Código de Processo Penal, art. 28

Protocolado n.º 131.847/15

Autos n.º 0010177-49.2015.8.26.0664 – MM. Juízo da 5.ª Vara Judicial da Comarca de Votorantim

Autor do fato: JONATTAN LEANDRO CORREA ROCHA

Assunto: revisão de promoção de arquivamento de inquérito policial

 

EMENTA: CPP, ART. 28. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. CTB, ART. 306. NÍVEL ANORMAL DE DOSAGEM ALCOÓLICA ATESTADO POR EXAME CLÍNICO. EXISTÊNCIA, ADEMAIS, DE SINTOMAS DA REDUÇÃO DA CAPACIDADE PSICOMOTORA, CONFIRMADOS POR PROVA PERICIAL. INEXISTÊNCIA DE VISUALIZAÇÃO DE CONDUÇÃO IRREGULAR. IRRELEVÂNCIA. CRIME DE PERIGO ABSTRATO. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA QUE SE IMPÕE.

1.      O tipo penal incriminador subsumível ao fato objeto desta investigação pune o ato de conduzir o veículo automotor com a capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou outra substância psicoativa que determine dependência.

2.      No caso em tela, a embriaguez do motorista, abordado em via pública conduzido automóvel, restou pericialmente comprovada por meio de exame clínico, o qual atestou a presença de inúmeros sinais externos indicativos da ebriedade.

3.      De mais a ver, muito embora não tenha os policiais notado condução anormal, confirmaram que, tão logo o automóvel parou, perceberam a alteração da capacidade psicomotora do agente, o qual saiu de seu carro cambaleando.

4.      O delito em questão, ademais, configura crime de perigo abstrato e sua descrição legal não atenta contra princípios constitucionais, até porque é científica e estatisticamente comprovado que a condução de veículo automotor por quem ingeriu álcool ou substâncias psicoativas em determinado patamar põe em risco a incolumidade física e a vida de terceiros, dada a diminuição dos reflexos, da percepção sensorial e motora, entre outros (vide STJ, HC 324.454/RS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, 6.ª TURMA, julgado em 04/08/2015, DJe de 17/08/2015).

Solução: designa-se outro promotor de justiça para oferecer denúncia e prosseguir nos ulteriores termos da ação penal.

 

Cuida-se de inquérito policial instaurado para apurar a conduta de JONATTAN LEANDRO CORREA ROCHA, o qual, em tese, teria praticado o delito de embriaguez ao volante (CTB, art. 306).

Concluídas as diligências de polícia judiciária, o Douto Promotor de Justiça pugnou pelo arquivamento do procedimento, ponderando que, embora constatada a dosagem alcóolica irregular, não teria sido constatada a efetiva produção de risco à incolumidade pública, por ausência de demonstração de ter a embriaguez influenciado o modo de dirigir (fls. 45/46).

O MM. Juiz, entretanto, discordando de tal posicionamento, acentuou existir prova de que o autor possuía capacidade psicomotora comprometida, acrescentando que o argumento ministerial resultaria em invalidar todas as operações policiais preventivas de fiscalização de trânsito, em busca de autores conduzindo automóveis em estado de embriaguez; em face disto, encaminhou a questão para análise desta Procuradoria-Geral de Justiça, nos termos do art. 28 do CPP (fls. 47).

Eis a síntese do necessário.

Com a devida vênia do Douto Representante Ministerial, assiste razão ao Digníssimo Magistrado; senão, vejamos.

 

Dos fatos

Apurou-se neste procedimento inquisitivo que, aos 19 de julho p. passado, por volta das 22 horas e 35 minutos, JONATAN foi surpreendido por policiais militares em evidente estado de embriaguez, na direção de veículo automotor, depois de parado em fiscalização de trânsito de rotina.

O agente se recusou a efetuar o exame do etilômetro e de sangue, mas, quando se procedeu ao exame clínico, patenteou-se a ebriedade, externada por meio de inúmeros sinais (fls. 16 e verso).

De notar que, tão logo se deu a abordagem, os servidores notaram o odor etílico, os olhos avermelhados e, ao sair do carro, o andar cambaleante.

No interior do Distrito Policial, o agente continuava alterado, adotando comportamento irritadiço e errático, perturbando aos demais no ambiente funcional (fls. 04 e 06).

O indiciado negou ter consumido qualquer bebida naquele dia (fls. 07).

Do quadro probatório

Deve-se anotar que o confronto dos elementos informativos amealhados no curso da investigação deve ser efetuado de maneira crítica, não se admitindo que uma prova, qualquer que seja, se sobreponha às demais, sem se verificar as condições em que colhida.

