Protocolado n.º 116.248/08 – CPP, art. 28
Termo Circunstanciado nº 2.375/05 - MM. Juízo da Vara do
Juizado Especial Criminal de Andradina
Autor do fato: (...)
EMENTA: CPP, ART. 28.
PEDIDO DE ARQUIVAMENTO LASTREADO PRESCRIÇÃO ANTECIPADA. INADMISSIBILIDADE POR
FALTA DE AMPARO LEGAL. INTERESSE DE AGIR PRESENTE. PRINCÍPIO DA OBRIGATORIEDADE
DA AÇÃO PENAL PÚBLICA. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA QUE SE IMPÕE.
1)
A
tese invocada pelo nobre representante do Ministério Público para propor o
arquivamento dos autos, qual seja, a da prescrição pela pena em perspectiva,
não pode, com a devida vênia, ser acolhida.
2)
Não
se pode olvidar que a atividade do Ministério Público na persecução penal, em
delitos de ação penal pública, rege-se pelo princípio da obrigatoriedade ou
legalidade (CPP, art. 24).
3)
Acrescente-se,
também, que a tese da prescrição pela pena em perspectiva lastreia-se no
virtual reconhecimento da prescrição retroativa, prevista no art. 110, §2º, do
CP, cuja permanência em nosso sistema penal é de todo conveniente e atenta
contra uma Política Criminal eficaz, notadamente na punição de delitos de baixa
visibilidade.
Solução: designação de outro promotor de justiça para
oferecer denúncia.
Cuida-se
de termo circunstanciado instaurado para apurar suposto crime ambiental, capitulado
no art. 48 da Lei n.º 9.605/98, praticado, em tese, por (...).
O Douto
Promotor de Justiça, vislumbrou a ocorrência da prescrição “virtual” e, por tal
motivo, requereu o arquivamento dos autos (fls. 134/135).
O MM.
Juiz, discordou do requerimento ministerial, aduzindo a falta de embasamento
legal para a tese invocada e determinou o retorno dos autos ao i. Promotor de
Justiça (fls. 136), o qual manteve a promoção de arquivamento (fls. 138). O d.
magistrado, então, aplicou a regra do art. 28 do CPP (fls. 139).
É
o relatório.
Com
a devida vênia do diligente Promotor de Justiça, assiste razão ao d. magistrado.
A
tese em que se apoiou o requerimento ministerial não pode ser abraçada por esta
Procuradoria Geral de Justiça, em que pese seus judiciosos fundamentos.
É
preciso destacar que o exercício da ação penal pública é regido pelo princípio
da legalidade ou da obrigatoriedade (CPP, art. 24), de modo que, uma vez
preenchidos os requisitos legais, notadamente a prova da materialidade e os
indícios de autoria, cumpre ao membro do Parquet
oferecer denúncia (ou, quando for o caso, propor a transação penal).
Não
convence, ademais, o argumento de que a imposição de pena, no futuro, provocará
o reconhecimento da prescrição retroativa (CP, art. 110, §2.º). Isto porque se trata de hipótese sujeita a
diversas contingências, entre as quais não se pode excluir a possibilidade de
que ocorra uma modificação na descrição típica, ensejadora de crime mais grave
(mutatio libelli – art. 384 do CPP).
Não
é só. A prescrição “antecipada” ou “virtual” lastreia-se, como se ponderou
acima, na prescrição retroativa. Tal modalidade de prescrição constitui criação
brasileira e se mostra única em todo o Mundo. Sua insubsistência, inclusive,
vem sendo sustentada pelo Colendo Colégio Nacional de Procuradores-Gerais de
Justiça, o qual manifestou expresso apoio e auxílio técnico ao Projeto de Lei
n. 1.383/2003, do Deputado Federal Antônio Carlos Biscaia, que visa à supressão
de dita modalidade de causa extintiva da punibilidade.
Diversos
são os defeitos da prescrição retroativa, dentre os quais se destacam: (i) a
violação aos fundamentos do instituto da prescrição, que objetiva à punição da
inércia do Estado, inexistente nesta modalidade de causa extintiva do ius puniendi estatal; (ii) a ofensa aos
princípios da certeza, da irredutibilidade e da utilidade dos prazos, porquanto
lapsos temporais cumpridos a seu tempo são desprezados, por conta de uma futura
redução e recontagem que se produz; (iii) a violação aos fundamentos das causas
interruptivas do prazo prescricional, os quais, uma vez verificados, encerram
um período que não mais deveria ser reaberto; (iv) ofensa à lógica formal,
porquanto ela se baseia numa sentença condenatória e, uma vez reconhecida, a
invalida, isto é, a sentença penal só é válida para declarar que não tem
validade...[1]
Daí
se vê que esta Procuradoria Geral de Justiça não poderia, por razões de
Política Criminal, prestigiar fundamento jurídico embasado na prescrição retroativa,
como é o caso da chamada prescrição “virtual” ou “antecipada”.
Não
se pode olvidar, por derradeiro, que a jurisprudência é firme ao rechaçar o
instituto acima, como se nota no seguinte julgado, prolatado pelo Egrégio
Superior Tribunal de Justiça:
“PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO
1. Inviável o reconhecimento de prescrição antecipada, por ausência de
previsão legal. Trata-se, ademais, de instituto repudiado pela jurisprudência
desta Corte e do Supremo Tribunal Federal, por violar o princípio da presunção
de inocência e da individualização da pena a ser eventualmente aplicada.
2. O fato de ainda encontrar-se em
trâmite processo de execução fiscal para a satisfação do crédito tributário é
irrelevante para os fins penais, uma vez que já houve o lançamento definitivo
do crédito tributário em questão.
3. Recurso a que se nega provimento”
(STJ, RHC n. 18.569, rel. Ministra
MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, DJe de 13/10/2008).
Diante do
exposto, designo outro promotor de justiça para oferecer denúncia e prosseguir
nos ulteriores termos da ação penal, facultando-se-lhe observar o disposto no
art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com
redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de
2006. Expeça-se portaria. Publique-se a ementa.
São Paulo, 23 de outubro de 2008.
FERNANDO GRELLA VIEIRA
Procurador-Geral de Justiça
[1] Argumentos de Guaragni,
Fábio André. Prescrição penal e
impunidade. Curitiba: Juruá, 2000, p. 117 e seguintes.