Código de Processo Penal, art. 28

Protocolado n.º 119.929/12

Processo n.º 1.057/11 – MM. Juízo da 2.ª Vara Judicial da Comarca de Aparecida

Réu: (...)

Assunto: designação de promotor de justiça para apresentação de alegações finais

 

EMENTA: CPP, ART. 28 (APLICAÇÃO ANALÓGICA). AÇÃO PENAL POR CRIME DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. DENÚNCIA RECEBIDA. PEDIDO MINISTERIAL, NA FASE DO ART. 397 DO CPP, VISANDO AO RECONHECIMENTO DA ATIPICIDADE DA CONDUTA. DISCORDÂNCIA JUDICIAL. MAGISTRADA QUE CONSIDERA VIÁVEL A ACUSAÇÃO. DETERMINAÇÃO DE REMESSA DO FEITO A ESTA CHEFIA INSTITUCIONAL PARA DESIGNAÇÃO DE OUTRO PROMOTOR DE JUSTIÇA. DESCABIMENTO. O MECANISMO DE CONTROLE INVOCADO NÃO SE PRESTA A TOLHER A INDEPENDÊNCIA FUNCIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO, CONSTITUCIONALMENTE CONSAGRADA (CF, ART. 127, §1.º).

1. No caso em apreço, deu-se o oferecimento de denúncia por crime de embriaguez ao volante (CTB, art. 306) por parte de promotor de justiça substituto, devidamente recebida. O membro do Parquet titular, ao reassumir suas funções, recebeu os autos com vista na fase do art. 397 do CPP, quando, secundando pedido da defesa, apresentou manifestação postulando o reconhecimento da atipicidade da conduta, em face da ausência de prova pericial da elementar típica referente à dosagem alcóolica.

2. Os requerimentos foram rechaçados, tendo a MM. Julgadora declarado não se encontrarem presentes quaisquer das hipóteses de absolvição sumária previstas no Estatuto Processual Penal. Ocorre, porém, que em vez de designar audiência única de instrução, debates e julgamento, conforme preconiza o art. 399 do CPP, determinou a remessa do caso a esta Procuradoria-Geral de Justiça, com fulcro no art. 28 do CPP, objetivando a designação de outro representante ministerial para nele oficiar.

3. O mecanismo previsto no art. 28 do CPP, indevidamente aplicado à hipótese, constitui modalidade anômala de controle do princípio da obrigatoriedade da ação penal de iniciativa pública (CPP, art. 24). Como se sabe, nosso processo criminal tem como princípio reitor, entre outros, o nec delicta maneant impunita. Bem por isso, quando se detectar que o membro do Ministério Público não exerceu a ação penal pública, devem ser remetidos os autos à Chefia Institucional para análise da atitude verificada. Não se pode ampliar a incidência da sistemática sub examen para situações processuais estranhas ao controle do princípio da legalidade da ação penal pública (ou de seu corolário, a indisponibilidade – arts. 42 e 576 do CPP).

4. Sabe-se que o art. 28 do CPP tem lugar não apenas quando o promotor de justiça pedir o arquivamento dos autos e o Juiz discordar. Atualmente, também pode-se invocar a norma mencionada para efeito de controle do exercício da transação penal, da suspensão condicional do processo, do aditamento da acusação nos casos de mutatio libelli (com expressa remissão no art. 384 do CPP, cuja redação foi dada pela Lei n. 11.709/08) e quando houver omissão ministerial (entendida como negativa de atuação).

5. Em todas as hipóteses enumeradas, a atuação do Procurador-Geral de Justiça, que age provocado pela autoridade judiciária, guarda íntima relação com o multicitado princípio da obrigatoriedade (ou seu consectário lógico – a indisponibilidade).

6. O procedimento examinado não se enquadra em quaisquer das situações relacionadas, cumprindo frisar que o Douto Promotor de Justiça, em momento algum abriu mão do processo, negando-se a nele oficiar.

7. O pedido de absolvição sumária formulado pelo Representante Ministerial, além de devidamente fundamentado, constituiu o resultado de sua convicção funcional.

8. Nesta senda, acolher o pedido judicial e designar outro Órgão do Parquet para passar a atuar no expediente seria o mesmo que, a um só tempo, ferir dois dos mais importantes e basilares princípios institucionais do Ministério Público brasileiro: a independência funcional e o princípio do promotor natural, ambos consagrados na Constituição Federal. Como ensina o festejado HUGO NIGRO MAZZILLI, “O princípio do promotor natural consiste, pois, na existência de um órgão independente do Ministério Público, escolhido por prévios critérios legais e não casuisticamente, para o exercício das atribuições que a lei conferiu à instituição” (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 117). Ressalte-se que o Egrégio Supremo Tribunal Federal já asseverou cuidar-se de princípio positivado no ordenamento pátrio: “O postulado do Promotor Natural consagra uma garantia de ordem jurídica, destinada tanto a proteger o membro do Ministério Público, na medida em que lhe assegura o exercício pleno e independente do seu ofício, quanto a tutelar a própria coletividade, a quem se reconhece o direito de ver atuando, em quaisquer causas, apenas o Promotor cuja intervenção se justifique a partir de critérios abstratos e pré-determinados, estabelecidos em lei’ (HC 102.147/GO, rel. Min. Celso de Mello, DJe nº 22 de 02.02.2011). Em sentido semelhante, HC n. 103.038, rel. Min. Joaquim Barbosa, 2ª Turma, julgado em 11/10/2011, publicado em 27-10-2011).

