Código de Processo Penal, art. 28

Protocolado n.º 137.087/15

Autos n.º 0006247-13.2015.3.2.3 – MM. Juízo do DIPO 3 (Comarca da Capital)

Indiciado: EXPEDITO MOISÉS CATANHEDE SOUSA SANTOS

Assunto: revisão de pedido de arquivamento de inquérito policial

 

EMENTA: CPP, ART. 28. FURTO SIMPLES TENTADO (CP, ART. 155, “CAPUT”, C.C. ART. 14, INC. II). ARQUIVAMENTO MINISTERIAL FUNDADO NA SUPOSTA ATIPICIDADE DA CONDUTA, POR SE TRATAR DE CRIME IMPOSSÍVEL. VIGILÂNCIA EXERCIDA POR FUNCIONÁRIOS DA EMPRESA. INAPLICABILIDADE. DIFERENÇA ENTRE FLAGRANTE PREPARADO E ESPERADO. ALEGAÇÃO NÃO ACOLHIDA. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA QUE SE IMPÕE.

1.     O indiciado ingressou no estabelecimento e, de maneira sub-reptícia, ocultou numa bolsa que portava duas peças de picanha, avaliadas em R$ 133,48 (cento e trinta e três reais e quarenta e oito centavos). O agente foi notado por uma funcionária tão logo adentrou ao supermercado, tendo esta alertado outros colegas, os quais passaram a monitorá-lo eletronicamente, podendo perceber o instante em que ele se apoderou da res furtivae, escondendo-a na bolsa e, depois de sair do local sem efetuar o pagamento, foi apanhado por seguranças, acionando-se a polícia, que o prendeu em flagrante.

2.     O monitoramento exercido não torna atípica a conduta. De notar-se que o objeto material se revelava idôneo e o meio executório eficaz.  Conforme entendimento do Egrégio Superior Tribunal de Justiça: “(...) A existência de sistema de monitoramento eletrônico ou a observação dos passos do praticante do furto pelos seguranças da loja não rende ensejo, por si só, ao automático reconhecimento da existência de crime impossível, porquanto, mesmo assim, há possibilidade de o delito ocorrer.” (STJ, HC n. 192.539/SP, rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, 6.ª Turma, j. em 24/09/2013, DJe de 03/10/2013). Não há como se vislumbrar, ademais, o argumento de que é impossível a consumação do fato. São incontáveis os casos que, em circunstâncias semelhantes, resultam na efetiva retirada dos bens. Inexistiu, de todo modo, qualquer tipo de preparação do flagrante, pela funcionária da empresa, senão mera observação, sem qualquer interferência na conduta consciente e voluntária do increpado.

Solução: designa-se outro promotor de justiça para oficiar nos autos, oferecendo denúncia e prosseguimento no feito em seus ulteriores termos.

 

 

Cuida-se de investigação penal instaurada a partir da lavratura de auto de prisão em flagrante, visando à apuração do delito de furto simples tentado (art. 155, caput, c.c. art. 14, II, do CP) cometido, em tese, por EXPEDITO MOISÉS CATANHEDE SOUSA SANTOS.

Encerradas as providências inquisitivas, o Douto Promotor de Justiça requereu o arquivamento do procedimento, entendendo caracterizado crime impossível (CP, art. 17), pois os atos do agente foram acompanhados por funcionário da empresa, supostamente impossibilitando sua consumação (fls. 30).

O MM. Juiz, discordando do requerimento deduzido, encaminhou a questão para análise desta Procuradoria-Geral de Justiça, nos termos do art. 28 do CPP (fls. 32/34).

Eis a síntese do necessário.

A razão se encontra com o Digníssimo Magistrado, com a devida vênia do Ilustre Representante Ministerial, a despeito de suas bem lançadas razões; senão, vejamos.

Segundo consta dos autos, no dia 29 de agosto p. passado, por volta do meio-dia, o indiciado ingressou no estabelecimento empresarial vitimado e, de maneira sub-reptícia, ocultou numa bolsa que portava duas peças de picanha, avaliadas em R$ 133,48 (cento e trinta e três reais e quarenta e oito centavos) – cf. auto de apreensão e avaliação de fls. 10.

Pelo que se apurou, o agente ingressou no supermercado com uma mochila, sendo notado por uma funcionária, que alertou outros, os quais passaram a monitorá-lo eletronicamente, podendo perceber o instante em que ele se apoderou da res furtivae, escondendo-a na bolsa e, depois de sair do local sem efetuar o pagamento, foi apanhado por seguranças, acionando-se a polícia, que o prendeu em flagrante.

Os fatos remanesceram incontroversos, haja vista os depoimentos testemunhais e o silêncio do investigado (fls. 03, 05 e 07).

Pois bem.

Com a devida vênia, a tese na qual fundamentou o competente Membro do Parquet seu pleito de arquivamento não vem sendo aceita por esta Procuradoria-Geral de Justiça, em que pese suas judiciosas razões.

A circunstância de os representantes da vítima terem exercido vigilância sobre o patrimônio da empresa e sobre as atitudes do increpado não se mostra apta a excluir a adequação típica do delito tentado.

Com efeito, o crime impossível pressupõe absoluta ineficácia do meio executório ou impropriedade do objeto material.

No feito em testilha, o objeto material era idôneo e o meio executório, eficaz. Não há como acolher o argumento de que, no caso em tela, era impossível a consumação do fato, pois são incontáveis os episódios em que, diante de circunstâncias semelhantes, ocorre a efetiva retirada dos bens.

Tal tese, ademais, não possui aceitação dos nossos tribunais. Nesse sentido:

 

HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO CONTRA ACÓRDÃO DE APELAÇÃO. SUCEDÂNEO RECURSAL INOMINADO. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. FURTO. UM CONSUMADO E UM TENTADO CONTRA O MESMO ESTABELECIMENTO COMERCIAL. CONTINUIDADE DELITIVA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO INCIDÊNCIA. CRIME IMPOSSÍVEL. NÃO OCORRÊNCIA PELA SIMPLES EXISTÊNCIA DE VIGILÂNCIA POR SEGURANÇAS E CÂMERAS. CONFISSÃO NO INQUÉRITO CORROBORADA PELA PROVA JUDICIA. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE PATENTE. NÃO CONHECIMENTO.

(...)

4. A existência de sistema de monitoramento eletrônico ou a observação dos passos do praticante do furto pelos seguranças da loja não rende ensejo, por si só, ao automático reconhecimento da existência de crime impossível, porquanto, mesmo assim, há possibilidade de o delito ocorrer. Precedentes das Turmas componentes da Terceira Seção.

(...) 7. Ordem não conhecida.”    

(STJ, HC n. 192.539/SP, rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, 6.ª Turma, j. em 24/09/2013, DJe de 03/10/2013; grifo nosso).

                                     

Poder-se-ia cogitar de tentativa inidônea se o agente fosse induzido à prática criminosa pelo sujeito passivo, como que numa farsa posta em cena para incriminá-lo.

Inexistiu, todavia, qualquer tipo de preparação do flagrante pelos funcionários da empresa, senão mera observação, sem interferência na conduta consciente e voluntária do increpado.

Houve, quando muito, flagrante esperado e não provocado.

Diante do exposto, designa-se outro membro ministerial para oficiar nos autos, oferecendo denúncia e prosseguindo no feito em seus ulteriores termos.

Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n.º 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n.º 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006. Expeça-se portaria designando o substituto automático. Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 1.º de outubro de 2015.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

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