Código de Processo Penal, art. 28

Protocolado n.º 114.990/11

Inquérito policial n.º 158/09 – MM. Juízo da Vara do Juizado Especial Criminal da Comarca de Bragança Paulista

Investigados: (...)

Assunto: revisão de arquivamento de procedimento investigatório

 

 

EMENTA: CPP, ART. 28. CRIME AMBIENTAL. DEPÓSITO DE RESÍDUOS EM ÁREA NÃO LICENCIADA PELA EMPRESA RESPONSÁVEL PELA COLETA DE LIXO. ARQUIVAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL FUNDADO NA AUSÊNCIA DE DOLO EM VIRTUDE DA CELEBRAÇÃO DE TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPOSSIBILIDADE, PORQUANDO SE CUIDA DE TEMA A SER ENFRENTADO À LUZ DO CONTRADITÓRIO. FATO TÍPICO E ANTIJURÍDICO. SUFICIÊNCIA PARA EFEITO DE DENÚNCIA. CELEBRAÇÃO DO ACORDO EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA QUE NÃO EXTINGUE A PUNIBILIDADE OU SUSPENDE O EXERCÍCIO DA PRETENSÃO PUNITIVA.

1.     O arquivamento do inquérito policial não pode se lastrear na ausência do elemento subjetivo do tipo, salvo quando evidente a falta de dolo no proceder dos agentes.

2.     A celebração de termo de ajustamento de conduta entre o Ministério Público e a empresa responsável pelo dano ambiental não elide o crime eventualmente cometido. A Lei n. 9.605/98 atribui à reparação ambiental efeito penal específico, consistente em figurar como requisito obrigatório à transação penal e condição compulsória a ser atendida durante eventual suspensão condicional do processo (arts. 27 e 28).

3.     Não se pode atribuir ao acordo entabulado em ação civil pública a elisão da responsabilidade penal. A responsabilidade criminal independe da civil. Quando a lei pretende atribuir a esta efeitos sobre aquela, o faz expressamente, como, v.g., nos delitos contra a ordem tributária, em que o parcelamento do débito fiscal suspende a pretensão punitiva e seu integral pagamento, a extingue.

4.     O Egrégio Superior Tribunal de Justiça, ademais, já decidiu que: “A assinatura de termo de ajustamento de conduta, com a reparação do dano ambiental são circunstâncias que possuem relevo para a seara penal, a serem consideradas na hipótese de eventual condenação, não se prestando para elidir a tipicidade penal” (HC n. 187.043, rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, j. em 22/03/2011).

Solução: designo outro promotor de justiça para oficiar nos autos e propor transação penal ou oferecer denúncia, observando os requisitos do art. 76 da Lei n. 9.099/95, prosseguindo nos ulteriores termos do feito.

 

O presente inquérito policial foi instaurado para apurar suposto crime ambiental praticado, em tese, pelos (...), encarregada da coleta de lixo no Município de Bragança Paulista.

Concluídas as providências de polícia judiciária, o Douto Promotor de Justiça formulou pedido de arquivamento, aduzindo que os investigados não obraram dolosamente, haja vista que celebraram termo de ajustamento de conduta em ação civil pública movida em face dos danos ambientais provocados (fls. 1.154).

O MM. Juiz deixou de homologar o pleito e requisitou a vinda de certidão de objeto e pé e principais peças da mencionada ação civil (fls. 1.155).

Com a juntada dos documentos (fls. 1.158/1.212), abriu-se nova vista ao Parquet (fls. 1.216/1.217) e, por conta da manifestação de fls. 1.217, entendeu por bem o Douto Magistrado aplicar o art. 28 do CPP, remetendo os autos a esta Procuradoria-Geral de Justiça (fls. 1.218 e verso).

Eis a síntese do necessário.

Com a devida vênia do Ilustre Representante Ministerial que propôs o arquivamento da investigação, parece-nos que não lhe assiste razão.