9. O ponto que se examina, nunca é demais frisar, nada tem com o mérito do processo que corre em primeiro grau, isto é, aqui não se discute se há base fático-probatória suficiente para sustentar a acusação em juízo. A quaestio reside em saber se, em face de um pedido ministerial de absolvição, pode-se reconhecer ofensa aos princípios da obrigatoriedade ou indisponibilidade da ação pública, justificando a remessa do feito, por força do art. 28 do CPP, ao Procurador-Geral de Justiça. A resposta, como já se anteviu nos argumentos anteriormente expostos, é evidentemente negativa.

10. Consoante abalizada lição de MARCELLUS POLASTRI LIMA: “Isto não impede, a toda evidência, que o promotor venha, na fase própria, pedir a absolvição do réu, desde que provada sua inocência ou as provas não sejam suficientes para autorizar uma condenação, pois ao Estado não interessa uma sentença injusta.” (Ministério Público e Persecução Criminal, 4ª edição, Lumen Juris, 2007, p. 150). No mesmo sentido, o autorizado escólio de PEDRO HENRIQUE DEMERCIAN e JORGE ASSAF MALULY: “O artigo 42 do CPP diz que o Ministério Público não pode desistir da ação que haja proposto, não pode dispor da ação por razões de conveniência, política criminal etc. Isso não significa que não possa e deva alvitrar a absolvição, quando vislumbrar a inocência do acusado, máxime porque jamais perde sua qualidade de fiscal da lei, ainda quando atuando na acusação” (Curso de Processo Penal, 5ª edição, Forense, 2009, p. 107). Não há, portanto, atuação ministerial a ser corrigida. A MM. Juíza já indeferiu o pedido de absolvição sumária, cumprindo-lhe, então, dar o necessário impulso à marcha processual, realizando a audiência única de instrução, debates e julgamento, nos termos do art. 399 e seguintes do CPP.

Solução: não se conhece da presente remessa e, via de consequência, deixa-se de designar outro membro do Ministério Público para oficiar nos autos, destacando que a incumbência de intervir no feito em seus ulteriores termos subsiste ao competente promotor natural.

 

 

 

Cuida-se de ação penal movida pelo Ministério Público em face de (...) imputando-lhe, na denúncia de fls. 01-D/02-D, o crime de embriaguez ao volante (CTB, art. 306).

A inicial foi devidamente recebida, determinando-se a citação do réu para responder à acusação (fls. 38/39), sendo a peça correspondente apresentada, na qual se postulou a absolvição sumária do acusado (fls. 53/57).

O Douto Promotor de Justiça oficiante, depois de receber os autos com vista na fase do art. 397 do CPP, secundou o pedido da defesa, pugnando pelo reconhecimento da atipicidade da conduta, em face da ausência de prova pericial da elementar típica referente à dosagem alcóolica (fls. 58).

Os requerimentos foram rechaçados, tendo a MM. Julgadora declarado não se encontrarem presentes quaisquer das hipóteses de absolvição sumária previstas no Estatuto Processual Penal. Ocorre, porém, que em vez de designar audiência única de instrução, debates e julgamento, conforme preconiza o art. 399 do CPP, determinou a remessa do caso a esta Procuradoria-Geral de Justiça, com fulcro no art. 28 do CPP, objetivando a designação de outro representante ministerial para nele oficiar (fls. 60/63).

Eis a síntese do necessário.

Com a devida vênia da Nobre Julgadora, não se justifica na hipótese concreta o envio do processo a esta Chefia Institucional.

Deve-se ponderar que o mecanismo contido no art. 28 do CPP, invocado na r. decisão de fls. 60/63, constitui modalidade anômala de controle do princípio da obrigatoriedade da ação penal pública (CPP, art. 24).

Como se sabe, nosso processo criminal tem como princípio reitor, entre outros, o nec delicta maneant impunita. Bem por isso, quando se detectar que o membro do Ministério Público não exerceu a ação penal pública, devem ser remetidos os autos à Chefia Institucional para análise da atitude verificada.

Não há dúvida alguma que a sistemática sub examen deve ser sempre interpretada de maneira restrita. Não se pode ampliar sua incidência para situações processuais estranhas ao controle do princípio da legalidade da ação penal pública (ou de seu corolário, o princípio da indisponibilidade – arts. 42 e 576 do CPP).

