Código de Processo Penal, art. 28

 

Protocolado n.º 133.082/15

Autos n.º 0015217-84.2014.8.26.0037 – MM. Juízo da 3ª Vara Criminal de Araraquara

Réu: CRISTIANO DE FREIAS GOUVEIA

Assunto: análise de proposta de suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei n. 9.099/95)

 

EMENTA: CPP, ART. 28. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO (ART. 89 DA LEI N.º 9.099/95). REQUISITOS SUBJETIVOS. REITERAÇÃO DA ATIVIDADE CRIMINOSA (CTB, ART. 306). FATOR LEGÍTIMO PARA A RECUSA MINISTERIAL.

1.         A suspensão condicional do processo constitui-se de medida despenalizadora que só pode ser deflagrada mediante proposta elaborada pelo Ministério Público. Cuida-se, portanto, de prerrogativa funcional do Parquet (vide STJ, HC n.º 150.416, rel. Ministro GILSON DIPP, 5.ª TURMA, DJe de 18/10/2010).

2.         Cumpre ao órgão ministerial analisar o preenchimento de seus requisitos, dedicando especial atenção aos de natureza subjetiva, os quais devem ser perscrutados a partir dos fatos concretamente praticados pelo sujeito.

3.         A reiteração da conduta reprovável (particularmente da embriaguez ao volante), embora não impeça objetivamente a formulação da proposta, revela má conduta social do agente.

4.         A reprovabilidade social da conduta consubstancia elemento essencial a ser analisado à concessão da benesse (cf. STJ, HC n. 97.783/SP, rel. Ministro JORGE MUSSI, 5.ª TURMA, DJe de 24/05/2010), e, no caso dos autos, mostrou-se elevada a ponto de desautorizar o sursis processual.

Solução: deixa-se de propor a suspensão condicional do processo ou de designar outro promotor de justiça para fazê-lo.

 

Cuida-se de ação penal movida pelo Ministério Público em face de CRISTIANO DE FREIAS GOUVEIA, atribuindo-lhe, na peça inaugural de fls. 01-D/02-D, a prática dos crimes previstos nos artigos 303, “caput”, e 306, “caput” e §1.º, incisos I e II, todos da Lei n.° 9.503/97.

Na audiência de instrução e julgamento, após as alegações orais da Representante Ministerial e da Defesa, o MM. Juiz determinou a remessa dos autos ao Ministério Público para se manifestar acerca da possibilidade de suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei n.º  9.099/95) (fls. 156/158).

Após novo pedido da defesa (fls. 168/171), a Douta Promotora de Justiça deixou de formular a proposta respectiva, justificando na ausência de requisitos subjetivos necessários à sua concessão (fls. 183/184).

O MM. Juiz, analisando o pedido formulado pela r. defesa do acusado, houve por bem ordenar o envio do procedimento a esta Procuradoria-Geral de Justiça, nos termos do art. 28 do CPP e em consonância com a Súmula n.º 696 do STF, por vislumbrar insubsistentes as razões invocadas na recusa ministerial (fls. 185/187).

Eis a síntese do necessário.

Com respeito à remessa dos autos a este Órgão, deve-se destacar que esta se deu em observância aos ditames constitucionais.

O art. 129, inc. I, da CF, atribui ao MINISTÉRIO PÚBLICO a titularidade exclusiva da ação penal pública. Deveras, tratando-se do dominus litis, ao Parquet incumbe verificar o cabimento das medidas despenalizadoras contidas na Lei n.º 9.099/95, notadamente da suspensão condicional do processo. Nesse sentido, a Súmula n.º 696 do Egrégio Supremo Tribunal Federal e a jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça, o qual proclama cuidar-se a formulação da proposta de verdadeira prerrogativa funcional do Parquet (STJ, HC n. 150.416, rel. Ministro GILSON DIPP, 5.ª TURMA, DJe de 18/10/2010).

Deve-se verificar, portanto, o preenchimento dos requisitos legais para a concessão do benefício.

Pois bem.

Com o máximo respeito que se pode tributar ao Digníssimo Magistrado, o beneplácito cogitado não se mostra cabível.

Há de prevalecer, deveras, o óbice levantado pelo Douta Promotora de Justiça a fls. 183/184.

Cumpre ao órgão ministerial, com efeito, analisar o preenchimento de seus requisitos, dedicando especial atenção aos de natureza subjetiva, os quais devem ser perscrutados a partir dos fatos concretamente praticados pelo sujeito. A simples leitura do art. 89, caput, da Lei n.º 9.099/95, que faz expressa remissão ao art. 77 do CP, respalda a assertiva retro exposta.

