Código de Processo Penal, art. 28

Protocolado n.º 11.318/16

Autos n.º 0097491-32.2015.8.26.0050 – MM. Juízo do DIPO 4 (Comarca da Capital)

Indiciado(...)

Assunto: revisão de pedido de arquivamento de inquérito policial

 

EMENTA: CPP, ART. 28. FURTO SIMPLES (CP, ART. 155, “CAPUT”). ARQUIVAMENTO MINISTERIAL FUNDADO NO RECONHECIMENTO DA FIGURA DO CRIME IMPOSSÍVEL (CP, ART. 17), DECORRENTE DE VIGILÂNCIA EXERCIDA POR TESTEMUNHA. INAPLICABILIDADE DA TESE À HIPÓTESE DOS AUTOS. CRIME CONSUMADO. INDIVÍDUO OBSERVADO POR CLIENTE DO ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL, O QUAL COMUNICOU A POLÍCIA, QUE PRENDEU O AUTOR DEPOIS DE PROCURÁ-LO NAS PROXIMIDADES DO LOCUS COMMISSI DELICTI. SUJEITO QUE, ADEMAIS, SE REVELA MULTIRREINCIDENTE, AFASTANDO, INCLUSIVE, EVENTUAL ANÁLISE ACERCA DA INSIGNIFICÂNCIA DA CONDUTA. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA QUE SE IMPÕE.

1.    A tese invocada para lastrear o pedido de arquivamento, com a devida vênia, parece não encontrar eco nos elementos informativos amealhados nos autos.

2.    Deveras, não há como cogitar de crime impossível, hipótese que, quando presente, afasta a tipicidade da tentativa, se a infração se consumou.

3.    Como é cediço, encontra-se consolidada na jurisprudência das cortes superiores a tese segundo a qual se prescinde de posse mansa e pacífica para a consumação do furto. Acolhe-se, nesta ordem de ideias, a teoria da apreehensio ou amotio. O Egrégio Superior Tribunal de Justiça, inclusive, em rito de recursos repetitivos, fixou a tese segundo qual: “Consuma-se o crime de furto com a posse de fato da res furtiva, ainda que por breve espaço de tempo e seguida de perseguição ao agente, sendo prescindível a posse mansa e pacífica ou desvigiada” (Tese n.º 934). Vide R.Esp. n.º 1.524.450/RJ, Relator Min. NEFI CORDEIRO, 3.ª SEÇÃO, julgado em 14/10/2015, DJe de 29/10/2015).

4.    Ademais disso, a circunstância de uma testemunha ocasional, cliente do estabelecimento, ter presenciado a conduta do autor, não se mostra apta a excluir a adequação típica do delito.

5.    Com efeito, o crime impossível pressupõe absoluta ineficácia do meio executório ou impropriedade do objeto material, de maneira a obstar irremediavelmente sua realização integral. No feito em testilha, o objeto material era idôneo e o meio executório, eficaz e, reitere-se, o crime atingiu seu summatum opus, de vez que o indiciado deixou o estabelecimento com o objeto subtraído, somente vindo a ser preso depois que a Polícia efetuou buscas pela região, logrando encontrá-lo.

6.     Muito embora não tenha sido ventilado como argumento a eventual insignificância da conduta, deixa-se registrado desde logo sua inaplicabilidade à hipótese, dada a multirreincidência do autor, useiro e vezeiro no cometimento de delitos patrimoniais, como evidencia sua vasta folha de antecedentes criminais (fls. 21/103). Encontram-se ausentes, deste modo, os requisitos elencados pelo Supremo Tribunal Federal, cuja jurisprudência mostra-se firme ao rechaçar a aplicação do princípio citado a indivíduos reincidentes, destacando que a contumácia delituosa importa em elevada reprovabilidade e destacada periculosidade social, de maneira a não se cumprirem os vetores exigidos para sua incidência (STF, RHC n.º 118.107, Relator  Min. TEORI ZAVASCKI, 2.ª Turma, julgado em 18/02/2014, publicado em 30/05/2014; STF, HC n.º 118.040, Relator  Min. GILMAR MENDES, 2.ª Turma, julgado em 08/10/2013, publicado em 25/10/2013; STF, RHC n.º 117.751, Relator  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, 2.ª Turma, julgado em 27/08/2013, publicado em 25/04/2014). Em idêntica linha, ademais, vem decidindo o Colendo Superior Tribunal de Justiça (vide STJ, AgRg no REsp 1.557.324/MG, Relator Min. SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, 6.ª TURMA, julgado em 03/12/2015, DJe de 18/12/2015).

