Código de Processo Penal, art. 28

Protocolado n.º 125.834/11

Autos n.º 451/11– MM. Juízo da Vara Criminal da Comarca de Amparo

Indiciado: (...)

Vítima: (...)

Assunto: revisão de pedido de diligências complementares

 

 

 

EMENTA: CPP, ART. 28. REQUISIÇÃO DE DILIGÊNCIAS COMPLEMENTARES EM INQUÉRITO POLICIAL. PRISÃO EM FLAGRANTE CONVERTIDA EM PREVENTIVA. IMPERTINÊNCIA DAS MEDIDAS INTENTADAS. DELITO DEVIDAMENTE CONFIGURADO PARA EFEITO DE IMPUTAÇÃO VESTIBULAR. FAVORECIMENTO À PROSTITUIÇÃO OU OUTRA FORMA DE EXPLORAÇÃO SEXUAL DE VULNERÁVEL. CONDUTA EQUIPARADA (CP, ART. 218, §2.º, INC. I). SUJEITO QUE PRATICA ATO LIBIDINOSO COM ADOLESCENTE DE 15 ANOS, EM SITUAÇÃO DE PROSTITUIÇÃO. SUPOSTA AMEAÇA DO AGENTE AFIRMADA PELA OFENDIDA. ALEGAÇÃO COMPLETAMENTE INVEROSSÍMIL E CONTRARIADA POR TESTEMUNHAS PRESENCIAIS. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA QUE SE IMPÕE.

1.     Pondere-se que a Lei n. 12.015/2009 destacou em capítulo próprio os delitos sexuais cometidos contra menores de 14 anos (inseridos no conceito de “vulnerável”) e, ainda, aqueles perpetrados em face de adolescentes maiores de 14 anos, em estado de prostituição ou exploração sexual. Atendeu, com isso, a um justo reclamo sufragado por um setor da doutrina. Alberto Silva Franco e Tadeu Dix Silva, comentando a defasagem verificada na anterior regulamentação do Título VI, ponderavam ser imperiosa a “necessidade de separação entre os crimes contra a liberdade sexual e os crimes sexuais contra menores” (Código Penal e sua interpretação jurisprudencial, p. 1019). De fato, há entre eles uma distinção fundamental, justificando sejam tratados em capítulos diversos. Isto porque os crimes de estupro (art. 213), violação sexual mediante fraude (art. 215) e assédio sexual (art. 216-A) baseiam-se na ausência de consensualidade no ato libidinoso praticado (daí por que se trata de crimes contra a liberdade sexual). No que toca às práticas sexuais com menores de 14 anos, a questão não se radica na ausência de consentimento, mas na proteção dessas pessoas contra o ingresso precoce na vida sexual, a fim de lhe assegurar crescimento equilibrado e sadio sob esse aspecto. A norma visa à tutela da dignidade sexual de indivíduos em situação de vulnerabilidade, isto é, indefesas por natureza ou condição pessoal. Procura-se permitir a todos o livre desenvolvimento da personalidade na esfera sexual, promovendo seu crescimento sadio e equilibrado no que diz respeito ao tema. Trata-se da normatização da crença de que, até atingir um determinado grau de desenvolvimento psicológico, deve-se preservar o menor dos perigos inerentes ao ingresso prematuro na vida sexual. “A imaturidade inerente aos menores de certa idade”, pondera Maria do Carmo Silva Dias, “acarreta, como consequência natural, uma particular vulnerabilidade, a justificar uma proteção específica e adicional, complementar da que é dada ao adulto que esteja no pleno gozo das suas capacidades” (Crimes sexuais com adolescentes, p. 215). Raciocínio idêntico se aplica aos sujeitos passivos com idade inferior a 18 anos, embora superior a 14, que se encontrem em situação de prostituição ou exploração sexual.

2.     O art. 218-B, em seu §2.º, também pune o agente que mantém conjunção carnal ou pratica atos libidinosos com pessoas maiores de 14 e menores de 18 anos, colocadas em situação de prostituição ou outra forma de exploração sexual. É exatamente este o caso dos autos. É de anotar-se que o delito ocorrerá independentemente do emprego de violência física, grave ameaça ou fraude. Penaliza-se, destarte, a relação consensual entre tais pessoas. Se houver meio violento, intimidativo ou fraudulento, o crime será o estupro (art. 213) ou a violação sexual mediante fraude (art. 215). É necessário, a toda evidência, que o sujeito ativo tenha conhecimento da idade da vítima, o que se dessume, na hipótese vertente, pela sua jovem fisionomia, percebida pela atendente da pousada, a qual acionou a Polícia (tornando, consequentemente, inverossímil a escusa apresentada pelo increpado, no sentido de que desconhecia a pouca idade de sua parceira).