Com efeito, a formulação de proposta de sursis processual requer se examine a culpabilidade (i.e., gravidade concreta do fato), os antecedentes, a personalidade, a conduta social, os motivos e as circunstâncias do crime.

A culpabilidade deve ser entendida como gravidade concreta do comportamento ou, ainda, como o grau de censurabilidade da ação ou omissão criminosa, que, segundo nossa jurisprudência, quando acentuada, consubstancia fator idôneo a justificar a recusa ministerial na formação da proposta de medidas despenalizadoras:

 

HABEAS CORPUS. FORMAÇÃO DE QUADRILHA. PROPOSTA DE SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. ART. 89 DA LEI 9.099/95. NEGATIVA POR PARTE DO ÓRGÃO MINISTERIAL EM RAZÃO DA AUSÊNCIA DOS REQUISITOS SUBJETIVOS. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. REPROVABILIDADE SOCIAL DA CONDUTA. ELEMENTOS CONCRETOS DO DELITO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. ORDEM DENEGADA.

1. De acordo com a redação do artigo 89 da Lei n. 9.099/95, além dos requisitos objetivos ali previstos para a suspensão condicional do processo - a) crime com pena mínima igual ou inferior a um ano; b) não estar o acusado sendo processado ou ter sido condenado por outro crime; c) ausência de reincidência em crime doloso - exige-se, também, a observância a requisitos subjetivos, estes elencados no artigo 77, inciso II, do Código Penal, ao qual se remete o dispositivo primevo. Portanto, é necessária uma avaliação sumária acerca da culpabilidade do acusado, dos seus antecedentes, da sua conduta social, da sua personalidade, bem como dos motivos e circunstâncias do fato que lhe é atribuído, a qual deve concluir pela recomendação ou não da concessão do benefício em apreço.

2. É importante que os fundamentos utilizados pelo órgão ministerial para negar a proposta ao início da persecução criminal, mediante provocação da parte interessada, sejam submetidos ao juízo de legalidade por parte do Poder Judiciário, o qual, uma vez constatada a insubsistência daqueles, deverá propor a suspensão condicional do processo, caso se verifique o preenchimento dos requisitos exigidos, tratando-se de posicionamento minoritário adotado pelo Relator.

3. Entretanto, na presente hipótese, o Órgão Ministerial, para negar a proposta de suspensão condicional do processo, utilizou-se de elementos específicos do delito em questão, tais como o fato do paciente ser gerente da instituição financeira, cuja responsabilidade no sigilo das informações seria grande, o qual também exerceria a condição de mandante da quadrilha, circunstâncias estas que evidenciariam, de forma concreta, uma maior reprovabilidade social da sua conduta e a intensa culpabilidade, motivação que, ao contrário do aventado no mandamus, é apta, suficiente e idônea a demonstrar a ausência dos requisitos essenciais à concessão da benesse, não tendo o Parquet, ainda, empregado argumentos que fazem parte do próprio tipo penal incriminador.

3. Ordem denegada, com a ressalva de posicionamento do Relator”.

(HC n. 97.783/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, 5.ª TURMA, julgado em 09/03/2010, DJe de 24/05/2010)

 

No caso concreto, não só o grau de reprovabilidade do ato está a revelar o despropósito do sursis processual, mas também a conduta social do agente, que tornou a cometer o delito de embriaguez ao volante (CTB, art. 306), mesmo após ter recebido o requerido benefício.

Conceder a medida excogitada, desta feita, seria como incentivar o autor do fato a prosseguir com o cometimento de crimes dessa espécie.

Deve-se sublinhar, outrossim, que em seu último intento, acabou colidindo seu veículo contra o carro da vítima, lesionando-a em diversas regiões do corpo, como se verifica pelo laudo de fls. 111/112.

Conclui-se, portanto, que muito embora o denunciado não possua ação penal em andamento ou condenação definitiva, a aplicação da medida despenalizadora não atenderá aos postulados da prevenção e retribuição pelo fato ocorrido.

Mostra-se descabido, portanto, o benefício pleiteado.

Diante do exposto, deixo de propor a suspensão condicional do processo ou de designar promotor de justiça para fazê-lo e insisto na postura já adotada pelo Membro do Ministério Público oficiante.

Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 24 de setembro de 2015.

 

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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