Solução: designa-se outro membro ministerial para oficiar nos autos, oferecendo denúncia e prosseguindo no feito em seus ulteriores termos.

 

Cuida-se de investigação penal instaurada a partir da lavratura de auto de prisão em flagrante, visando à apuração do delito de furto simples consumado (art. 155, caput, do CP) cometido, em tese, por (...).

Encerradas as providências inquisitivas, o Douto Promotor de Justiça requereu o arquivamento do procedimento, entendendo caracterizado crime impossível (CP, art. 17), aduzindo que os atos do agente foram acompanhados por uma testemunha (fls. 115/118).

O MM. Juiz, discordando do requerimento deduzido, encaminhou a questão para análise desta Procuradoria-Geral de Justiça, nos termos do art. 28 do CPP (fls. 119/122).

Eis a síntese do necessário.

A razão se encontra com o Digníssimo Magistrado, com a devida vênia do Ilustre Representante Ministerial, a despeito de suas bem lançadas razões; senão, vejamos.

Segundo consta dos autos, no dia 11 de novembro de 2015, o investigado ingressou em uma farmácia localizada na Rua Itibirama, n.º 1.235, Vila Prudente, nesta Capital, e subtraiu para si uma caixa de produtos da marca “DOVE”, colocando-a embaixo de sua roupa e se retirando do local.

Uma testemunha, (...), que se encontrava no estacionamento existente no local aguardando sua esposa efetuar compras no mesmo estabelecimento, presenciou a conduta do increpado e, depois de vê-lo se afastar com os produtos tomados, informou policiais militares que patrulhavam a região.

Após breve busca, o autor foi flagrado na posse da res furtivae, tendo confessado o delito aos milicianos.

PEDRO narrou que estava no estacionamento da farmácia, aguardando sua esposa que fazia compras, quando percebeu o autor subtraindo uma caixa do balcão, colocando-a sob sua blusa, e deixando o local. Momentos após, passou uma viatura da polícia militar, que, avisada, retornou após alguns minutos com o investigado e o objeto furtado (fl. 07).

A testemunha (...) informou que foi alertada por (...) que um indivíduo havia subtraído uma caixa de produtos do balcão; minutos depois, a Polícia surgiu com o autor e o objeto do crime (fl. 08).

Os policiais militares (...) e (...) confirmaram terem sido alertados pela testemunha (...) acerca do furto, logrando surpreender o autor em flagrante na posse da caixa de produtos, tendo este confessado o delito (fls. 05 e 06).

(...) manifestou o desejo de somente falar em juízo (fl. 09).

Pois bem.

Com a devida vênia, a tese na qual fundamentou o competente Membro do Parquet seu pleito de arquivamento não encontra eco nos elementos informativos amealhados nos autos.

Deveras, não há como cogitar de crime impossível, hipótese que, quando presente, afasta a tipicidade da tentativa, se a infração se consumou.

Como é cediço, encontra-se consolidada na jurisprudência das cortes superiores a tese segundo a qual se prescinde de posse mansa e pacífica para a consumação do furto. Acolhe-se, nesta ordem de ideias, a teoria da apreehensio ou amotio.

O Egrégio Superior Tribunal de Justiça, inclusive, em rito de recursos repetitivos, fixou a tese segundo qual: “Consuma-se o crime de furto com a posse de fato da res furtiva, ainda que por breve espaço de tempo e seguida de perseguição ao agente, sendo prescindível a posse mansa e pacífica ou desvigiada” (Tese n.º 934). Vide R.Esp. n.º 1.524.450/RJ, Relator Min. NEFI CORDEIRO, 3.ª SEÇÃO, julgado em 14/10/2015, DJe de 29/10/2015).

Ademais disso, a circunstância de uma testemunha ocasional, cliente do estabelecimento, ter presenciado a conduta do autor, não se mostra apta a excluir a adequação típica do delito.

Com efeito, o crime impossível pressupõe absoluta ineficácia do meio executório ou impropriedade do objeto material.

No feito em testilha, o objeto material era idôneo e o meio executório, eficaz e, reitere-se, o crime inegavelmente se consumou.

