Código de Processo Penal, art. 28
Protocolado n.º
11.321/16
Autos n.º 0006928-80.2015.8.26.0635
– MM. Juízo do DIPO 4 (Comarca da Capital)
Indiciada: (...)
Assunto: revisão de pedido de arquivamento
de inquérito policial
EMENTA: CPP, ART. 28. ARQUIVAMENTO FUNDADO NO PRINCÍPIO DA
INSIGNIFICÂNCIA. FURTO SIMPLES TENTADO (CP, ART. 155, “CAPUT”, C.C. ART. 14,
II). OBJETOS MATERIAIS AVALIADOS EM R$ 139,72. INDICIADA MULTIRREINCIDENTE. INADMISSIBILIDADE. ACENTUADA
REPROVABILIDADE E DESTACADA PERICULOSIDADE SOCIAL. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA QUE
SE IMPÕE, DADA A PROVA DA MATERIALIDADE E OS AMPLOS INDÍCIOS DE AUTORIA.
1. A aplicação do princípio da insignificância,
disseminada na práxis jurisprudencial dos tribunais superiores, não pode
olvidar bases mínimas, sob pena de desproteger bem jurídico constitucional.
2. A jurisprudência da Suprema Corte mostra-se
firme ao rechaçar a aplicação do princípio da insignificância a indivíduos
reincidentes, destacando que a contumácia delituosa importa em elevada
reprovabilidade e destacada periculosidade social, de maneira a não se
cumprirem os vetores exigidos para sua incidência. Confira-se: “...para se
caracterizar hipótese de aplicação do denominado “princípio da insignificância”
e, assim, afastar a recriminação penal, é indispensável que a conduta do agente
seja marcada por ofensividade mínima ao bem jurídico tutelado, reduzido grau de
reprovabilidade, inexpressividade da lesão e nenhuma periculosidade social. 2.
Nesse sentido, a aferição da insignificância como requisito negativo da
tipicidade envolve um juízo de tipicidade conglobante, muito mais abrangente
que a simples expressão do resultado da conduta. Importa investigar o desvalor
da ação criminosa em seu sentido amplo, de modo a impedir que, a pretexto da
insignificância apenas do resultado material, acabe desvirtuado o objetivo a
que visou o legislador quando formulou a tipificação legal. Assim, há de se
considerar que “a insignificância só pode surgir à luz da finalidade geral que
dá sentido à ordem normativa” (Zaffaroni), levando em conta também que o
próprio legislador já considerou hipóteses de irrelevância penal, por ele
erigidas, não para excluir a tipicidade, mas para mitigar a pena ou a
persecução penal. 3. Para se afirmar que a insignificância pode conduzir à
atipicidade é indispensável, portanto, averiguar a adequação da conduta do
agente em seu sentido social amplo, a fim de apurar se o fato imputado, que é
formalmente típico, tem ou não relevância penal. Esse contexto social ampliado
certamente comporta, também, juízo sobre a contumácia da conduta do agente. 4. Não se pode considerar atípica, por
irrelevante, a conduta formalmente típica, de delito contra o patrimônio,
praticada por paciente que possui expressiva ficha de antecedentes e é
costumeiro na prática de crimes da espécie. (...)” (STF, RHC n.º 118.107,
Relator Min. TEORI ZAVASCKI, 2.ª Turma,
julgado em 18/02/2014, publicado em 30/05/2014; grifo nosso). No mesmo sentido:
STF, HC n.º 118.040, Relator Min. GILMAR
MENDES, 2.ª Turma, julgado em 08/10/2013, publicado em 25/10/2013; RHC n.º
117.751, Relator Min. RICARDO
LEWANDOWSKI, 2.ª Turma, julgado em
27/08/2013, publicado em 25/04/2014.
3. Em idêntica linha, ademais, vem decidindo o
Colendo Superior Tribunal de Justiça: “1. A
decisão agravada está na mais absoluta consonância com a jurisprudência desta
Corte, firmada, inclusive, no sentido da não incidência do princípio da
insignificância em casos de reiteração de delitos e de reincidência, como é o
caso dos autos. 2. A constatação da reincidência e dos maus antecedentes do
agravante como óbice à aplicação do princípio da insignificância foi extraída
da sentença e do acórdão recorridos, não havendo, pois, reexame das provas dos
autos, situação obstada pela Súmula 7/STJ, mas mera revaloração dos elementos
utilizados na apreciação dos fatos pelo Juiz singular e pelo Tribunal a quo.