No caso em tela, o exame clínico realizado, somado às declarações das testemunhas presenciais, confirmaram a embriaguez e, pelo modo como se exteriorizou, o comprometimento da capacidade psicomotora do réu (notadamente por conta de seu andar cambaleante).

 

Do enquadramento típico

Ressalte-se inicialmente que o tipo penal em tese infringido, depois das alterações introduzidas no texto legal, notadamente a decorrente da Lei n.º 12.760, de 2012, tornaram-no crime de perigo abstrato.

Nada há de inconstitucional na construção típica em apreço, em que pese as opiniões contrárias de renomados juristas.

É preciso ponderar, na esteira dos ensinamentos de FERNANDO CAPEZ, que são válidos e constitucionais os delitos de perigo presumido. Com efeito, ensina o autor que:

 

“...subsiste a possibilidade de tipificação dos crimes de perigo abstrato em nosso ordenamento legal, como legítima estratégia de defesa do bem jurídico contra agressões em seu estágio ainda embrionário, reprimindo-se a conduta, antes que ela venha a produzir um perigo concreto ou um dano efetivo. Trata-se de cautela reveladora de zelo do Estado em proteger adequadamente certos interesses. Eventuais excessos podem, no entanto, ser corrigidos pela aplicação do princípio da proporcionalidade” (Curso de direito penal, vol. 1, 4ª ed., São Paulo, Saraiva, 2002, p. 25).

 

Tendo em vista cuidar-se de infração de perigo presumido, torna-se despicienda a comprovação de que houve conduta anormal.

De toda sorte, conforme já se destacou, houve comprovação de comprometimento da capacidade psicomotora do agente.

Não é menos relevante anotar, nesta ordem de ideias, que, cientifica e estatisticamente, o fato de o motorista encontrar-se com determinado nível de álcool (ou substância psicoativa) em seu sangue reduz consideravelmente seus reflexos e percepção, provocando risco efetivo a ele próprio e a todos os demais que se encontram ao seu redor.

Bem por isso, não se admite como válido eventual argumento de que há violação ao princípio da ofensividade, na medida em que a conduta não produziria, de per si, riscos aos valores maiores (vida e integridade corporal) salvaguardados por nossa Constituição.

O Colendo Supremo Tribunal Federal, com relação ao tema, assim se manifestou:

 

“PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. ABSOLVIÇÃO.

APELAÇÃO CRIMINAL MINISTERIAL JULGADA E PROVIDA.  PRESENTE WRIT SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. VIA INADEQUADA. DELITO DE TRÂNSITO PRATICADO APÓS A LEI N.º 11.705/08 E ANTES DA LEI N.º 12.760/12.

CRIME DE PERIGO ABSTRATO. DEMONSTRAÇÃO DE POTENCIALIDADE LESIVA NA CONDUTA. DISPENSABILIDADE. AFERIÇÃO POR ETILÔMETRO. CONCENTRAÇÃO DE ÁLCOOL MAIOR QUE A PERMITIDA POR LEI. TIPICIDADE. DEMONSTRAÇÃO DA ALTERAÇÃO DA CAPACIDADE PSICOMOTORA. OCORRÊNCIA. FLAGRANTE ILEGALIDADE. AUSÊNCIA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.

1. Por se tratar de habeas corpus substitutivo de recurso especial, inviável o seu conhecimento, restando apenas a avaliação de flagrante ilegalidade.

2. Após o advento da Lei n.º 11.705/2008, basta apenas o perigo abstrato para a incidência do tipo previsto no art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro, sendo possível a aferição da dosagem alcóolica acima do limite previsto em lei pela sujeição ao etilômetro, nos termos do Decreto n.º 6.488/08. Precedentes.

3. A alteração da capacidade motora em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência, consoante o § 2º do art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro, com a redação dada pela Lei 12.760/2012, é regra de cunho relativo à prova, que poderá ser constatada por teste de alcoolemia, como na hipótese, ou outros meios de prova em direito admitidos, sendo despicienda a demonstração de efetiva potencialidade lesiva da conduta.

4. Habeas corpus não conhecido”.

(STJ, HC 324.454/RS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, 6.ª TURMA, julgado em 04/08/2015, DJe de 17/08/2015)

 

 

Admite-se, portanto, o oferecimento de denúncia no caso sub examen.

Conclusão

Diante do exposto, designa-se outro membro ministerial para oferecer denúncia e prosseguir no feito em seus ulteriores termos. Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n.º 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n.º 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria designando-se o substituto automático.

Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 21 de setembro de 2015.

 

 

                        Márcio Fernando Elias Rosa

                        Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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