No presente feito, a análise da dinâmica dos fatos, repise-se, demonstra que ocorreu a realização integral do tipo, uma vez que CARLOS deixou o estabelecimento com o objeto subtraído, somente vindo a ser preso depois que a polícia efetuou buscas pela região, logrando encontrá-lo.

Muito embora não tenha sido ventilado como argumento a eventual insignificância da conduta, deixa-se registrado desde logo sua inaplicabilidade à hipótese, dada a multirreincidência do autor, useiro e vezeiro no cometimento de delitos patrimoniais, como evidencia sua vasta folha de antecedentes criminais (fls. 21/103).

Inegável, nesse contexto, estarem ausentes os requisitos elencados pela Corte Suprema, cuja jurisprudência mostra-se firme ao rechaçar a aplicação do princípio citado a indivíduos reincidentes, destacando que a contumácia delituosa importa em elevada reprovabilidade e destacada periculosidade social, de maneira a não se cumprirem os vetores exigidos para sua incidência; confira-se:

 

“Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, para se caracterizar hipótese de aplicação do denominado “princípio da insignificância” e, assim, afastar a recriminação penal, é indispensável que a conduta do agente seja marcada por ofensividade mínima ao bem jurídico tutelado, reduzido grau de reprovabilidade, inexpressividade da lesão e nenhuma periculosidade social. 2. Nesse sentido, a aferição da insignificância como requisito negativo da tipicidade envolve um juízo de tipicidade conglobante, muito mais abrangente que a simples expressão do resultado da conduta. Importa investigar o desvalor da ação criminosa em seu sentido amplo, de modo a impedir que, a pretexto da insignificância apenas do resultado material, acabe desvirtuado o objetivo a que visou o legislador quando formulou a tipificação legal. Assim, há de se considerar que “a insignificância só pode surgir à luz da finalidade geral que dá sentido à ordem normativa” (Zaffaroni), levando em conta também que o próprio legislador já considerou hipóteses de irrelevância penal, por ele erigidas, não para excluir a tipicidade, mas para mitigar a pena ou a persecução penal. 3. Para se afirmar que a insignificância pode conduzir à atipicidade é indispensável, portanto, averiguar a adequação da conduta do agente em seu sentido social amplo, a fim de apurar se o fato imputado, que é formalmente típico, tem ou não relevância penal. Esse contexto social ampliado certamente comporta, também, juízo sobre a contumácia da conduta do agente. 4. Não se pode considerar atípica, por irrelevante, a conduta formalmente típica, de delito contra o patrimônio, praticada por paciente que possui expressiva ficha de antecedentes e é costumeiro na prática de crimes da espécie. (...)” (STF, RHC n.º 118.107, Relator  Min. TEORI ZAVASCKI, 2.ª Turma, julgado em 18/02/2014, publicado em 30/05/2014; grifo nosso).

 

No mesmo sentido: STF, HC n.º 118.040, Relator  Min. GILMAR MENDES, 2.ª Turma, julgado em 08/10/2013, publicado em 25/10/2013; RHC n.º 117.751, Relator  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, 2.ª Turma, julgado em 27/08/2013, publicado em 25/04/2014.

Em idêntica linha, ademais, vem decidindo o Colendo Superior Tribunal de Justiça:

 

“(...) A decisão agravada está na mais absoluta consonância com a jurisprudência desta Corte, firmada, inclusive, no sentido da não incidência do princípio da insignificância em casos de reiteração de delitos e de reincidência, como é o caso dos autos. 2. A constatação da reincidência e dos maus antecedentes do agravante como óbice à aplicação do princípio da insignificância foi extraída da sentença e do acórdão recorridos, não havendo, pois, reexame das provas dos autos, situação obstada pela Súmula 7/STJ, mas mera revaloração dos elementos utilizados na apreciação dos fatos pelo Juiz singular e pelo Tribunal a quo. (...)”. (STJ, AgRg no REsp 1.557.324/MG, Relator Min. SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, 6.ª TURMA, julgado em 03/12/2015, DJe de 18/12/2015; grifo nosso).

 

Diante do exposto, designa-se outro membro ministerial para oficiar nos autos, oferecendo denúncia e prosseguindo no feito em seus ulteriores termos.

Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n.º 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n.º 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria designando o substituto automático.

Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 28 de janeiro de 2016.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

/aeal