Código de Processo Penal, art. 28

 

Protocolado n.º 25.101/10

Inquérito policial n.º 050.08.079117-4  – MM. Juízo do DIPO 4 (Comarca da Capital)

Investigados: (...)

Assunto: revisão de arquivamento de inquérito policial

 

CPP, ART. 28. ESTELIONATO NA MODALIDADE FRAUDE CONTRA SEGUROS (CP, ART. 171, §2º, V). PROVA DA MATERIALIDADE E INDÍCIOS DE AUTORIA. CRIME FORMAL. DESNECESSIDADE DE PREJUÍZO À VÍTIMA.

1.     A deflagração da persecutio criminis in judicio não depende de prova cabal, mas da conjugação de elementos de informação que, criticamente valorados, permitam assegurar a existência do crime e indícios de autoria.

2.     No caso concreto, os agentes relataram que o automóvel fora furtado em março de 2007, mas a companhia-seguradora obteve prova de que, em fevereiro do mesmo ano, o veículo automotor fora levado ao Paraguai. Confrontados com essa informação, os investigados alteraram a versão e passaram a dizer que a subtração teria ocorrido no início de fevereiro, antes, portanto, do registro da passagem do bem na fronteira com o país vizinho. Não explicaram, contudo, a razão da mentira inicialmente registrada em boletim de ocorrência.

3.     Os suspeitos, além disso, entregaram duas chaves completamente diferentes, como se fossem a original e a reserva, porém não esclareceram o motivo disto, permanecendo em silêncio quanto a esta divergência.

4.     O estelionato mediante fraude contra seguros, contrariamente à modalidade fundamental, não exige a produção do resultado naturalístico para efeito de consumação; cuida-se de delito formal, de consumação antecipada ou, ainda, tipo penal incongruente. Em virtude disto, a ausência de prejuízo à empresa-vítima não elide a responsabilidade criminal dos agentes.

Solução: diante do exposto, designo outro promotor de justiça para oferecer denúncia e prosseguir nos ulteriores termos da ação penal.

 

Cuida-se de inquérito policial instaurado para investigar delito de estelionato, na modalidade fraude contra seguros (CP, art. 171, §2.º, V), praticado, em tese, pelos agentes acima epigrafados.

O procedimento teve início com requerimento formulado pela companhia seguradora, visando à deflagração da fase inquisitiva, por lhe parecer serem contundentes os indícios da citada prática criminosa (fls. 02/41).

Concluídas as investigações, a competente Promotora de Justiça requereu o arquivamento dos autos, aduzindo não haver provas suficientes a permitir a imputação em juízo (fls. 105/106).

A empresa ofendida, então, ofertou petição pugnando pelo indeferimento do pedido ministerial (fls. 107/115), tendo a MM. Juíza determinado nova abertura de vista ao Parquet, que reiterou sua postura (fls. 118/119).

A MM. Julgadora, considerando improcedentes as razões invocadas, aplicou à espécie o art. 28 do CPP (fls. 121/123).

Eis a síntese do necessário.

Com a devida vênia da diligente Representante Ministerial, parece-nos que não lhe assiste razão.

São contundentes os elementos de informação que incriminam os investigados.

Deve-se enfatizar que ambos contrataram o seguro de um veículo automotor em 27 de novembro de 2006.

No dia 03 de março de 2007, o marido da segurada compareceu à Delegacia de Polícia e lavrou boletim de ocorrência noticiando furto do automóvel (fls. 23).

Dois dias depois, a seguradora deu início aos procedimentos burocráticos visando ao pagamento da indenização.

Ocorre que a companhia obteve a informação, comprovada por meio da fotografia encartada no laudo pericial de fls. 97/100, que o veículo dos agentes fora surpreendido, no dia 16 de fevereiro de 2007, dirigindo-se ao Paraguai. O registro foi captado no “SISTEMA SINIVEM” – SISTEMA INTEGRADO NACIONAL DE IDENTIFICAÇÃO DE VEÍCULOS EM MOVIMENTO”, sob a responsabilidade do Ministério da Justiça e da FENASEG – Federação Nacional de Empresas de Seguros Privados e de Capitalização.

Quando confrontados com esse dado pela empresa, a segurada e seu marido alteraram imediatamente a versão. Este alegou que, na verdade, a subtração ocorrera no dia 13 de fevereiro, informação falseada, segundo ele, “por motivos particulares”.

De notar, ainda, que a vítima requereu a entrega das chaves original e reserva do automóvel (procedimento padrão), tendo sido entregues duas chaves completamente diferentes uma da outra, como se nota a fls. 101. Solicitou-se dos suspeitos que esclarecessem o porquê da diversidade, mas eles não deram absolutamente nenhuma explicação.

Diante de todo o conjunto probatório acima sintetizado, não há dúvida que o oferecimento de denúncia era a postura reclamada, com a máxima vênia da diligente Promotora de Justiça.

Deve-se ponderar, ademais, que a ausência de prejuízo à seguradora não constitui empecilho algum para a deflagração da persecutio criminis in judicio, eis que a infração penal em tese cometida tem natureza formal.

Calha recordar, por fim, o escólio de PAGANELLA BOSCHI e AFRÂNIO SILVA JARDIM.

De acordo com o primeiro:

 

“para o desencadeamento da persecução, basta que as provas sejam capazes de despertar um juízo de suspeito, o suficiente para mostrar que a acusação não é um fruto de criação cerebrina ou mero capricho da acusação” (Ação Penal, Rio de Janeiro, Editora AIDE, 1997, 2.ª ed., p. 94).

 

O processualista carioca, de sua parte, obtempera:

 

“Ressalte-se, entretanto, que uma coisa é constatar a existência da prova do inquérito ou peças de informação e outra coisa e valorá-la, cotejá-la. É preciso deixar claro que a justa causa pressupõe um mínimo de lastro probatório, mas não prova cabal. É necessário que haja alguma prova, ainda que leve. Agora, se esta prova é boa ou ruim, isto já é questão pertinente ao exame do mérito da pretensão do autor, até porque as investigações policiais não se destinam a convencer o Juiz, tendo em vista que o sistema acusatório e a garantia constitucional do contraditório, mas apenas viabilizar a ação penal.” (Direito Processual Penal, Rio de Janeiro: Forense. 11ª ed., pág. 98).

 

Diante do exposto, designo outro promotor de justiça para oferecer denúncia e prosseguir nos ulteriores termos da ação penal. Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006. Expeça-se portaria. Publique-se a ementa.

        

São Paulo, 24 de fevereiro de 2010.

 

 

 

José Luiz Abrantes

Procurador-Geral de Justiça em Exercício

 

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