Código de Processo Penal, art. 28

Protocolado n.º 10.830/16

Autos n.º 0038265-35.2014.8.26.0114 – MM. Juízo da 6.ª Vara Criminal da Comarca de Campinas

Indiciado: (...)

Assunto: revisão de pedido de arquivamento de peças de informação

EMENTA: CPP, ART. 28. FALSIDADE IDEOLÓGICA (ART. 299 DO CP). APRESENTAÇÃO, EM PROCESSO JUDICIAL, DE DECLARAÇÃO DE POBREZA DESTITUÍDA DE VERACIDADE. CONDUTA PENALMENTE ATÍPICA, POR POSSUIR MENCIONADO DOCUMENTO PRESUNÇÃO RELATIVA, ADMITINDO PROVA EM CONTRÁRIO. ARQUIVAMENTO DO CASO SE MOSTRA, PORTANTO, COMO A SOLUÇÃO ADEQUADA. PRECEDENTES DO STF E STJ.

1. Segundo os elementos de informação coligidos, o suspeito teria apresentado em processo judicial declaração de pobreza destituída de veracidade, configurando-se, no entender da MM. Juíza, o crime descrito no art. 299 do CP (falsidade ideológica).

2. O comportamento narrado, contudo, mostra-se penalmente atípico. Isto porque declaração sujeita à comprovação judicial não pode ser objeto material de falso, notadamente por se cuidar de afirmação para a qual há presunção relativa de veracidade. Significa, em consequência, não existir base adequada para se deflagrar a persecutio criminis in judicio.

3. Nesse sentido, o entendimento de nossos Tribunais Superiores, os quais enfatizam a irrelevante penal do ato (v. HC 218.570/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, 6.ª TURMA, julgado em 16/02/2012, DJe de 05/03/2012; HC n. 105.592, rel. Min. JORGE MUSSI, 5.ª TURMA, DJe de 19/04/2010; STJ, R.Esp. n. 1.102.008, rel. Min. JORGE MUSSI, 5.ª TURMA, DJe de 01/06/2009; STJ, RHC n. 23.121, rel. Ministro  FELIX FISCHER, 5.ª TURMA, DJe de 10/11/2008; STF, HC n. 85.976, rel. Min. Ellen Gracie, 2.ª Turma, DJU de 24/02/2006).

Solução: conhece-se da presente remessa, deixando-se de oferecer denúncia ou designar outro membro ministerial para fazê-lo, insistindo-se no arquivamento, nos termos em que proposto.

             

Trata-se de procedimento originado a partir de cópias extraídas do procedimento n.º 001643.2013.15.000/3, encaminhadas pelo Ministério Público do Trabalho, para apuração do comportamento perpetrado por (...), que apresentou no mencionado feito declaração de pobreza destituída de veracidade, configurando-se, assim, em tese, o crime descrito no art. 299 do CP (falsidade ideológica).

A Douta Promotora de Justiça postulou o arquivamento do feito, entendendo atípico o comportamento perpetrado (fls. 79/80).

A MM. Juíza, contudo, discordando do arquivamento pleiteado, enviou a questão para análise desta Procuradoria-Geral de Justiça (fls. 81/83).

Eis a síntese do necessário.

Com a devida vênia da Digníssima Magistrada, assiste razão à Ilustre Representante Ministerial; senão, vejamos.

Isto porque a conduta narrada no procedimento mostra-se penalmente atípica.

Significa, portanto, que, em consequência, também não há base adequada para se deflagrar a respectiva ação judicial.

Se o Ministério Público assim o fizesse, cometeria, segundo entendimento seguro de nossos Tribunais Superiores, irrefragável constrangimento ilegal.

Destaque-se, por oportuno, o teor das decisões proferidas pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça, o qual, reiteradamente, reconheceu que o ato noticiado constitui irrelevante penal. Nesse sentido, assim discorreu o mencionado Sodalício:

 

HABEAS CORPUS. ARTIGOS 299 E 304 DO CÓDIGO PENAL. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. DECLARAÇÃO DE POBREZA FALSA. OBJETIVO DE OBTENÇÃO DOS BENEFÍCIOS DA JUSTIÇA GRATUITA. CONDUTAS ATÍPICAS. ORDEM CONCEDIDA.

1. Somente se configura o crime de falsidade ideológica se a declaração prestada não estiver sujeita a confirmação pela parte interessada, gozando, portanto, de presunção absoluta de veracidade.

2. Esta Corte já decidiu ser atípica a conduta de firmar ou usar declaração de pobreza falsa em juízo, com a finalidade de obter os benefícios da gratuidade de justiça, tendo em vista a presunção relativa de tal documento, que comporta prova em contrário.

3. Ordem concedida para trancar a ação penal.”

(HC 218.570/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS      MOURA, 6.ª TURMA, julgado em 16/02/2012, DJe de 05/03/2012)

HABEAS CORPUS. PENAL. CRIME DE FALSIDADE IDEOLÓGICA. DECLARAÇÃO DE POBREZA PARA OBTENÇÃO DO BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA. CONDUTA ATÍPICA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. ORDEM CONCEDIDA.

1. O trancamento da ação penal, em sede de habeas corpus, somente deve ser acolhido se restar demonstrado, de forma indubitável, a ocorrência de circunstância extintiva da punibilidade, a ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade do delito, ou a atipicidade da conduta.

2. A declaração de pobreza com o intuito de obter os benefícios da justiça gratuita goza de presunção relativa, passível, portanto, de prova em contrário.

3. Assim, a conduta de quem se declara falsamente pobre visando aludida benesse não se subsume àquela descrita no art. 299 do Código Penal. Precedentes. (...)”.

(HC n. 105.592, rel. Min. JORGE MUSSI, 5.ª TURMA, DJe de 19/04/2010)

 

Há, com semelhante conteúdo, diversos julgados, deste e de outros tribunais, podendo-se citar: STJ, R.Esp. n. 1.102.008, rel. Min. JORGE MUSSI, 5.ª TURMA, DJe de 01/06/2009; STJ, RHC n. 23.121, rel. Ministro  FELIX FISCHER, 5.ª TURMA, DJe de 10/11/2008; STF, HC n. 85.976, rel. Min. Ellen Gracie, 2.ª Turma, DJU de 24/02/2006.

Diante do exposto, conhece-se da presente remessa, deixando-se de oferecer denúncia ou designar outro membro ministerial para fazê-lo, insistindo-se no arquivamento, nos termos em que proposto.

Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 26 de janeiro de 2016.

 

 

                        Márcio Fernando Elias Rosa

                        Procurador-Geral de Justiça