Código de Processo Penal, art. 28
Protocolado n.º 103.499/09
Autos n.º 193/09 – MM. Juízo da 1.ª Vara Judicial
da Comarca de Presidente Venceslau
Indiciado: (...)
Assunto:
revisão de arquivamento de inquérito policial
EMENTA: CPP, ART. 28. PORTE DE DROGA PARA CONSUMO PESSOAL. FATO PRATICADO NO INTERIOR DE ESTABELECIMENTO PENAL. SENTENCIADO QUE CUMPRE PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. ALEGAÇÃO DE FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL. INADMISSIBILIDADE. COMPORTAMENTO FORMAL E MATERIALMENTE TÍPICO. PERSPECTIVA DE PROVIMENTO JURISDICIONAL VÁLIDO. DENÚNCIA.
1. Deve-se ponderar, de início, que
o art. 28 da Lei n. 11.343/06, a despeito de não impor pena privativa de
liberdade, consubstancia, sem sombra de dúvidas, infração penal. O vetusto art.
1º da LICP (D.L. 3.914/41), pelo qual os ilícitos penais são sancionados com
reclusão, detenção ou prisão simples, não pode servir como vetor de
interpretação para normas jurídicas promulgadas no século XXI, sob outro regime
constitucional. É induvidoso que o Texto Maior autoriza a existência de crime
sem a cominação de pena privativa de liberdade, seja pelo que expressamente
dispõe o art. 5º, inc. XLVI, seja por contemplar a responsabilidade penal da
pessoa jurídica (arts. 173, § 5º e 225, § 3º). Ademais, o art. 28 da Lei de Drogas
encontra-se no Capítulo intitulado “Dos
crimes e das penas” e, na esteira do precedente do ex-Ministro do Supremo
Tribunal Federal, Sepúlveda Pertence, “seria
presumir o excepcional se a interpretação da L. 11.343/06 partisse de um
pressuposto desapreço do legislador pelo ‘rigor técnico’, que o teria levado –
inadvertidamente – a incluir as infrações relativas ao usuário em um capítulo
denominado ‘Dos Crimes e das Penas’” (trecho do voto proferido na Questão
de Ordem no RExt. n. 430.105, j.
2. O fato de as penas cominadas não admitirem a conversão em privativa de liberdade, da mesma forma, não altera a conclusão, vez que tal proibição já existe em nosso ordenamento penal desde a promulgação da Lei n. 9.268/96.
3. O dispositivo em exame, também do ponto de vista material, traduz infração penal. De notar que a conduta descrita (na Lei e neste caso concreto) ofende o bem jurídico tutelado pela norma incriminadora, a saber, a saúde pública. É relevante sublinhar que a Lei não tipifica o simples uso ou consumo, mas o ato de adquirir, guardar, etc. drogas, visando ao consumo pessoal, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar. No sentido de que o fato constitui infração penal encontra-se a melhor doutrina: Vicente Greco Filho e João Daniel Rossi, Lei de Drogas Anotada – Lei n. 11.343/06. 1ª ed., 2ª tir. São Paulo: Saraiva, 2007. pp. 43 e segs.; Fernando Capez, Curso de Direito Penal, vol. 4. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 689 e segs.; Guilherme Souza Nucci, Leis penais e processuais penais comentadas. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 303; Alexandre de Moraes e Gianpaolo Poggio Smanio, Legislação Penal Especial. 10ª ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 100; Rômulo de Andrade Moreira. A Nova Lei de Tóxicos: Aspectos Procedimentais. Revista Magister, n. 14, pág. 97; Júlio Victor dos Santos Moreira, A posse ou porte de drogas e a nova Lei Antitóxico. Revista Prática Jurídica, ano VI, n. 58, pág. 40; João José Leal. Nova Lei n. 11.343/2006: Descriminalização da conduta de porte para consumo pessoal de drogas? Boletim do IBCCrim n. 169, pág. 02.
4. Com respeito à alegada falta de interesse processual, é de se repelir, com a devida vênia, o argumento. A infração em testilha se processa por ação penal pública, vigorando, nesse diapasão, o princípio da oportunidade regrada (visto ser delito de pequeno potencial ofensivo). Afastado o cabimento da transação penal (pois o agente é reincidente), o oferecimento de denúncia constitui medida indeclinável.
5. Não há falar-se, ainda, em possível ineficácia do provimento jurisdicional, uma vez que a Lei n. 11.343/06 admite a imposição de penas restritivas de direitos, as quais podem ser validamente cumpridas ao término da execução das penas privativas de liberdade. Lembre-se que o prazo prescricional, neste ínterim, ficará suspenso, à luz do disposto no art. 116, par. ún., do CP.
Solução: designação de outro promotor de justiça para oferecer denúncia, devendo prosseguir no feito em seus ulteriores termos.
Cuida-se de procedimento instaurado visando à
apuração de delito cometido pelo indiciado acima epigrafado que, em 06 de julho
p. passado, por volta das 08 horas e 50 minutos, foi surpreendido trazendo
consigo substância entorpecente, para consumo próprio, durante a revista de
rotina efetuada no interior da Penitenciária “João Augustinho Panucci”.
O Douto Promotor de Justiça postulou o arquivamento
do feito, por entender ausente interesse de agir, obstaculizando o oferecimento
de eventual ação penal (fls. 20/23).