É oportuno destacar, de início, que a solução por ele preconizada somente pode, em tese, se lastrear na ausência de dolo quando a falta do elemento subjetivo do tipo se mostrar patente e isenta de dúvidas.

Não é, contudo, a hipótese dos autos.

Deve-se frisar que do exame das decisões exaradas na ação civil pública que versa sobre os mesmos fatos nota-se que, mesmo após a expedição de medida liminar visando à cessação do dano ambiental, a ré persistiu com sua conduta, voltando a despejar os resíduos no local proibido (cf. fls. 1.158, verso).

Essa informação demonstra bem o contrário do que vislumbrou o Douto Promotor de Justiça. O dolo, ao que tudo indica, foi intenso a ponto de, mesmo com expressa proibição judicial, tornarem os autores a repetir a mácula ao meio ambiente.

No que se refere à celebração do termo de ajustamento de conduta, não há como se conferir ao acordo os efeitos pretendidos.

Destaque-se que a Lei n. 9.605/98 atribui à reparação ambiental efeito penal específico, consistente em figurar como requisito obrigatório à transação penal e condição compulsória a ser atendida durante eventual suspensão condicional do processo (arts. 27 e 28).

Não se pode outorgar ao acordo entabulado em ação civil pública a elisão da responsabilidade penal, pois esta, como é cediço, independe da civil.

Quando a lei pretende conferir à responsabilidade civil reflexos sobre a criminal, o faz expressamente, como, v.g., nos delitos contra a ordem tributária, em que o parcelamento do débito fiscal suspende a pretensão punitiva e seu integral pagamento, a extingue.

O Egrégio Superior Tribunal de Justiça, ademais, já decidiu em casos semelhantes que:

 

“A assinatura de termo de ajustamento de conduta, com a reparação do dano ambiental são circunstâncias que possuem relevo para a seara penal, a serem consideradas na hipótese de eventual condenação, não se prestando para elidir a tipicidade penal”

(HC n. 187.043, rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, j. em 22/03/2011).

 

Confira-se, ainda:

 

“PROCESSUAL PENAL. ‘HABEAS CORPUS’. CRIME AMBIENTAL. POLUIÇÃO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE. TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA QUE NÃO IMPEDE A INSTAURAÇÃO DA AÇÃO PENAL. INDEPENDÊNCIA ENTRE AS ESFERAS ADMINISTRATIVA E PENAL. ACEITAÇÃO DE SURSIS PROCESSUAL. ORDEM DENEGADA.

1. A suspensão condicional do processo não obsta o exame da alegação de trancamento da ação penal. Precedentes do STJ.

2. O trancamento de ação penal em sede de habeas corpus reveste-se sempre de excepcionalidade, somente admitido nos casos de absoluta evidência de que, nem mesmo em tese, o fato imputado constitui crime.

3. A estreita via eleita não se presta como instrumento processual para exame da procedência ou improcedência da acusação, com incursões em aspectos que demandam dilação probatória e valoração do conjunto de provas produzidas, o que só poderá ser feito após o encerramento da instrução criminal, sob pena de violação ao princípio do devido processo legal.

4. A assinatura do termo de ajustamento de conduta não obsta a instauração da ação penal, pois esse procedimento ocorre na esfera administrativa, que é independente da penal.

5. Ordem denegada”.

(STJ, HC 82.911, rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 05052009, DJe de 15062009; grifo nosso).

 

Descabe, portanto, lastrear-se o arquivamento do inquérito policial na lavratura de termo de ajustamento de conduta.

Há, ademais, elementos suficientes para se respaldar, nomeadamente nesta fase da persecutio criminis, o ajuizamento da ação penal ou a formulação de proposta de transação penal.

Diante do exposto, deixo de acolher a manifestação ministerial e designo outro promotor de justiça para intervir nos autos, oferecendo denúncia ou propondo transação penal, cumprindo-lhe prosseguir nos ulteriores termos do feito.

Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria designando o substituto automático.

Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 31 de agosto de 2011.

 

 

 

                        Fernando Grella Vieira

                        Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

 

 

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