Código de Processo Penal, art. 28

Protocolado n.º 113.911/10

Autos n.º 673.10.001012-9 – MM. Juízo da Vara Judicial do Foro Distrital de Flórida Paulista

Indiciado: (...)

Assunto: revisão de pedido de arquivamento de termo circunstanciado

 

 

EMENTA: CPP, ART. 28. PORTE DE ARMA BRANCA (LCP, ART. 19). ARQUIVAMENTO FUNDADO NA ATIPICIDADE DA CONDUTA, POR AUSÊNCIA DE NORMA REGULAMENTADORA. DESCABIMENTO. SUBSISTÊNCIA DO DISPOSITIVO LEGAL MENCIONADO, O QUAL FOI DERROGADO NO TOCANTE ÀS ARMAS DE FOGO. PROSSEGUIMENTO DO TERMO CIRCUNSTANCIADO.

1.     Deve-se registrar que com a edição da Lei n. 9.437/97 (posteriormente revogada pelo Estatuto do Desarmamento – Lei n. 10.826/03), o art. 19 da Lei das Contravenções Penais foi apenas derrogado, subsistindo a contravenção quanto ao porte de arma branca.

2.     O elemento normativo do tipo traduzido na expressão “sem licença da autoridade”, presente no dispositivo acima citado, referia-se tão somente às armas de fogo. Em matéria de armas brancas, “não existe órgão que expeça autorização (...). Daí por que todo o porte de arma branca é proibido” (ANDREUCCI, Ricardo Antônio. Legislação penal especial. 3.ª ed. São Paulo: Saraiva. 2007. pág. 505).

Solução: designo outro promotor de justiça para prosseguir no expediente.

 

O presente termo circunstanciado foi instaurado para apurar a prática, em tese, do delito de porte ilegal de arma branca (LCP, art. 19), que teria sido perpetrado por (...).

O Douto Promotor de Justiça, ao manifestar-se, postulou pelo arquivamento do feito, por entender atípica a conduta atribuída ao investigado (fls. 16/19).

O MM. Juiz, discordando de tal entendimento, determinou sua remessa a esta Procuradoria Geral de Justiça, nos termos do art. 28 do CPP (fls. 20).

Eis a síntese do necessário.

Dos elementos de informação constantes no expediente, infere-se que, no dia 05 de maio de 2010, uma faca de cozinha, periciada a fls. 12/14, foi recolhida pela testemunha (...), e, posteriormente, entregue à Polícia.

Pelos depoimentos colhidos, o porte da arma branca foi atribuído ora a (...) (cf. fls. 05 e 06) e ora a (...) (cf. fls. 07), os quais negaram a imputação.

Percebe-se, daí, que se mostra controvertida a autoria da contravenção penal objeto deste procedimento.

De qualquer modo, no que toca ao fundamento empregado para conduzir ao arquivamento do presente termo circunstanciado, é de se afastar a conclusão exarada pelo nobre Representante do Parquet.

Isto porque, no entender desta Procuradoria Geral de Justiça, o ilícito criminal retratado in casu, definido no art. 19 da LCP, continua em vigor.

Em primeiro lugar, é preciso compreender a estrutura do tipo penal. O comportamento incriminado consiste em “trazer consigo arma fora de casa ou de dependência desta”. A parte final do dispositivo, traduzida no elemento normativo “sem licença da autoridade”, referia-se tão somente às armas de fogo. Em matéria de armas brancas, “não existe órgão que expeça autorização (...). Daí por que todo o porte de arma branca é proibido” (ANDREUCCI, Ricardo Antônio. Legislação penal especial. 3ª ed. São Paulo: Saraiva. 2007. pág. 505).

SÉRGIO DE OLIVEIRA MÉDICI, em clássica obra, pondera que: “O agente que, ostensivamente, num lugar público, apresenta-se com uma navalha à cinta, pode praticar a contravenção do art. 19? Cremos que sim, diante da impropriedade do emprego do instrumento e de outras circunstâncias objetivas, que sempre devem ser levadas em consideração” (Contravenções Penais. 2ª ed. Bauru: Jalovi, 1980. pág. 77).

O outro ponto a ser tratado refere-se à definição de arma branca. Entende-se como tal todo instrumento vulnerante, de ataque ou de defesa, não abrangido pelo conceito de arma de fogo. Dividem-se em armas próprias (especialmente destinadas a servirem como tal) e impróprias (instrumentos criados para outra finalidade, empregados pelo autor da conduta como objetos vulnerantes).

Com relação às últimas, seu uso dentro do âmbito das suas finalidades específicas constitui fato lícito. Fora daí, configura a contravenção penal.

Ressalte-se que a faca foi descrita no laudo constante a fls. 12/14, no qual se concluiu que poderia eficazmente ser utilizada como instrumento pérfuro-cortante.

Acrescente-se, por outro lado, que a jurisprudência já firmou entendimento sobre a subsistência da infração mencionada.

 

“RECURSO ESPECIAL. PENAL. ART. 19 DA LEI DAS CONTRAVENÇÕES PENAIS. REVOGAÇÃO PARCIAL. ART. 10 DA LEI n.º 9.437/97.  SUBSISTÊNCIA DA CONTRAVENÇÃO QUANTO AO PORTE DE ARMA BRANCA.

1. Com a edição da Lei n.º 9.437/97 (diploma que instituiu o Sistema Nacional de Armas e tipificou como crime o porte não autorizado de arma de fogo), o art. 19 da Lei das Contravenções Penais foi apenas derrogado, subsistindo a contravenção quanto ao porte de arma branca.

2. Recurso especial conhecido e provido”.

(STJ, R.Esp. n. 549.056, rel. Ministra LAURITA VAZ, DJU de 01.03.2004, p. 194).

 

Pois bem. Diante da prova encartada, não se pode afastar a ocorrência da última hipótese acima formulada, qual seja, o uso irregular do objeto.

Diante disso, designo outro promotor de justiça para oficiar nos autos e, segundo sua independência funcional, requisitar novas diligências para esclarecer definitivamente a autoria e, se frutíferas, propor transação penal ou oferecer denúncia, com fundamento no art. 76 da Lei n. 9.099/95, prosseguindo no feito em seus ulteriores termos.

Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria, designando o substituto automático.

Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 08 de setembro de 2010.

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

 

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