Código de Processo Penal, art. 28

 

 

Protocolado n.º 127.696/09

Inquérito Policial n.º 724/09 – MM. Juízo da 3.ª Vara Criminal da Comarca de São Bernardo do Campo

Indiciado: (...)

Assunto: revisão de proposta de arquivamento de inquérito policial

 

 

 

EMENTA: CPP, ART. 28. POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO (LEI N. 10.826/03, ART. 12). INSTRUMENTOS BÉLICOS APREENDIDOS NA RESIDÊNCIA DO INDICIADO, EM CUMPRIMENTO A MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO DOMICILIAR. ABOLITIO CRIMINIS TEMPORÁRIA INEXISTENTE. REGIME JURÍDICO IMPLEMENTADO PELA LEI N. 11.706/08, PRORROGADO PELA LEI 11.922/09. NORMA QUE CONSAGRA A EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE EM FACE DA ENTREGA VOLUNTÁRIA, ATITUDE SEM A QUAL O FATO É PUNÍVEL. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA QUE SE IMPÕE.

1.      O regime legal da posse de armas de fogo de uso permitido, cujo detentor não as têm regularizadas, por qualquer motivo, modificou-se com o passar dos anos, desde o início da vigência do Estatuto do Desarmamento. Na hipótese dos autos, a apreensão dos instrumentos bélicos ocorreu em setembro de 2008, quando em vigor o art. 32 da Lei n. 10.826/03, com redação dada pela Lei n. 11.706/08, segundo o qual se admite a entrega espontânea do armamento aos órgãos federais competentes, atitude esta que provocará a extinção da punibilidade.

2.      A dicção do texto normativo não pode ser olvidada pelo intérprete. Se a entrega, nos termos mencionados, extingue a punibilidade, é forçoso reconhecer que, antes dela, o fato era punível. Só se extingue o que, num primeiro momento, teve existência; é tão óbvio quanto isso.

3.      Muito embora se saiba que a mens legis prevalece sobre a mens legislatoris, no caso em tela, ambas coincidem. Note-se que a Comissão do Senado Federal que examinou o Projeto de Lei do qual resultou a conversão da Medida Provisória n. 417, em parecer, exarou que: “Como ressalva, um comentário sobre a polêmica tese da descriminalização da posse de arma de fogo em razão do art. 32 da Lei n. 10.826, de 2003. Temia-se que a possibilidade de entrega, a qualquer tempo, da arma de fogo mediante indenização e presunção de boa-fé fosse entendida como uma estratégia de descriminalização, na linha de algumas decisões do Superior Tribunal de Justiça e do próprio Supremo Tribunal Federal. Ciente dessa disputa jurídica, o PLV utiliza, no art. 32 da Lei n. 10.826, de 2003, a expressão ‘ficando extinta a punibilidade de eventual posse irregular da referida arma’. Desse modo, não se poderá alegar que a posse ilegal de arma de fogo foi descriminalizada, pois o que se admitiu, tecnicamente, foi a ‘extinção da punibilidade’ pela entrega voluntária. Noutras palavras: se, ao cumprir um mandado de busca e apreensão domiciliar, a polícia encontrar uma arma de fogo não registrada no interior da residência, o crime subsiste. A causa de extinção da punibilidade só incidirá se o interessado voluntariamente entregar a arma de fogo, buscando por iniciativa própria a polícia federal” (fonte: www.senado.gov.br).

4.      Conclui-se, do exposto, que o art. 12 do Estatuto do Desarmamento encontra-se em pleno vigor, constituindo-se em fato penalmente punível, posto não ter ocorrido a entrega voluntária ou outra causa de extinção da punibilidade.

Solução: designo outro promotor de justiça para oferecer denúncia e prosseguir nos ulteriores termos da ação penal.

 

 

Cuida-se de inquérito policial instaurado para apurar suposto crime de posse irregular de arma de fogo (art. 12 da Lei n. 10.826/03).

O diligente Promotor de Justiça requereu o arquivamento dos autos, invocando a norma do art. 20 da Lei n. 11.922/09, que prorrogou o período para regularização ou entrega de armas de fogo de uso permitido (fls. 85/88).

O MM. Juiz, todavia, aduziu haver elementos suficientes para o oferecimento de denúncia e, em função disto, determinou a remessa do feito a esta Procuradoria-Geral de Justiça (fls. 129/130).

Eis a síntese do necessário.

Com a devida vênia do i. colega oficiante, não lhe assiste razão.

O regime legal da posse de armas de fogo de uso permitido, cujo detentor não as têm regularizadas, por qualquer motivo, modificou-se com o passar dos anos, desde o início da vigência do Estatuto do Desarmamento.

Na hipótese dos autos, a apreensão dos instrumentos bélicos ocorreu em setembro de 2008, quando vigorava o art. 32 da Lei n. 10.826/03, segundo o qual se admite a entrega espontânea do armamento aos órgãos federais competentes, atitude esta que provocará a extinção da punibilidade.

Não há mais falar-se, portanto, em abolitio criminis temporária, como ocorria nos primeiros anos da vigência do Diploma mencionado.

A Comissão do Senado Federal que examinou o Projeto de Lei do qual resultou a conversão da Medida Provisória n. 417, em parecer, exarou que:

“Como ressalva, um comentário sobre a polêmica tese da descriminalização da posse de arma de fogo em razão do art. 32 da Lei n. 10.826, de 2003. Temia-se que a possibilidade de entrega, a qualquer tempo, da arma de fogo mediante indenização e presunção de boa-fé fosse entendida como uma estratégia de descriminalização, na linha de algumas decisões do Superior Tribunal de Justiça e do próprio Supremo Tribunal Federal.

Ciente dessa disputa jurídica, o PLV utiliza, no art. 32 da Lei n. 10.826, de 2003, a expressão ‘ficando extinta a punibilidade de eventual posse irregular da referida arma’. Desse modo, não se poderá alegar que a posse ilegal de arma de fogo foi descriminalizada, pois o que se admitiu, tecnicamente, foi a ‘extinção da punibilidade’ pela entrega voluntária. Noutras palavras: se, ao cumprir um mandado de busca e apreensão domiciliar, a polícia encontrar uma arma de fogo não registrada no interior da residência, o crime subsiste. A causa de extinção da punibilidade só incidirá se o interessado voluntariamente entregar a arma de fogo, buscando por iniciativa própria a polícia federal” (fonte: www.senado.gov.br).

 

Arremate-se, nesta ordem de ideias, que se a norma proclama a extinção do direito de punir do Estado, deve-se concluir, por imperativo lógico, que a conduta, até então, era punível. Em outras palavras, sem essa atitude espontânea, permanecerá incólume o ius puniendi estatal.

Conclui-se, daí, que todo aquele que guarda em sua residência arma de fogo sem o devido registro, incorre na infração penal contida no art. 12 da Lei, a qual se encontra em pleno vigor.

De mais a ver, as armas foram apreendidas no imóvel pertencente ao suspeito, quando do cumprimento de mandado judicial. Significa dizer que ele, em momento algum, procurou regularizar a posse do material.

Diante do exposto, designo outro promotor de justiça para oferecer denúncia, prosseguindo no feito em seus ulteriores termos. Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006. Expeça-se portaria.

 

São Paulo, 16 de outubro de 2009.

 

 

                        Fernando Grella Vieira

                        Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

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