Isto não significa que somente tem lugar o art. 28 do CPP quando o promotor de justiça pedir o arquivamento dos autos e o Juiz discordar. Atualmente, como é cediço, também incide a norma mencionada para efeito de controle do exercício da transação penal, da suspensão condicional do processo, do aditamento da acusação nos casos de mutatio libelli (com expressa remissão no art. 384 do CPP, cuja redação foi dada pela Lei n. 11.709/08) e na hipótese de omissão ministerial (entendida como negativa de atuação).

Em todas as hipóteses enumeradas, a atuação do Procurador-Geral de Justiça, que age provocado pela autoridade judiciária, guarda íntima relação com o multicitado princípio da obrigatoriedade (ou seu consectário lógico – a indisponibilidade).

O procedimento examinado não se enquadra em quaisquer das situações relacionadas, cumprindo frisar que o Douto Promotor de Justiça, em momento algum abriu mão do processo, negando-se a nele oficiar.

O pedido de absolvição sumária formulado pelo Representante Ministerial, além de devidamente fundamentado, constituiu o resultado de sua convicção funcional.

Nesta senda, acolher o pedido judicial e designar outro Órgão do Parquet para passar a atuar no expediente seria o mesmo que, a um só tempo, ferir dois dos mais importantes e basilares princípios institucionais do Ministério Público brasileiro: a independência funcional e o princípio do promotor natural, ambos consagrados na Constituição Federal.

Como ensina o festejado HUGO NIGRO MAZZILLI,

 

“O princípio do promotor natural consiste, pois, na existência de um órgão independente do Ministério Público, escolhido por prévios critérios legais e não casuisticamente, para o exercício das atribuições que a lei conferiu à instituição” (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 117).

 

Ressalte-se que o Egrégio Supremo Tribunal Federal já asseverou cuidar-se de princípio positivado no ordenamento pátrio:

 

“O postulado do Promotor Natural consagra uma garantia de ordem jurídica, destinada tanto a proteger o membro do Ministério Público, na medida em que lhe assegura o exercício pleno e independente do seu ofício, quanto a tutelar a própria coletividade, a quem se reconhece o direito de ver atuando, em quaisquer causas, apenas o Promotor cuja intervenção se justifique a partir de critérios abstratos e pré-determinados, estabelecidos em lei” (HC 102.147/GO, rel. Min. Celso de Mello, DJe nº 22 de 02.02.2011). Em sentido semelhante, HC n. 103.038, rel. Min. Joaquim Barbosa, 2ª Turma, julgado em 11/10/2011, publicado em 27-10-2011).

 

O ponto que se examina, nunca é demais frisar, nada tem com o mérito do processo que corre em primeiro grau, isto é, aqui não se discute se há base fático-probatória suficiente para sustentar a acusação em juízo. A quaestio reside em saber se, em face de um pedido ministerial de absolvição, pode-se reconhecer ofensa aos princípios da obrigatoriedade ou indisponibilidade da ação pública, justificando a remessa do feito, por força do art. 28 do CPP, ao Procurador-Geral de Justiça.

A resposta, como já se anteviu nos argumentos anteriormente expostos, é evidentemente negativa.

Consoante abalizada lição de MARCELLUS POLASTRI LIMA:

 

“Isto não impede, a toda evidência, que o promotor venha, na fase própria, pedir a absolvição do réu, desde que provada sua inocência ou as provas não sejam suficientes para autorizar uma condenação, pois ao Estado não interessa uma sentença injusta.” (Ministério Público e Persecução Criminal, 4ª edição, Lumen Juris, 2007, p. 150).

 

No mesmo sentido, o autorizado escólio de PEDRO HENRIQUE DEMERCIAN e JORGE ASSAF MALULY:

 

“O artigo 42 do CPP diz que o Ministério Público não pode desistir da ação que haja proposto, não pode dispor da ação por razões de conveniência, política criminal etc. Isso não significa que não possa e deva alvitrar a absolvição, quando vislumbrar a inocência do acusado, máxime porque jamais perde sua qualidade de fiscal da lei, ainda quando atuando na acusação” (Curso de Processo Penal, 5ª edição, Forense, 2009, p. 107).

 

Não há, portanto, atuação ministerial a ser corrigida. A MM. Juíza já indeferiu o pedido de absolvição sumária, cumprindo-lhe, então, dar o necessário impulso à marcha processual, realizando a audiência única de instrução, debates e julgamento, nos termos do art. 399 e seguintes do CPP.

Diante do exposto, não se conhece da presente remessa e, via de consequência, deixa-se de designar outro membro do Ministério Público para oficiar nos autos, destacando que a incumbência de intervir no feito em seus ulteriores termos subsiste ao competente promotor natural.

Publique-se a ementa.

        

São Paulo, 16 de agosto de 2012.

 

                        Márcio Fernando Elias Rosa

                        Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

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