Código de Processo Penal, art. 28

Protocolado n. 130.188/12

Inquérito policial n. 1.100/12 - MM. Juízo da 3.ª Vara Criminal da Comarca de Limeira

Indiciado: (...)

Assunto: revisão de arquivamento de inquérito policial

 

EMENTA: CPP, ART. 28. PEDIDO DE ARQUIVAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL. DEFINIÇÃO DO ENQUADRAMENTO LEGAL DOS FATOS. ESTUPRO DE VULNERÁVEL OU FAVORECIMENTO DA PROSTITUIÇÃO OU OUTRA FORMA DE EXPLORAÇÃO SEXUAL DE VULNERÁVEL. AGENTE QUE MANTEVE RELACIONAMENTO HOMOSSEXUAL CONSENSUAL COM ADOLESCENTES, MEDIANTE CONTRAPRESTAÇÃO FINANCEIRA. INDÍCIOS DA PRÁTICA DO CRIME TIPIFICADO NO ART. 218-B, § 2º, I, DO CP.

1. Da narrativa constante dos autos não se vislumbrou no caso o delito de estupro de vulnerável (art. 217-A do CP), de vez que as relações sexuais se realizaram quando o adolescente já havia completado 14 (catorze) anos de idade. Inexistiu, ademais, estupro qualificado (art. 213, §1.º, do CP), porquanto os contatos foram todos consensuais. Reuniram-se elementos indiciários, não obstante, de que a conduta do indiciado constitui a infração descrita no art. 218-B, §2.º, I, do Estatuto Penal. De acordo com a norma legal mencionada, incorre na pena prevista no caput (reclusão, de 4 a 10 anos), quem pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos na situação nele descrita, consistente em prostituição ou outra forma de exploração sexual. O dispositivo dirige sua proteção à tutela da livre formação da personalidade do adolescente entre 14 e 18 anos, do ponto de vista de sua sexualidade, salvaguardando seu bem-estar sexual, em atenção à idade e desenvolvimento físico e psíquico do jovem em desenvolvimento.

2. A conduta do sujeito ativo se direcionou a fomentar atividades de prostituição ou outra forma de exploração sexual. Trata-se esta de elemento normativo do tipo, não se confundindo com a violência sexual. Além disso, distingue-se da mera satisfação sexual (atividade obviamente lícita). Os conceitos de violência sexual e satisfação sexual representam as fronteiras, ou, em outras palavras, os extremos opostos que delimitam o campo interpretativo da “exploração sexual”.  É decisivo, ademais, notar que a elementar foi expressamente equiparada pelo legislador à prostituição. Adotou-se, neste particular, o método da chamada interpretação analógica, em que se utiliza uma fórmula genérica, seguida de exemplificação casuística. Quando isto se dá, gênero e espécie se autolimitam, vale dizer, não podem ser compreendidos um sem o outro. In casu, a exploração sexual é o genus e a prostituição, a specie. Conclui-se daí que a exploração sexual, do mesmo modo que a prostituição (mercancia sexual do corpo), ocorre quando uma pessoa tira proveito de outra, promovendo sua degradação, sob o aspecto da sexualidade, fazendo com que esta se comporte como objeto ou mercadoria.

3. O indiciado realizou reiteradas vezes atos libidinosos com adolescentes entre 14 e 18 anos, explorando-os sexualmente, pois o fazia mediante contraprestação financeira, tratando seu corpo como um produto à venda. Pouco importa, nesse contexto, que o ato foi consensual. Aliás, não custa reiterar que o tipo penal sub examen pressupõe que se cuide de relação consentida; do contrário, dar-se-ia o crime de estupro qualificado, anteriormente citado. O art. 218-B também pune o agente que mantém conjunção carnal ou pratica atos libidinosos com pessoas maiores de 14 e menores de 18 anos, colocadas em situação de prostituição ou outra forma de exploração sexual. Solução: designa-se outro promotor de justiça para propor a peça exordial, devendo prosseguir nos ulteriores termos do feito.