O MM. Juiz, todavia, julgou improcedentes as razões
invocadas e aplicou o disposto no art. 28 do CPP, remetendo os autos a esta
Procuradoria Geral de Justiça (fls. 26/27).
Eis a síntese do necessário.
Com a devida vênia do diligente Representante Ministerial,
não podemos concordar com sua percuciente manifestação.
Deve-se lembrar, de início, que embora haja
opiniões em sentido contrário, o fato é penalmente típico (como bem reconheceu
o próprio Promotor de Justiça).
O art. 28 da Lei n. 11.343/06, a despeito de não impor pena
privativa de liberdade, consubstancia, sem sombra de dúvidas, infração penal. O
vetusto art. 1º da LICP (D.L. 3.914/41), pelo qual os ilícitos penais são
sancionados com reclusão, detenção ou prisão simples, não pode servir como vetor
de interpretação para normas jurídicas promulgadas no século XXI, sob outro
regime constitucional.
É induvidoso que o Texto Maior autoriza a existência de crime sem a cominação de pena privativa de liberdade, seja pelo que expressamente dispõe o art. 5º, inc. XLVI, seja por contemplar a responsabilidade penal da pessoa jurídica (arts. 173, § 5º e 225, § 3º).
Ademais, o art. 28 da Lei de Drogas encontra-se no Capítulo
intitulado “Dos crimes e das penas”
e, na esteira do precedente do ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal,
Sepúlveda Pertence, “seria presumir o
excepcional se a interpretação da L. 11.343/06 partisse de um pressuposto
desapreço do legislador pelo ‘rigor técnico’, que o teria levado –
inadvertidamente – a incluir as infrações relativas ao usuário em um capítulo
denominado ‘Dos Crimes e das Penas’” (trecho do voto proferido na Questão
de Ordem no RExt. n. 430.105, j.
O fato de as penas cominadas não admitirem a conversão em privativa de liberdade, da mesma forma, não altera a conclusão, vez que tal proibição já existe em nosso ordenamento penal desde a promulgação da Lei n. 9.268/96.
O dispositivo em exame, também do ponto de vista material, traduz infração penal. De notar que a conduta descrita (na Lei e neste caso concreto) ofende o bem jurídico tutelado pela norma incriminadora, a saber, a saúde pública. É relevante sublinhar que a Lei não tipifica o simples uso ou consumo, mas o ato de adquirir, guardar, etc. drogas, visando ao consumo pessoal, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar.
No sentido de que o fato constitui infração penal encontra-se a melhor doutrina: Vicente Greco Filho e João Daniel Rossi, Lei de Drogas Anotada – Lei n. 11.343/06. 1ª ed., 2ª tir. São Paulo: Saraiva, 2007. pp. 43 e segs.; Fernando Capez, Curso de Direito Penal, vol. 4. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 689 e segs.; Guilherme Souza Nucci, Leis penais e processuais penais comentadas. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 303; Alexandre de Moraes e Gianpaolo Poggio Smanio, Legislação Penal Especial. 10ª ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 100; Rômulo de Andrade Moreira. A Nova Lei de Tóxicos: Aspectos Procedimentais. Revista Magister, n. 14, pág. 97; Júlio Victor dos Santos Moreira, A posse ou porte de drogas e a nova Lei Antitóxico. Revista Prática Jurídica, ano VI, n. 58, pág. 40; João José Leal. Nova Lei n. 11.343/2006: Descriminalização da conduta de porte para consumo pessoal de drogas? Boletim do IBCCrim n. 169, pág. 02.
É de se lembrar, ainda, que o crime em tela se
processa por ação penal pública incondicionada.
Não se pode ignorar, nesta ordem de ideias, que referida ação é regida pelo
princípio da oportunidade regrada (tendo em vista cuidar-se de delito de menor
potencial ofensivo). Significa que deve o Representante Ministerial, presente a
prova da materialidade e indícios de autoria (como ocorre neste feito), propor
transação penal (incabível face à reincidência) ou oferecer denúncia.
Não há margem para discricionariedade. Não se abre
ao Membro do Ministério Público solução diversa.
Com respeito à alegada falta de interesse de agir, data maxima venia, é de se repelir o
fundamento.
Isto porque, ainda que se possa vislumbrar possível
ineficácia do provimento jurisdicional, isto não deve impedir que se deflagre
um processo de conhecimento, em que, sob o crivo do contraditório e da ampla
defesa, declarar-se-á a culpabilidade do réu.
Na hipótese vertente, ademais, a pena imposta será eficaz e exequível. Note-se que, caso se
imponha pena restritiva de direitos, esta medida poderá ser cumprida
futuramente, quando se findarem as execuções penais referentes às penas
privativas de liberdade. E não se argumente que, quando isto ocorrer, estarão
prescritas, pois, enquanto o agente cumpre pena por outro motivo, não corre a
prescrição da pretensão executória fundada em outras condenações (CP, art. 116,
par. ún.).
Diante do exposto, designo outro promotor de justiça para
oficiar nos autos e oferecer denúncia, prosseguindo nos ulteriores termos da ação
penal. Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302
(PGJ/CSMP/CGMP), de
São Paulo,
Fernando Grella Vieira
Procurador-Geral de Justiça
/aeal