Protocolado n.º 129.608/08 – CPP, art. 28

Processo n.º 050.07.046947-4 – MM. Juízo da 20.ª Vara Criminal do Foro Central da Capital

Réu: (...)

EMENTA: CPP, ART. 28. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. RECEPTAÇÃO DOLOSA SIMPLES. AUSÊNCIA DE REQUISITOS SUBJETIVOS. ACENTUADA CULPABILIDADE. PRECLUSÃO. DESCABIMENTO DA MEDIDA.

1. O cabimento da suspensão condicional do processo não se prende, exclusivamente, a requisitos de ordem objetiva. Além disso, como expressamente dispõe a Lei, é necessário que a “culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias autorizem a concessão do benefício”.

2. No caso dos autos, o grau de reprovabilidade da conduta mostrou-se acentuado, porquanto se trata da receptação de veículo automotor roubado no dia anterior, revelando perniciosa proximidade entre o receptador e os roubadores.

3. É preciso considerar, ainda, que o i. representante ministerial recusou-se a propor a medida, fundamentadamente, na cota introdutória e tanto a d. defensoria quanto o magistrado não se insurgiram quanto a tal postura. Descabe, portanto, abrir nova vista dos autos ao Ministério Público, ao final da instrução processual, para que reavalie o cabimento do sursis processual, sem que qualquer elemento novo tenha surgido.

Decisão: insisto no descabimento da medida e deixo de propor ao agente a suspensão condicional do processo.

 

 

Cuida-se de ação penal movida pelo Ministério Público em face de (...), imputando-lhe, na denúncia de fls. 01-d/02-d, crime de receptação dolosa simples (CP, art. 180, caput).

 

O Ministério Público ofereceu denúncia em face do agente e, fundamentadamente, deixou de propor a suspensão condicional do processo (fls. 32/33).

 

A denúncia foi recebida, instaurando-se regularmente o processo (fls. 37). Ao final da instrução processual, o i. membro do Parquet ofereceu alegações finais, postulando a condenação do agente (fls. 77/80). A d. defensoria, de sua parte, apresentou preliminar postulando a suspensão condicional do processo e, no mérito, pediu a absolvição do agente (fls. 82/85).

 

O competente Promotor de Justiça deixou de formular a proposta da medida despenalizadora, haja vista os argumentos, ainda válidos, inseridos na cota introdutória da denúncia (fls. 86).

 

O MM. Juiz, então, aplicou à espécie o art. 28 do CPP (fls. 87).

 

                                      É o relatório.

 

                                      A remessa dos autos por aplicação analógica do art. 28 do CPP encontra fundamento no art. 129, inc. I, da CF, o qual atribui ao MINISTÉRIO PÚBLICO a titularidade exclusiva da ação penal pública. Deveras, tratando-se do dominus litis, ao Parquet incumbe verificar o cabimento das medidas despenalizadoras contidas na Lei n. 9.099/95, notadamente da suspensão condicional do processo. Nesse sentido, a Súmula 696 do Egrégio Supremo Tribunal Federal.

 

                                      Deve-se verificar, portanto, o preenchimento dos requisitos legais.

 

                                      Nesse sentido, há de prevalecer, com a devida vênia do d. defensor e do MM. Juiz, o óbice levantado pelo DD. Promotor de Justiça na cota de oferecimento da denúncia.

 

                                      Registre-se que o denunciado não possui ação penal em andamento ou condenação definitiva, mas a aplicação da medida despenalizadora, no caso dos autos, não atenderá aos postulados da prevenção e retribuição pelo fato ocorrido.

 

                                      É importante destacar que se mostra errônea, com a devida vênia, a concepção de que a suspensão condicional do processo sujeita-se, tão somente, a requisitos objetivos.

 

                                      A simples leitura do art. 89, caput, da Lei n. 9.099/95, que faz expressa remissão ao art. 77 do CP, desmente a equivocada assertiva acima exposta.

 

                                      Com efeito, a formulação de proposta de sursis processual requer o preenchimento de requisitos de ordem objetiva e subjetiva. Estes referem-se à culpabilidade (i.e., gravidade concreta do fato), antecedentes, personalidade, conduta social, motivos e circunstâncias do crime.

 

                                      In casu, pode-se afirmar com segurança que a suspensão condicional do processo se mostra descabida.

 

                                      É de ver que o art. 77 do CP, ao qual o art. 89 da Lei n. 9.099/95 faz expressa remissão, preconiza a necessidade de que a “culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias autorizem a concessão do benefício”.

 

                                      A culpabilidade deve ser entendida como gravidade concreta do comportamento ou, ainda, como o grau de censurabilidade da conduta. Ora, o grau de reprovabilidade do ato cometido revela o despropósito da formulação da proposta. Como bem ressaltou o ínclito representante ministerial, cuida-se de receptação de veículo automotor roubado, ocorrida um dia depois do delito patrimonial, revelando uma perniciosa proximidade entre o acusado (receptador) e os roubadores.

 

                                      É preciso anotar, por derradeiro, que ao cabo da instrução processual não surgiu qualquer fato novo, de modo a justificar abertura de vista dos autos ao Ministério Público para elaboração da proposta de suspensão condicional do processo. Diferente seria se, ao final da produção da prova, elementos novos surgissem, provocando a desclassificação do fato para crime de menor gravidade. Pelo contrário, desde o início a conduta foi tipificada como receptação dolosa simples e a d. defensoria, bem como o nobre magistrado, não se insurgiram contra a fundamentada recusa ministerial exarada na cota introdutória (v. fls. 37, 39 e 69).

 

                                      Descabida, portanto, a medida em discussão.

 

                                      Diante do exposto, deixo de propor a suspensão condicional do processo ou de designar promotor de justiça para fazê-lo e insisto na postura já adotada pelo Ministério Público. Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 27 de outubro de 2008.

 

FERNANDO GRELLA VIEIRA

Procurador-Geral de Justiça