 

 

Cuida-se de inquérito policial instaurado visando à apuração da suposta prática do delito de estupro de vulnerável (CP, art. 217-A) cometido, em tese, por (...) em face de (...).

Concluídas as providências de Polícia Judiciária, o Douto Promotor de Justiça, em judiciosa manifestação, pugnou pelo arquivamento dos autos, pois, em seu entender, restou ausente a comprovação da materialidade, além de patente a controvérsia entre os depoimentos da vítima e do suposto autor do fato, não se aplicando à espécie, tampouco, o tipo penal previsto no art. 218-B, § 2.º, I, do CP, já que inexistente o dolo, posto que o menor procuraria o indiciado para a perpetração da conduta (fls. 38/42).

O MM. Juiz, discordando de tal posicionamento, encaminhou a questão para análise desta Chefia Institucional (fls. 43).

Depois disso, entretanto, encartou-se ao expediente laudo pericial levado a efeito no telefone celular de (...) (fls. 46/53).

O suspeito ofereceu petição requerendo a revogação da medida cautelar que proibiu seu acesso e frequência na escola onde é treinador (fls. 55/57), pedido este deferido judicialmente (fls. 59).

Eis a síntese do necessário.

Com a máxima vênia do culto Promotor de Justiça, parece-nos que há base para a propositura da ação penal pelo crime capitulado no art. 218-B, §2.º, inc. I, do CP.

 

Dos fatos

Da narrativa constante do feito infere-se que o menor (...), por diversas vezes, manteve relação sexual com o investigado, seu treinador de futebol de salão, acrescentando, quando de seu depoimento, fazê-lo em troca de contraprestação financeira.

Asseverou, inclusive, que na última oportunidade chegou a levar seu colega (...), à época com dezessete anos de idade, o qual também perpetrou o mesmo comportamento (fls. 07).

(...), mãe do adolescente, frisou ter visto no aparelho celular do filho várias mensagens do indiciado, reveladoras da natureza homossexual do contato íntimo entre ambos.

(...), deve-se ressaltar, corroborou a versão do ofendido, alegando ter cometido o ato visando igualmente a obter compensação monetária (fls. 10/11).

(...), em seu interrogatório, confessou sua preferência homossexual, mas negou a atitude a ele imputada (fls. 13).

(...), reauscultado, esclareceu que os acontecimentos se deram quanto já havia completado quatorze anos de idade (fls. 29).

O laudo de fls. 31/32 não colheu vestígios de ato sexual. Ocorre, porém, que a descrição dos comportamentos libidinosos fornecida pelos menores, os quais declararam ter assumido papel ativo na relação íntima, demonstra a concretização de conduta incapaz de deixar vestígios.

Anote-se que, após a manifestação do Ilustre Representante Ministerial, encartou-se ao feito análise pericial realizada no telefone celular do adolescente, registrando a degravação das mensagens de texto nele encontradas.

Das mencionadas transcrições, pode-se, não obstante, verificar o comportamento imputado ao sujeito, destacando-se, por exemplo: “nois vai mete, Mais tem que ser rapidao tendeeo ... temos que ser rápido.. vamo da uma sooo...”, “nois vai cola no joão mnw.kkkkk”,  “aee cola aqiie mano. Vamos fica aqiie na rua.. por que ele falo para nois fica atento que ah qualquer momento ele pode manda mensagem .. ae nois cola na padoca toma um café da manha kkk – fmz to me arrumando” (estas enviadas pelo jovem); “se vc estivesse namorando e eu ligasse pra vc. Que queria dar pra vc naquele momento vc deixava sua namorada e vinha me comer?” (encaminhada pelo suspeito) (fls. 46/53).

