNHA, julgado em 10 de maio de 2010, grifo nosso)

 

Diante do exposto, designo outro promotor de justiça para oficiar nos autos e propor representação em face do menor, devendo prosseguir no feito em seus ulteriores termos.

Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria designando o substituto automático.

Cumpra-se. Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 13 de fevereiro de 2012.

 

                        Walter Paulo Sabella

                        Procurador-Geral de Justiça

                                                                                       em exercício

 

 

 

/aeal