Código de Processo Penal, art. 28

Protocolado n.º 110.003/14

Autos n.º 1.161/14 – MM. Juízo da 1.ª Vara Judicial da Comarca de Capão Bonito

Vítima: (...)

Assunto: revisão de arquivamento de termo circunstanciado

 

EMENTA: CPP, ART. 28. PADRASTO QUE, EM MAIS DE UMA OPORTUNIDADE, OFENDE A HONRA DE ENTEADA DE 14 ANOS DE IDADE, ADJETIVANDO-A COM EXPRESSÕES ATENTATÓRIAS À SUA DIGNIDADE (SEXUAL) E ACARICIA SEUS SEIOS E NÁDEGAS. ATOS CONFIRMADOS PELA GENITORA, TESTEMUNHA PRESENCIAL, QUE MANIFESTOU DESINTERESSE NO PROSSEGUIMENTO DO CASO, ALEGANDO QUE O AUTOR NÃO REPETIU SEMELHANTE COMPORTAMENTO. ARQUIVAMENTO FUNDADO NA FALTA DE SERIEDADE PARA CONFIGURAR O TIPO PENAL E POR JÁ SE ENCONTRAR A SITUAÇÃO SOLUCIONADA NO ÂMBITO FAMILIAR. IRRELEVÂNCIA. O DESINTERESSE DA VÍTIMA OU DE SEU REPRESENTANTE LEGAL PRODUZ EFEITO SOMENTE QUANTO AO CRIME DE AÇÃO PRIVADA, MAS NÃO ALCANÇA A INFRAÇÃO DE AÇÃO PENAL PÚBLICA INCONDICIONADA. NECESSIDADE, PORÉM, DE REINQUIRIÇÃO DA OFENDIDA PARA PERMITIR O CORRETO ENQUADRAMENTO LEGAL DO FATO: IMPORTUNAÇÃO OFENSIVA AO PUDOR (LCP, ART. 61), VIOLAÇÃO SEXUAL MEDIANTE FRAUDE (CP, ART. 215) OU DELITO MAIS GRAVE. DESIGNAÇÃO DE OUTRO PROMOTOR DE JUSTIÇA PARA PROSSEGUIR NO FEITO E ACOMPANHAR A DILIGÊNCIA CITADA.

 

1.      A materialidade e autoria delitivas resultaram muito bem demonstradas pelos elementos de informação reunidos, consubstanciando-se em declarações da ofendida e de testemunha presencial.

2.      Como se cuida de infração transeunte, sua comprovação dispensa a realização de exame de corpo de delito.

3.      Quanto à relevância do fato, deve-se destacar que o comportamento do increpado revelou-se não só reprovável, mas merecedor de pronta intervenção e censura por parte do Direito Penal.

4.      Não se pode admitir que a atitude de um padrasto para com a enteada, consistente em aviltar-lhe a honra adjetivando-a de “puta”, “vagabunda”, além de acariciar seus seios e nádegas contra a sua vontade, possa configurar irrelevante penal.

5.      Há, em tese, injúria (CP, art. 140, caput) e, ao menos, importunação ofensiva ao pudor (LCP, art. 61), senão até mesmo violação sexual mediante fraude (CP, art. 215), a qual admite como meio executivo não só o artifício ou ardil, mas qualquer ato que impeça ou dificulte a livre manifestação da vontade da vítima; não se exclui, em tese, possibilidade de subsunção a delito mais grave.

6.      No que toca ao delito contra a honra, trata-se de crime de ação penal privada (CP, art. 145, caput), motivo pelo qual nada há de ser feito, tendo em vista não só faltar legitimidade ao Ministério Público para a propositura da demanda, mas também o decurso do prazo decadencial.

7.      O mesmo não se pode dizer quanto ao comportamento atentatório à dignidade sexual, cuja ação penal é pública incondicionada (LCP, art. 17, ou CP, art. 225, parágrafo único). Resta saber, contudo, qual o correto enquadramento legal da conduta. Para tanto, se faz mister proceder à nova inquirição da vítima, para esclarecer exatamente e com o maior detalhamento possível as circunstâncias e o modo como o autor acariciou seus seios e nádegas (revelando, por exemplo, se a intimidou, expressa ou implicitamente, se houve ação repentina, etc.).

