Código de Processo Penal, art. 28

 

Protocolado n.º 117.416/09

Autos n.º 010/95 – MM. Juízo da 4ª Vara do Júri da Capital

Indiciado: (...)

Assunto: aplicação imediata do art. 420 do CPP

 

 

 

EMENTA: CPP, ART. 28. TRIBUNAL DO JÚRI. FEITO INICIADO EM 1995. CITAÇÃO DO RÉU VIA EDITAL EFETUADA ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI N. 9.271/96. REVELIA DECRETADA CONFORME O REGIME ANTERIOR. RÉU PRONUNCIADO. DESCABIMENTO DA INTIMAÇÃO POR EDITAL, NOS TERMOS DO ART. 420 DO CPP, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI N. 11.689/08. REGRA CUJA APLICAÇÃO IMEDIATA DEVE SER RESERVADA A HIPÓTESES EM QUE O ACUSADO FOI PESSOALMENTE CITADO OU, NO CASO DE CITAÇÃO FICTA, COMPARECEU OU CONSTITUIU DEFENSOR. GARANTIA FUNDAMENTAL DE QUE O RÉU TEVE CONHECIMENTO PESSOAL DO TEOR DA ACUSAÇÃO. PROIBIÇÃO DE RETROCESSO COMO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL IMPLÍCITO.

1 - Trata-se de feito que se iniciou em 1995, operando-se a citação do réu via edital e, na fase de pronúncia, deu-se a crise de instância, com fulcro no art. 414 do CPP (com redação anterior à Lei n. 11.689/2009). O procedimento ficou paralisado, até que, com a nova sistemática imprimida ao rito do Júri, por decorrência da mencionada Lei, o MM. Juiz aplicou o disposto no art. 420 do CPP, promovendo a intimação ficta acerca da pronúncia e, nos termos do art. 422 do Estatuto Processual Penal, notificou o membro do Parquet para se manifestar, tendo este se recusado a exarar seus requerimentos tendentes à preparação da causa para o julgamento pelo Tribunal do Júri.

2 - É preciso ponderar, de início, que de fato não poderia o Judiciário obrigar o Ministério Público a apresentar a manifestação processual acima, posto que restaria violada a titularidade exclusiva para a propositura da ação penal pública (CF, art. 129, I).

3 - O art. 420 do CPP, com a redação que lhe deu a Lei n. 11.689/2009, tem aplicação imediata (CPP, art. 2.º), devendo ser observado nos processos em andamento, desde que o acusado tenha tido conhecimento formal da acusação deduzida. Isso não ocorreu na hipótese vertente, pois a citação foi realizada antes da vigência da Lei n. 9.271/96, de modo que o feito seguiu à revelia do réu. Inexiste nos autos qualquer comprovação do que ao increpado se deu real cientificação do teor da imputação pela qual responde.

4 – Conclui-se, destarte, que uma distinção deve ser feita quanto à incidência do art. 420 a processos anteriores à Lei n. 11.689: a) em se tratando de feitos posteriores à vigência da lei n. 9.271/96, dever-se-á aplicar imediatamente a nova regra, promovendo a imediata continuidade das ações penais suspensas anteriormente por decorrência da crise de instância; b) caso se cuide de procedimento anterior à mudança do art. 366, não é possível que se conclua pelo imediato seguimento da causa, sob pena de incorrer-se em patente constrangimento ilegal.

5 – Advirta-se que o regime jurídico implementado pela Lei n. 9.271, de 1996, ao impedir a continuidade do procedimento penal sem a efetiva e formal ciência do réu, tem direta relação com as garantias constitucionais do devido processo legal e da ampla defesa. Qualquer entendimento contrário, no sentido de que o feito seguisse sem tais comunicações, representaria, destarte, ofensa aos mencionados princípios. Nem se diga que tal solução seria consequência de lei posterior, pois, nesse passo, teria aplicação o princípio constitucional da proibição do retrocesso.

Solução: deixo de apresentar a manifestação a que alude o art. 422 do CPP ou mesmo designar outro Promotor de Justiça para fazê-lo e insisto na providência requerida.

 

 

Cuida-se de processo criminal em que o Ministério Público imputa ao acusado os crimes tipificados nos art. 121, § 2.º, inc. I e IV e 121, § 2.º, inc. V, c.c. art. 14, II (por duas vezes), todos do CP.

Trata-se de feito que se iniciou em 1995, operando-se a citação do réu via edital e, na fase da pronúncia, deu-se a crise de instância, com fulcro no art. 414 do CPP (com redação anterior à Lei n. 11.689/2009).

O procedimento, destarte, ficou paralisado, até que, com a nova sistemática imprimida ao rito do Júri, por decorrência da mencionada Lei, o MM. Juiz aplicou o disposto no art. 420 do CPP, promovendo a intimação ficta acerca da pronúncia e, nos termos do art. 422 do Estatuto Processual Penal, notificou o Membro do Parquet para se manifestar (fls. 241 e 244).