 

Do enquadramento legal

Não se vislumbra no caso, como bem ponderou o Ilustre Representante do Parquet, o delito de estupro de vulnerável (art. 217-A do CP), de vez que as relações sexuais se realizaram quando o adolescente já havia completado 14 (catorze) anos de idade.

Inexistiu, ademais, estupro qualificado (art. 213, §1.º, do CP), porquanto os contatos foram todos consensuais.

Reuniram-se elementos indiciários, não obstante, de que a conduta do averiguado incide na infração descrita no art. 218-B, §2.º, I, do Estatuto Penal.

De acordo com a norma legal mencionada, incorre na pena prevista no caput (reclusão, de 4 a 10 anos), quem pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos na situação nele descrita, consistente em prostituição ou outra forma de exploração sexual.

O dispositivo dirige sua proteção à tutela da livre formação da personalidade do adolescente entre 14 e 18 anos, do ponto de vista de sua sexualidade, salvaguardando seu bem-estar sexual, em atenção à idade e desenvolvimento físico e psíquico do jovem em desenvolvimento.

A conduta do sujeito ativo se direcionou a fomentar atividades de prostituição ou outra forma de exploração sexual. Trata-se esta de elemento normativo do tipo, não se confundindo com a violência sexual, a qual se dá quando ocorrem crimes sexuais, caso do estupro (art. 213), em que o sujeito passivo é “violentado” em sua liberdade de autodeterminação.

Além disso, exploração sexual distingue-se da mera satisfação sexual (atividade obviamente lícita). Os conceitos de violência sexual e satisfação sexual representam as fronteiras, ou, em outras palavras, os extremos opostos que delimitam o campo interpretativo da “exploração sexual”.

É decisivo, ademais, notar que a elementar foi expressamente equiparada pelo legislador à prostituição. Adotou-se, neste particular, o método da chamada interpretação analógica, em que se utiliza uma fórmula genérica, seguida de exemplificação casuística. Quando isto se dá, gênero e espécie se autolimitam, vale dizer, não podem ser compreendidos um sem o outro. In casu, a exploração sexual é o genus e a prostituição, a specie.

Conclui-se daí que a exploração sexual, do mesmo modo que a prostituição (mercancia sexual do corpo), ocorre quando uma pessoa tira proveito de outra, promovendo sua degradação, sob o aspecto da sexualidade, fazendo com que esta se comporte como objeto ou mercadoria.

É exatamente o que ocorreu.

O indiciado realizou reiteradas vezes atos libidinosos com adolescentes entre 14 e 18 anos, explorando-os sexualmente, pois o fazia mediante contraprestação financeira, tratando seu corpo como um produto à venda.

Pouco importa, nesse contexto, que o ato foi consensual. Aliás, não custa reiterar que o tipo penal sub examen pressupõe que se cuide de relação consentida; do contrário, dar-se-ia o crime de estupro qualificado, anteriormente citado.

O art. 218-B também pune o agente que mantém conjunção carnal ou pratica atos libidinosos com pessoas maiores de 14 e menores de 18 anos, colocadas em situação de prostituição ou outra forma de exploração sexual.

Como observa André Estefam:

 

“É de anotar que o delito ocorrerá independentemente do emprego de violência física, grave ameaça ou fraude. Pune-se, destarte, a relação consensual entre tais pessoas. Se houver meio violento, intimidativo ou fraudulento, o crime será o estupro (art. 213) ou a violação sexual mediante fraude (art. 215)” (Crimes sexuais, São Paulo, Saraiva, 2009, p. 89).

 

 

Conclusão

 

Em face de tal contexto, recomenda-se o oferecimento de denúncia e a instauração da persecutio criminis in judicio, para então, mediante ampla cognição, apurar-se eventual responsabilidade penal do suspeito.

Diante do exposto, designa-se outro promotor de justiça para propor a peça exordial, devendo prosseguir nos ulteriores termos do feito.

Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria designando o substituto automático.

Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 20 de setembro de 2012.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

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