3.     É preciso sublinhar, derradeiramente, que a suposta ameaça relatada pela menor não se mostrou crível. Com efeito, o depoimento dos milicianos deixou claro ter a adolescente admitido que se prostituía na data em questão e a atendente da pousada asseverou não ter notado qualquer sinal de que ela pudesse estar sendo coagida a acompanhar o autor.

Solução: designo outro promotor de justiça para oferecer denúncia, devendo prosseguir no feito em seus ulteriores termos.

 

 

Cuida-se de inquérito policial instaurado para apurar o crime de favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável (CP, art. 218, §2.º, inc. I), cometido por (...) em face da adolescente (...), que possuía 15 anos de idade ao tempo do fato.

De acordo com os elementos informativos carreados, policiais militares surpreenderam o investigado no interior de um quarto situado na “Pousada do Sol”, em companhia da menor, tendo este admitido que acabara de manter com a ofendida relação sexual mediante o pagamento de R$ 30,00 (trinta reais).

O increpado foi preso em flagrante delito, ouvindo-se, no respectivo auto: o miliciano condutor e seu companheiro, que figurou como testemunha (fls. 03 e 05); a funcionária da pousada, que acionou a Polícia por desconfiar da idade da menina (fls. 06); a menor, a qual admitiu a prática dos atos libidinosos, embora negasse ter se prostituído, dizendo, em vez disso, que fora ameaçada (fls. 07); o indiciado, tendo este confessado a realização de um encontro sexual remunerado, aduzindo, porém, não ter notado a menoridade de sua parceira (fls. 08).

O Douto Promotor de Justiça oficiante considerou controvertido o emprego de grave ameaça e, em face disso, deixou de oferecer denúncia, requereu a revogação da prisão preventiva (resultante da conversão do flagrante) e requisitou diligências complementares (fls. 51).

A MM. Juíza, contudo, julgando improcedentes as razões invocadas, remeteu o procedimento a esta Procuradoria-Geral de Justiça, nos termos do art. 28 do CPP (fls. 52/53).

Eis a síntese do necessário.

Com a devida vênia do Ilustre Representante Ministerial, cremos que o procedimento fornece base mais do que suficiente para o ajuizamento da ação penal.

Deve-se assentar, de início, que para a configuração do crime capitulado no art. 218-B, §2.º, inc. I, do CP, mostra-se irrelevante o emprego de violência ou grave ameaça.

Dá-se referido crime quando o agente praticar conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos na situação descrita no caput do artigo, isto é, prostituição ou outra forma de exploração sexual.

Frise-se que o Capítulo II do Título VI da Parte Especial, em que o mencionado dispositivo encontra-se inserido, não protege a autodeterminação sexual, como o faz o Capítulo anterior, mas a intangibilidade ou indenidade sexual. Isto significa, em outras palavras, que o consentimento da vítima torna-se irrelevante, diversamente do que ocorre nas infrações tipificadas nos arts. 213 a 216-A do CP.

A suposta ameaça mencionada pela ofendida, portanto, em nada interfere na caracterização do ilícito penal pelo qual o agente foi indiciado.

Pondere-se que a Lei n. 12.015/2009 destacou em capítulo próprio os delitos sexuais cometidos contra menores de 14 anos (inseridos no conceito de “vulnerável”) e, ainda, aqueles perpetrados em face de adolescentes maiores de 14 anos, em estado de prostituição ou exploração sexual. Atendeu, com isso, a um justo reclamo sufragado por um setor da doutrina. Alberto Silva Franco e Tadeu Dix Silva, comentando a defasagem verificada na anterior regulamentação do Título VI, ponderavam ser imperiosa a “necessidade de separação entre os crimes contra a liberdade sexual e os crimes sexuais contra menores” (Código Penal e sua interpretação jurisprudencial, p. 1019).

De fato, há entre eles uma distinção fundamental, justificando sejam tratados em capítulos diversos.

Isto porque os crimes de estupro (art. 213), violação sexual mediante fraude (art. 215) e assédio sexual (art. 216-A) baseiam-se na ausência de consensualidade no ato libidinoso praticado (daí por que se trata de crimes contra a liberdade sexual).

No que toca às práticas sexuais com menores de 14 anos, a questão não se radica na ausência de consentimento, mas na proteção dessas pessoas contra o ingresso precoce na vida sexual, a fim de lhe assegurar crescimento equilibrado e sadio sob esse aspecto.

A norma visa à tutela da dignidade sexual de indivíduos em situação de vulnerabilidade, isto é, indefesas por natureza ou condição pessoal. Procura-se permitir a todos o livre desenvolvimento da personalidade na esfera sexual, promovendo seu crescimento sadio e equilibrado no que diz respeito ao tema. Trata-se da normatização da crença de que, até atingir um determinado grau de desenvolvimento psicológico, deve-se preservar o menor dos perigos inerentes ao ingresso prematuro na vida sexual.

