Protocolado n.º 123.737/08 – CPP, art. 28
Inquérito Policial n. 277/08 – MM. Juízo da 1.ª Vara
Distrital de Brás Cubas (Comarca de Mogi das Cruzes)
Autor do fato: (...)
EMENTA: CPP, art. 28. LEI MARIA DA PENHA. LESÃO
CORPORAL DOLOSA LEVE. AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA. RETRATAÇÃO DA
REPRESENTAÇÃO. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA. IMPOSSIBILIDADE.
1. A ação penal por crime de lesão corporal dolosa
leve relacionado com violência doméstica ou familiar contra a mulher é pública condicionada à representação.
2. Muito embora o tema seja controvertido e existam
julgados acolhendo a tese de que a ação é pública incondicionada, parece-nos
que os dispositivos da Lei Maria da Penha devem ser interpretados de modo
conjunto.
3. A interpretação sistemática e teleológica dos
arts. 16 e 41 da Lei n. 11.340/06 indica que, no caso dos autos, o exercício da
ação penal depende de representação. Sem tal condição de procedibilidade, o
ajuizamento da ação penal se mostra inviável.
Solução: deixo de designar outro promotor de justiça
e insisto na postura adotada.
Cuida-se
de inquérito policial instaurado para apurar supostos delitos de ameaça e lesão
corporal dolosa leve, praticados, em tese, no dia 16 de março de 2008, por
volta meia-noite e meia, no interior da residência situada na Rua Gabriel
Anunzio, n. 293, Jd. Aeroporto III, em Brás Cubas, figurando como autor do fato
(...) e, como vítima, (...).
No
curso da investigação, a ofendida retratou-se da representação e noticiou ter
se reconciliado com o agente (fls. 17), por esse motivo, a diligente Promotora
de Justiça requereu a designação de audiência, com fundamento no art. 16 da Lei
n. 11.340/06 (fls. 35).
Tendo
em vista o não-comparecimento da ofendida ao ato designado, a mencionada
representante ministerial requereu fosse declarada a extinção da punibilidade
(fls. 41).
O
MM. Juiz de Direito, contudo, entendeu que a ação penal referente ao crime de
lesão corporal dolosa leve é pública incondicionada. Em face disto, verificando
o não-oferecimento de denúncia ou pedido de arquivamento dos autos, remeteu o
feito à Procuradoria Geral de Justiça, com base no art. 28 do CPP (fls. 42/46).
É
o relatório.
É preciso
frisar, de início, que os fatos objeto da investigação se subsumem ao conceito
de violência doméstica ou familiar contra a mulher (Lei n. 11.340/06).
A definição de
violência doméstica no que diz respeito à incidência da citada Lei consta de
seu art. 5º: “Para os efeitos desta Lei,
configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou
omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual
ou psicológico e dano moral ou patrimonial”. Os incisos do dispositivo
deixam claro que o fato pode se der no âmbito da “unidade doméstica” (inc. I), no bojo “da família” (inc. II) ou em “qualquer
relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a
ofendida, independentemente de coabitação”.
A relação
de união estável admitida por ambos e as características em que os delitos
ocorreram não deixam dúvidas sobre a aplicação da Lei.
É preciso
verificar, então, se o crime de lesão corporal dolosa leve relacionado com a
violência doméstica ou familiar contra a mulher se procede por ação pública
incondicionada ou, pelo contrário, se depende de representação da vítima.
A
controvérsia foi bem delimitada pela competente Promotora de Justiça e pelo MM.
Juiz de Direito. Como apontaram, o tema é bastante controvertido, tendo o
Egrégio Superior Tribunal de Justiça se orientado, recentemente e por maioria
de votos, em favor da tese acolhida pelo d. magistrado (vide HC n. 96.992 e 108.098).
Com
a devida vênia ao referido Sodalício, contudo, somos da opinião de que o art.
41 da Lei Maria da Penha não pode ser interpretado isoladamente. Referido
dispositivo estabelece que: “aos crimes praticados com violência
doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não
se aplica a Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995”.
Numa interpretação
puramente literal, poder-se-ia concluir que o art. 88 da Lei n. 9.099/95, o
qual determina que a lesão corporal dolosa leve e a lesão culposa são crimes de
ação pública condicionada à representação, não mais se aplica ao crime de lesão
corporal leve envolvendo violência doméstica contra a mulher (art. 129, § 9º,
do CP), de modo que esse fato teria se tornado delito de ação penal pública
incondicionada.
De
ver, contudo, que o art. 16 da Lei determina que: “Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de
que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz,
em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento
da denúncia e ouvido o Ministério Público”.
A norma supra transcrita revela a
preocupação contida no novo Texto com a renúncia manifestada pela mulher que
efetuara representação em fatos envolvendo violência doméstica ou familiar
contra ela. Essa precaução foi criada visando à evitar que a ofendida seja
pressionada indevidamente, muitas vezes pelo próprio autor do crime, a se
retratar da representação.
Como
dissemos acima, o art. 41 não pode ser interpretado de modo isolado e
descontextualizado. Os métodos de interpretação sistemática e teleológica devem
preferir sobre os demais. Por esse motivo, cremos que a Lei Maria da Penha
jamais pretendeu eliminar a necessidade
de representação nos crimes relacionados com violência doméstica e familiar
contra a mulher, que antes da entrada em vigor da Lei n. 11.340/2006, eram de
ação pública condicionada. A finalidade do Texto Legal foi, ao revés,
estabelecer requisitos mais rigorosos para o caso de renúncia ou retratação da
representação.
Em face do
exposto, a propositura da ação penal, em nosso sentir, configuraria
constrangimento ilegal, posto que ausente condição de procedibilidade para o
seu exercício.
Diante
disso, deixo de designar outro promotor de justiça para atuar nos autos e
insisto na providência postulada a fls. 41. Publique-se a ementa.
São Paulo, 13 de outubro de 2008.
FERNANDO GRELLA VIEIRA
Procurador-Geral de
Justiça