(...)”. (STJ, AgRg no REsp 1.557.324/MG, Relator Min. SEBASTIÃO REIS JÚNIOR,
6.ª TURMA, julgado em 03/12/2015, DJe
de 18/12/2015; grifo nosso).
4. Os autos apresentam prova da materialidade,
consubstanciada no auto de apreensão da res
furtivae e amplos indícios de autoria, consistentes em confissão e
depoimento de testemunha de visu.
Solução: designa-se outro promotor de justiça para oferecer denúncia e prosseguir nos ulteriores termos da ação penal.
Cuida-se de investigação penal instaurada visando à apuração do delito de furto simples tentado (art. 155, caput, c.c. art. 14, II, ambos do CP) cometido, em tese, por (...).
Encerradas as providências inquisitivas, o Douto Promotor de Justiça requereu o arquivamento do procedimento, por entender que à espécie dever-se-ia aplicar o princípio da insignificância (fls. 75/78).
A MM. Juíza, contudo, discordando de tal solução, enviou a questão para análise desta Procuradoria-Geral de Justiça, nos termos do art. 28 do CPP (fls. 107/108).
Eis a síntese do necessário.
A razão se encontra com a Digníssima Magistrada, com a devida vênia do Nobre Órgão do Parquet; senão, vejamos.
Segundo consta do feito, no dia 19 de setembro de 2015, por volta do meio-dia, a investigada subtraiu para si produtos do estabelecimento “MHM Supermercados Ltda.”, situado na Rua Pedroso Alvarenga, n.º 803, nesta Capital, passando pelo caixa com os objetos sem efetuar o necessário pagamento.
Observada por funcionários, foi abordada e os produtos subtraídos, recuperados, avaliados em R$ 139,72 (cento e trinta e nove reais e setenta e dois centavos – auto de avaliação de fls. 11/12).
O policial militar (...) confirmou ter sido informado por funcionário do estabelecimento acerca da conduta da autora (fl. 07).
O fiscal (...) narrou ter presenciado a investigada colocando um produto dentro de sua sacola, e passou a acompanhá-la pelo circuito de segurança; percebendo que a suspeita não pagou todos os produtos ao sair pelo caixa, a deteve com os objetos até a chegada da polícia militar (fl. 08).
A increpada confessou o delito, consignando que sequer teve acesso à via pública antes de ser detida (fl. 14).
Pois bem.
Com a devida vênia, a tese na qual fundamentou o competente Membro do Parquet seu pleito de arquivamento não vem sendo aceita por esta Procuradoria-Geral de Justiça, em que pese suas judiciosas razões.
Reconhece-se que o valor dos bens subtraídos não se mostra expressivo; contudo, se aplicado o princípio da insignificância, resultando na atipicidade material da conduta, estar-se-ia estimulando o cometimento de infrações patrimoniais de bens de pequeno valor.
Admitir como atípicos comportamentos desse porte é, nas palavras do eminente Desembargador Francisco Bruno, agir como se o próprio Estado dissesse ao autor do fato: “Isto não é crime, o senhor está autorizado a fazê-lo novamente” (Apelação n.º 990.10.079006-4, j. em 29.7.10, 9.ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo).
Não se ignora, outrossim, a existência de posturas jurisprudenciais favoráveis ao referido princípio.
É de ver, todavia, que o próprio Supremo Tribunal Federal tem colocado limites à sua aplicação, ao exigir o cumprimento de quatro vetores para sua incidência, a saber: a inexpressividade da lesão ao bem jurídico; a ausência de periculosidade social da ação; a falta de reprovabilidade da conduta; a mínima ofensividade do comportamento do agente (cf. HC n.º 94.931, rel. Min. Ellen Gracie).
No caso em apreço, cuida-se de investigada multirreincidente com vasto histórico de atividades delituosas, de tal maneira que o reconhecimento da atipicidade do fato serviria de estímulo à realização de novos crimes por parte do sujeito.
A folha de antecedentes juntada (fls. 79/106) revela, nessa
mesma linha, que a indiciada possui inúmeras anotações criminais anteriores, já
tendo sido condenada diversas vezes pela prática de crimes contra o patrimônio,
sendo que estava cumprindo pena em regime aberto à época do delito.
