Código de Processo Penal, art. 28

Protocolado n.º 135.319/14

Autos n.º 0042729-37.2013.8.26.0050 – MM. Juízo do DIPO 3 (Comarca da Capital)

Indiciado: (...)

Assunto: revisão de arquivamento de inquérito policial

 

EMENTA: CPP, ART. 28. ESTUPRO DE VULNERÁVEL (CP, ART. 217-A). PROVA DA MATERIALIDADE E INDÍCIOS DE AUTORIA CONSUBSTANCIADOS NAS PALAVRAS DA VÍTIMA. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA QUE SE IMPÕE. DILIGÊNCIAS COMPLEMENTARES EXCOGITADAS NA COTA MINISTERIAL QUE SE REVELAM ÚTEIS, MAS NÃO IMPRESCINDÍVEIS À PROPOSITURA DA AÇÃO PENAL.

1.     O oferecimento de denúncia, como é cediço, se satisfaz depois de constatados, nos elementos de informação coligidos, prova da materialidade e indícios suficientes de autoria. Conforme reiteradamente tem assentado esta Procuradoria-Geral de Justiça, não se trata de fazer um juízo definitivo de censura, mas apenas de constatar a existência de um mínimo de embasamento para a deflagração do devido processo legal, pois: não se exige, na primeira fase da persecutio criminis, que a autoria e a materialidade da prática de um delito sejam definitivamente provadas, uma vez que a verificação de justa causa para a ação penal pauta-se em juízo de probabilidade, e não de certeza” (STJ, HC n. 100.296, rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, 5.ª TURMA, DJe de 01/02/2010).

2.     É evidentemente lícito ao Parquet deixar de apresentar a peça acusatória, a despeito de relatado o inquérito policial, quando vislumbrar diligências imprescindíveis ao ajuizamento da demanda, nos termos do art. 16 do CPP. Entendem-se como tais aquelas sem as quais não é possível oferecer a petição inicial. O princípio da obrigatoriedade da ação penal pública (CPP, art. 24) requer seja feita uma distinção entre a providência útil e a imprescindível. A primeira consubstancia a diligência hábil a esclarecer melhor o fato, mas desnecessária sob a perspectiva do quantum satis para a apresentação da denúncia; nesse caso, impõe-se ajuizar a ação penal e, na cota introdutória, postular sua realização. Considera-se imprescindível o elemento informativo sem o qual o ingresso da demanda provocaria flagrante constrangimento ilegal, pela ausência de prova da materialidade e indícios de autoria. No feito sub examen, a providência mencionada na cota ministerial revela-se útil, mas não indispensável.

3.     Importa consignar, outrossim, que em matéria de crime sexuais a palavra da vítima revela-se como elemento capital na formação da opinião delitiva, pois, de regra, o fato é cometido às ocultas, sem a possibilidade de comprová-lo por meio de testemunhas. Não é outro o entendimento de nossos tribunais superiores: “(...) Embora o exame de corpo de delito se afigure útil para comprovar a prática de crimes sexuais, são indícios suficientes para a deflagração da persecução penal a palavra da vítima, crucial em crimes dessa natureza, corroborada por outras provas testemunhais idôneas e harmônicas (...).” (STJ, HC n. 287.682/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, 5.ª TURMA, julgado em 05/06/2014, DJe de 17/06/2014). No caso em tela, as declarações da ofendida conferem a necessária segurança quanto à ocorrência da infração, visto terem sido firmes e suficientemente pormenorizadas. De mais a ver, os sujeitos ativo e passivo não se conheciam preteritamente, motivo pelo qual não teria a vítima motivo para incriminar falsamente o autor. Ele próprio, em seu interrogatório, depois de apresentar versão inverossímil, admitiu que manteve relacionamento sexual com diversas garotas, as quais o estariam acusando falsamente de estupro. O increpado, porém, não indicou, sequer vagamente, a razão pela qual a ofendida poderia pretender imputar a ele “falsamente” fato de tamanha gravidade.

4.     A mesma certeza quanto à materialidade se revela no que tange à autoria, pois o autor, repise-se, não só admitiu o contato íntimo com meninas contatadas por seu perfil no “facebook”, como também foi reconhecido pela vítima sem sombra de dúvidas. A investigação, assente-se, demonstra que o agente subjugou sexualmente a menor, o que se deduz pela própria natureza dos atos praticados, consoante narrou a jovem.