O competente Promotor de Justiça, em judiciosos pareceres, recusou-se a exarar seus requerimentos tendentes à preparação da causa para o julgamento pelo Tribunal do Júri (fls. 242/243 e 245/258).

O d. Magistrado, então, entendeu por bem remeter o expediente a esta Procuradoria Geral de Justiça, nos termos do art. 28 do CPP (fls. 260/263).

Eis a síntese do necessário.

É preciso ponderar, de início, que de fato não poderia o Judiciário obrigar o Ministério Público a apresentar a manifestação processual acima, posto que restaria violada a titularidade exclusiva para a propositura da ação penal pública (CF, art. 129, I).

Com respeito à questão fulcral, parece-nos que assiste razão ao diligente Promotor do Júri.

Não temos dúvida que o art. 420 do CPP, com a redação que lhe deu a Lei n. 11.689/2009, tem aplicação imediata, devendo ser observado nos processos em andamento. É que, em matéria de normas processuais penais, vigora o princípio tempus regit actum, previsto no art. 2.º do CPP.

Há que se compreender, entretanto, a ratio legis da novel disposição.

Ao tempo da elaboração do Código, era mister a suspensão do feito na fase da pronúncia (em crimes inafiançáveis), pois, até então, o rito seguia mesmo que não fosse dado ao réu conhecimento pessoal da acusação, por força da sistemática anterior à Lei n. 9.271, de 1996. Com isso, ninguém poderia ser julgado pelo Tribunal Popular sem que fosse assegurada sua efetiva ciência acerca da imputação.

Ocorre, contudo, que esta Lei alterou a sistemática da citação ficta e, no art. 366 do CPP, determinou a suspensão do processo e da prescrição da pretensão punitiva, caso o denunciado, citado via edital, não comparecesse nem constituísse defensor. Essa regra aplica-se a todos os procedimentos penais, com exceção do sumaríssimo.

Pois bem. O atual art. 420, ao decretar o fim da “crise de instância”, o fez por considerar que, se o feito chegou até a fase final do sumário da culpa, significa que o agente exerceu plenamente sua defesa (lembre-se que, caso citado por edital, poder-se-á aplicar o art. 366 do Código).

Eugênio Pacelli de Oliveira esclarece, nesse sentido, que:

 

“...E como acreditamos que o citado art. 366 aplica-se a qualquer espécie de procedimento, se o processo tiver chegado à fase de pronúncia, é de se concluir que dele tomou conhecimento o acusado na época oportuna” (Curso de Processo Penal. 10ª edição. Lumen Iuris Editora: Rio de Janeiro, 2009. pág. 578).

Nota-se, do exposto, que uma distinção deve ser feita quanto à incidência do art. 420 a processos anteriores à Lei n. 11.689: a) em se tratando de feitos posteriores à vigência da Lei n. 9.271, de 1996, dever-se-á aplicar imediatamente a nova regra, promovendo a imediata continuidade das ações penais suspensas anteriormente por decorrência da crise de instância; b) caso se cuide de procedimento anterior à mudança do art. 366, não é possível que se conclua pelo imediato seguimento da causa, sob pena de incorrer-se em patente constrangimento ilegal.

Advirta-se que o regime jurídico implementado pela Lei n. 9.271, de 1996, ao impedir a continuidade do procedimento penal sem a efetiva e formal ciência do réu acerca da acusação, tem direta relação com as garantias constitucionais do devido processo legal e da ampla defesa. Qualquer entendimento contrário, no sentido de que o feito seguisse sem tais comunicações, representaria, destarte, ofensa aos postulados mencionados. Nem se diga que tal solução seria consequência de lei posterior, pois, nesse passo, teria aplicação o princípio constitucional da proibição do retrocesso.

Significa dizer que, uma vez incorporadas na legislação ordinária regras tendentes à consecução dos mais importantes princípios constitucionais, sua supressão seria vedada, sob pena de malferir o próprio Texto Maior.

Nunca é demais recordar que o Ministério Público não é somente órgão acusador, mas guardião da correta aplicação das leis e, justamente por isso, não poderia corroborar com o entendimento esposado pelo MM. Juiz, data maxima venia.

Obtempere-se, por derradeiro, que a eficácia da acusação em Plenário restaria amplamente comprometida, ao se postular requerimento de procedência da ação penal, sem que o agente tivesse tido oportunidade de se defender dos fatos que lhes foram imputados.

Em face do exposto, deixo de apresentar a manifestação a que alude o art. 422 do CPP ou mesmo designar outro Promotor de Justiça para fazê-lo e insisto na providência requerida a fls. 242/243 e 245/258. Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 06 de outubro de 2009.

 

 

Fernando Grella Vieira

Procurador Geral de Justiça

 

 

 

/aeal