Inegável, nesse contexto, estarem ausentes os requisitos elencados pela Corte Suprema, cuja jurisprudência mostra-se firme ao rechaçar a aplicação do princípio citado a indivíduos reincidentes, destacando que a contumácia delituosa importa em elevada reprovabilidade e destacada periculosidade social, de maneira a não se cumprirem os vetores exigidos para sua incidência; confira-se:
“Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, para se caracterizar hipótese de aplicação do denominado “princípio da insignificância” e, assim, afastar a recriminação penal, é indispensável que a conduta do agente seja marcada por ofensividade mínima ao bem jurídico tutelado, reduzido grau de reprovabilidade, inexpressividade da lesão e nenhuma periculosidade social. 2. Nesse sentido, a aferição da insignificância como requisito negativo da tipicidade envolve um juízo de tipicidade conglobante, muito mais abrangente que a simples expressão do resultado da conduta. Importa investigar o desvalor da ação criminosa em seu sentido amplo, de modo a impedir que, a pretexto da insignificância apenas do resultado material, acabe desvirtuado o objetivo a que visou o legislador quando formulou a tipificação legal. Assim, há de se considerar que “a insignificância só pode surgir à luz da finalidade geral que dá sentido à ordem normativa” (Zaffaroni), levando em conta também que o próprio legislador já considerou hipóteses de irrelevância penal, por ele erigidas, não para excluir a tipicidade, mas para mitigar a pena ou a persecução penal. 3. Para se afirmar que a insignificância pode conduzir à atipicidade é indispensável, portanto, averiguar a adequação da conduta do agente em seu sentido social amplo, a fim de apurar se o fato imputado, que é formalmente típico, tem ou não relevância penal. Esse contexto social ampliado certamente comporta, também, juízo sobre a contumácia da conduta do agente. 4. Não se pode considerar atípica, por irrelevante, a conduta formalmente típica, de delito contra o patrimônio, praticada por paciente que possui expressiva ficha de antecedentes e é costumeiro na prática de crimes da espécie. (...)” (STF, RHC n.º 118.107, Relator Min. TEORI ZAVASCKI, 2.ª Turma, julgado em 18/02/2014, publicado em 30/05/2014; grifo nosso).
No mesmo sentido: STF, HC n.º 118.040, Relator Min. GILMAR MENDES, 2.ª Turma, julgado em 08/10/2013, publicado em 25/10/2013; RHC n.º 117.751, Relator Min. RICARDO LEWANDOWSKI, 2.ª Turma, julgado em 27/08/2013, publicado em 25/04/2014.
Em idêntica linha, ademais, vem decidindo o Colendo Superior Tribunal de Justiça:
“(...) A decisão agravada está na mais absoluta consonância com a jurisprudência desta Corte, firmada, inclusive, no sentido da não incidência do princípio da insignificância em casos de reiteração de delitos e de reincidência, como é o caso dos autos. 2. A constatação da reincidência e dos maus antecedentes do agravante como óbice à aplicação do princípio da insignificância foi extraída da sentença e do acórdão recorridos, não havendo, pois, reexame das provas dos autos, situação obstada pela Súmula 7/STJ, mas mera revaloração dos elementos utilizados na apreciação dos fatos pelo Juiz singular e pelo Tribunal a quo. (...)”. (STJ, AgRg no REsp 1.557.324/MG, Relator Min. SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, 6.ª TURMA, julgado em 03/12/2015, DJe de 18/12/2015; grifo nosso).
Registre-se que há diversos julgados
do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo afastando a aplicação do princípio
em casos semelhantes ao presente, como se nota no julgamento das Apelações ns.
0001687-95.2012.8.26.0097 (13.ª Câmara Criminal), 0001705-91.2010.8.26.0128
(14.ª Câmara Criminal), 0000070-54.2011.8.26.0059 (4.ª Câmara Criminal),
000310-97.2012.8.26.0450 (1.ª Câmara Criminal), 0002839-94.2010.8.26.0471 (3.ª
Câmara Criminal).
Diante de tudo o quanto se expôs, designa-se
outro promotor de justiça para oferecer denúncia e prosseguir nos ulteriores
termos da ação penal.
Faculta-se-lhe observar o disposto no
art. 4-A do Ato Normativo n.o 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro
de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n.o 488
(PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.
Expeça-se portaria designando o
substituto automático.
Publique-se a ementa.
São Paulo, 28 de janeiro de 2016.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
/aeal