5.     O dissenso da vítima, ademais, se dessume pela circunstância de que, nas imagens divulgadas na rede mundial de computadores, havia o registro fotográfico no perfil de pessoa diversa do suspeito (no caso, um modelo profissional).

6.     Anote-se, contudo, que mesmo a se demonstrar consentida a relação, a anuência da ofendida se mostraria irrelevante, pois se cuida de estupro de vulnerável (CP, art. 217-A), porquanto ela, ao tempo do fato, possuía 12 (doze) anos de idade. Nesse sentido, confira-se: “A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça assentou o entendimento de que é absoluta a presunção de violência no estupro e no atentado violento ao pudor (referida na antiga redação do art. 224, "a", do CPB), quando a vítima não for maior de 14 anos de idade”. (STJ, R.Esp. n. 1.276.434/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, 6.ª TURMA, julgado em 07/08/2014, DJe de 26/08/2014).

7.     Há, destarte, prova da materialidade e indícios suficientes de autoria de delito hediondo, com pena máxima superior a quatro anos, fazendo-se a prisão preventiva do agente efetivamente necessária para acautelar a ordem pública, diante da multiplicidade de atos similares cometidos por ele contra vítimas diferentes.

Solução: designa-se outro promotor de justiça para oferecer a peça inaugural, devendo prosseguir no feito em seus ulteriores termos.

 

 

Cuida-se de procedimento instaurado visando à apuração da suposta prática do crime de estupro de vulnerável (CP, art. 217-A) cometido, em tese, por (...).

Encerradas as providências inquisitivas, a Ilustre Promotora de Justiça, entendendo frágeis os indícios carreados, postulou a realização de novas diligências e, quanto à representação formulada pela d. autoridade policial objetivando a decretação da prisão preventiva do agente, manifestou-se contrariamente (fls. 58/59).

A MM. Juíza, discordando de tal posicionamento, remeteu a questão para análise desta Procuradoria-Geral de Justiça, nos termos do art. 28 do CPP (fls. 60/61).

Eis a síntese do necessário.

A razão se encontra com a Digníssima Magistrada, com a máxima vênia da Douta Representante Ministerial; senão vejamos.

O oferecimento de denúncia, como é cediço, se satisfaz depois de constatados, nos elementos de informação coligidos, prova da materialidade e indícios suficientes de autoria.

Relembre-se que não se trata de fazer um juízo definitivo de censura, mas apenas de constatar a existência de um mínimo de embasamento para a deflagração do devido processo legal, pois:

 

“não se exige, na primeira fase da persecutio criminis, que a autoria e a materialidade da prática de um delito sejam definitivamente provadas, uma vez que a verificação de justa causa para a ação penal pauta-se em juízo de probabilidade, e não de certeza” (STJ, HC n. 100.296, rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, 5.ª TURMA, DJe de 01/02/2010).

 

É evidentemente lícito ao Parquet deixar de oferecer denúncia, a despeito de relatado o inquérito policial, quando vislumbrar diligências imprescindíveis ao ajuizamento da demanda, nos termos do art. 16 do CPP.

Entendem-se como tais aquelas sem as quais não é possível apresentar a peça acusatória.

O princípio da obrigatoriedade da ação penal pública (CPP, art. 24) requer seja feita uma distinção entre a diligência útil e a imprescindível. A primeira consubstancia a providência hábil a esclarecer melhor o fato, mas desnecessária sob a perspectiva do quantum satis para o oferecimento da petição inicial; nesse caso, impõe-se ajuizar a ação penal e, na cota introdutória, postular sua realização.

Considera-se imprescindível, por outro lado, o elemento informativo sem o qual o ingresso da demanda provocaria flagrante constrangimento ilegal, pela ausência de prova da materialidade e indícios de autoria.

No caso sub examen, a cota de fls. 58/59 menciona providência útil, mas não indispensável.

Importa consignar, outrossim, que em matéria de crime sexuais a palavra da vítima revela-se como elemento capital na formação da opinião delitiva, pois, de regra, o fato é cometido às ocultas, sem a possibilidade de comprová-lo por meio de testemunhas.

Não é outro o entendimento de nossos tribunais superiores:

 

HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. PROCESSO PENAL. PRISÃO PREVENTIVA. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DOS REQUISITOS LEGAIS. DECISÕES DEVIDAMENTE FUNDAMENTADAS. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. PERICULOSIDADE CONCRETA DO ACUSADO. MODUS OPERANDI. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA E MATERIALIDADE DO CRIME. PLEITO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. FALTA DE JUSTA CAUSA NÃO EVIDENCIADA DE PLANO. NECESSIDADE DE EXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. LAUDO PERICIAL INCONCLUSIVO. IRRELEVÂNCIA.