“A imaturidade inerente aos menores de certa idade”, pondera Maria do Carmo Silva Dias, “acarreta, como consequência natural, uma particular vulnerabilidade, a justificar uma proteção específica e adicional, complementar da que é dada ao adulto que esteja no pleno gozo das suas capacidades” (Crimes sexuais com adolescentes, p. 215).

Raciocínio idêntico se aplica aos sujeitos passivos com idade inferior a 18 anos, embora superior a 14, que se encontrem situação de prostituição ou exploração sexual.

Analisando a estrutura do art. 218-B do CP, nota-se que, no caput, as condutas típicas são “submeter”, “induzir” ou “atrair”. Submeter significa sujeitar, reduzir à obediência do agente para praticar algo. Induzir traz a ideia de influenciar moralmente; incutir na mente a ideia de se prostituir. É de se lembrar a lição de Hungria: “o induzimento consiste no emprego de suasões, promessas, engodos, dádivas, súplicas, propostas reiteradas, numa palavra: todo expediente (não violento ou fraudulento) que tenha sido idôneo ou eficiente para levar a vítima a satisfazer a lascívia de outrem” (Comentários ao Código Penal, v. VIII, p. 282).

Atrair quer dizer seduzir a fazer, incitar à prática de, fazer aderir. A conduta do sujeito ativo deve ser dirigida a fomentar atividades de prostituição ou outra forma de exploração sexual. O que se entende por exploração sexual? Trata-se de elemento normativo do tipo. A Lei Penal, em nosso sentir, fornece alguns vetores interpretativos. Em primeiro lugar, não se confunde a exploração sexual com a violência sexual. Esta se dá quando ocorrem crimes sexuais, como o estupro (art. 213), em que o sujeito passivo é “violentado” em sua liberdade de autodeterminação. Além disso, exploração sexual distingue-se da mera satisfação sexual (atividade obviamente lícita). Os conceitos de violência sexual e satisfação sexual representam as fronteiras, ou, em outras palavras, os extremos opostos que delimitam o campo interpretativo da “exploração sexual”. É decisivo, ademais, notar que a elementar foi expressamente equiparada pelo legislador à prostituição.  Adotou-se, neste particular, o método da chamada interpretação analógica, em que se utiliza uma fórmula genérica, seguida de exemplificação casuística. Quando isto se dá, gênero e espécie se autolimitam, vale dizer, não podem ser compreendidos um sem o outro. In casu, a exploração sexual é o genus e a prostituição, a specie. Conclui-se daí que a exploração sexual, do mesmo modo que a prostituição (mercancia sexual do corpo), dá-se quando uma pessoa tira proveito de outra, promovendo sua degradação, sob o aspecto da sexualidade, fazendo com que esta se comporte como objeto ou mercadoria.

Também se encontra na disposição o ato de facilitar (auxiliar, ajudar) a prostituição ou exploração sexual da vítima ou impedir ou dificultar que as abandone. O objeto material deve ser pessoa menor de 18 anos ou enfermo ou deficiente mental sem discernimento sexual. Em se tratando de maiores de 18 anos, mentalmente sãos e aptos à compreensão sexual, o crime é o do art. 228 (“Induzir ou atrair alguém à prostituição ou outra forma de exploração sexual, facilitá-la, impedir ou dificultar que alguém a abandone”) ou, eventualmente, o do art. 229 – casa de prostituição (que é especial em relação àquele).

O art. 218-B, em seu §2.º, também pune o agente que mantém conjunção carnal ou pratica atos libidinosos com pessoas maiores de 14 e menores de 18 anos, colocadas em situação de prostituição ou outra forma de exploração sexual. É exatamente este o caso dos autos.

É de anotar-se que o delito ocorrerá independentemente do emprego de violência física, grave ameaça ou fraude. Penaliza-se, destarte, a relação consensual entre tais pessoas. Se houver meio violento, intimidativo ou fraudulento, o crime será o estupro (art. 213) ou a violação sexual mediante fraude (art. 215). É necessário, a toda evidência, que o sujeito ativo tenha conhecimento da idade da vítima, o que se dessume, na hipótese vertente, pela sua jovem fisionomia, percebida pela atendente da pousada, a qual acionou a Polícia (tornando, consequentemente, inverossímil a escusa apresentada pelo increpado, no sentido de que desconhecia a pouca idade de sua parceira).

De sublinhar-se, derradeiramente, que a suposta ameaça relatada pela menor não se mostrou crível. Com efeito, o depoimento dos milicianos deixou claro ter a adolescente admitido que se prostituía na data em questão e a funcionária da hospedaria asseverou não ter notado qualquer sinal de que ela pudesse estar sendo coagida a acompanhar o autor.

Diante do exposto, designo outro promotor de justiça para oferecer denúncia, devendo prosseguir no feito em seus ulteriores termos.

Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria designando o substituto automático.

Cumpra-se. Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 14 de setembro de 2011.

 

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

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