Solução: designa-se outro promotor de justiça para oficiar nos autos, acompanhar a diligência indicada e, ao final, formar sua opinião delitiva.

 

Cuida-se de termo circunstanciado instaurado visando à apuração da suposta prática da contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor (Decreto-Lei n.º 3.688/41, art. 61) cometida, em tese, por (...) em face de sua enteada (...), à época com quatorze anos de idade.

Consoante a narrativa da vítima, o autor, em mais de uma ocasião, sempre sob o efeito de bebidas alcoólicas, ofendeu sua honra e passou a mão em seus seios e nádegas.

(...), genitora da menor, embora presenciasse tais atitudes, apenas o advertia (fl. 04), esclarecendo que o indiciado parou de importuná-la depois da comunicação de sua conduta à Polícia (fl. 05).

Ouviu-se, ainda, a Conselheira Tutelar (...), a quem (...) descreveu os acontecimentos (fl. 06), e (...), o qual negou o fato, mas confirmou ter o hábito de embriagar-se (fl. 07).

O Douto Promotor de Justiça, ponderando que os atos perpetrados não se revestiriam da “seriedade necessária à configuração do tipo penal”, tratando-se de questão já “equacionada em âmbito familiar”, requereu o arquivamento do caso (fl. 09).

O MM. Juiz, contudo, discordou de tal solução, pautando-se no contexto dos indícios colhidos; em consequência, endereçou a questão para análise desta Procuradoria-Geral de Justiça, nos termos do art. 28 do CPP (fl. 10).

Eis a síntese do necessário.

Com a máxima vênia do Ilustre Representante Ministerial, a razão se encontra com o Digníssimo Magistrado; senão, vejamos.

O fato é certo.

A materialidade e autoria delitivas resultaram muito bem demonstradas pelos elementos de informação reunidos, consubstanciando-se em declarações da ofendida e de testemunha presencial.

Como se cuida de infração transeunte, sua comprovação dispensa a realização de exame de corpo de delito.

Quanto à relevância do fato, deve-se destacar que o comportamento do increpado revelou-se não só reprovável, mas merecedor de pronta intervenção e censura por parte do Direito Penal.

Não se pode admitir que a atitude de um padrasto para com a enteada, consistente em aviltar-lhe a honra adjetivando-a de “puta”, “vagabunda”, além de acariciar seus seios e nádegas contra a sua vontade, possa configurar irrelevante penal.

Há, em tese, injúria (CP, art. 140, caput) e, ao menos, importunação ofensiva ao pudor (LCP, art. 61), senão até mesmo violação sexual mediante fraude (CP, art. 215), a qual admite como meio executivo não só o artifício ou ardil, mas qualquer ato que impeça ou dificulte a livre manifestação da vontade da vítima; não se exclui, em tese, possibilidade de subsunção a delito mais grave.

No que toca ao delito contra a honra, trata-se de crime de ação penal privada (CP, art. 145, caput), motivo pelo qual nada há de ser feito, tendo em vista não só faltar legitimidade ao Ministério Público para a propositura da demanda, mas também o decurso do prazo decadencial.

O mesmo não se pode dizer quanto ao comportamento atentatório à dignidade sexual, cuja ação penal é pública incondicionada (LCP, art. 17, ou CP, art. 225, parágrafo único).

Resta saber, contudo, qual o correto enquadramento legal da conduta.

Para tanto, se faz mister proceder à nova inquirição da vítima, para esclarecer exatamente e com o maior detalhamento possível as circunstâncias e o modo como o autor acariciou seus seios e nádegas (revelando, por exemplo, se a intimidou, expressa ou implicitamente, se houve ação repentina, etc.).

Diante do exposto, designa-se outro promotor de justiça para requisitar a diligência acima apontada, além de outras que julgar pertinentes, cumprindo-lhe, ao final, oferecer denúncia ou propor transação penal, conforme o enquadramento legal do fato e a presença dos requisitos do art. 76 da Lei n.º 9.099/95, devendo prosseguir no feito em seus ulteriores termos.

Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n.º 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n.º 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006. Expeça-se portaria designando o substituto automático. Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 31 de julho de 2014.

 

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

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