EXISTÊNCIA DE OUTRAS PROVAS IDÔNEAS. CONSTRANGIMENTO NÃO EVIDENCIADO.  ORDEM DE HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDA.

(...)

5. Embora o exame de corpo de delito se afigure útil para comprovar a prática de crimes sexuais, são indícios suficientes para a deflagração da persecução penal a palavra da vítima, crucial em crimes dessa natureza, corroborada por outras provas testemunhais idôneas e harmônicas.

(...)”

(STJ, HC n. 287.682/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, 5.ª TURMA, julgado em 05/06/2014, DJe de 17/06/2014)

 

No caso em tela, as declarações da ofendida conferem a necessária segurança quanto à ocorrência do delito, visto terem sido firmes e suficientemente pormenorizadas (fls. 07).

De mais a ver, os sujeitos ativo e passivo não se conheciam preteritamente, motivo pelo qual não teria a vítima motivo para incriminar falsamente o autor.

Ele próprio, em seu interrogatório, depois de apresentar versão inverossímil, admitiu que manteve relacionamento sexual com diversas garotas, as quais o estariam acusando falsamente de estupro. O increpado, porém, não indicou, sequer vagamente, a razão pela qual a ofendida poderia pretender imputar a ele “falsamente” fato de tamanha gravidade.

A mesma certeza quanto à materialidade se revela no que tange à autoria, pois o autor, repise-se, não só admitiu o contato íntimo com meninas contatadas por seu perfil no “facebook”, como também foi reconhecido pela vítima  sem sombra de dúvidas.

A investigação, assente-se, demonstra que o agente subjugou sexualmente a menor, o que se deduz pela própria natureza dos atos praticados, consoante narrou a jovem.

O dissenso da ofendida, ademais, se dessume pela circunstância de que, nas imagens divulgadas na rede mundial de computadores, havia o registro fotográfico no perfil de pessoa diversa do increpado (no caso, um modelo profissional).

Anote-se, contudo, que mesmo a se demonstrar consentida a relação, a anuência da vítima se mostraria irrelevante, pois se cuida de estupro de vulnerável (CP, art. 217-A), porquanto ela, ao tempo do fato, possuía 12 (doze) anos de idade.

Nesse sentido, confira-se:

 

“RECURSO ESPECIAL. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. VÍTIMA MENOR DE QUATORZE ANOS. PRESUNÇÃO ABSOLUTA DE VIOLÊNCIA. DELITO PERPETRADO PELO PADRASTO DA VÍTIMA. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

1 - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça assentou o entendimento de que é absoluta a presunção de violência no estupro e no atentado violento ao pudor (referida na antiga redação do art. 224, "a", do CPB), quando a vítima não for maior de 14 anos de idade.

2 - No caso sob exame, o recorrido praticou, por diversas vezes, atos libidinosos diversos da conjunção carnal com a ofendida, sua própria enteada, com 13 anos de idade à época dos fatos.

3 - É entendimento consolidado desta Corte Superior de Justiça que a aquiescência da adolescente - como ocorreu na espécie - não tem relevância jurídico-penal na tipificação da conduta criminosa (EREsp 762.044/SP, Rel. Min. Nilson Naves, Rel. para o acórdão Ministro Felix Fischer, 3ª Seção, DJe 14/4/2010).

(...)

9 - Recurso especial provido, para condenar o recorrido pelo delito previsto no artigo 214, c/c os artigos 224, "a" (antes da entrada em vigor da Lei n. 12.015/09), e 226, II, na forma do art. 71, caput, todos do Código Penal, e determinar a remessa dos autos ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo para fixação da pena”.

(STJ, R.Esp. n. 1.276.434/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, 6.ª TURMA, julgado em 07/08/2014, DJe de 26/08/2014).

 

Há, destarte, prova da materialidade e indícios suficientes de autoria de delito hediondo, com pena máxima superior a quatro anos, fazendo-se a prisão preventiva do agente efetivamente necessária para acautelar a ordem pública, em face da multiplicidade de atos similares cometidos por ele contra vítimas diferentes.

Diante do exposto, designa-se outro promotor de justiça para oferecer a peça inaugural, devendo prosseguir no feito em seus ulteriores termos.

Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria designando o substituto automático.

Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 15 de setembro de 2014.

 

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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