Código de Processo Penal, art. 28

 

Protocolado n.º 152.856/09

Autos n.º 56/09 – MM. Juízo da Vara Única da Comarca de Buritama

Réu: (...)

Assunto: revisão de recusa de aditamento da denúncia (CPP, art. 384, §1.º)

 

 

 

EMENTA: CPP, ART. 28. ADITAMENTO DA DENÚNCIA NA FASE DO ART. 384 DO CPP. RECUSA MINISTERIAL. DIVERGÊNCIA LIMITADA AO ENQUADRAMENTO JURÍDICO DOS FATOS. PEÇA ACUSATÓRIA QUE NÃO EMPREGA OS VOCÁBULOS CONTIDOS NO TIPO PENAL, MAS NARRA FATO QUE A ELE SE SUBSUME. INAPLICABILIDADE DO ART. 384 DO CPP. CASO DE “EMENDATIO LIBELLI”. INTELIGÊNCIA DO ART. 383 DO CPP.

1.      A recusa em aditar a denúncia efetuada pelo Representante do Ministério Público não impede a prolação de sentença quando a descrição da peça acusatória encontra-se em conformidade com as provas produzidas.

2.      Se a controvérsia se limita à adequada definição jurídica do ato, não há falar-se em “mutatio libelli”. O réu, como é cediço, defende-se dos fatos que lhe são atribuídos, e não de seu enquadramento legal. A petição inicial descreve com fidelidade a conduta praticada pelo denunciado e, muito embora não utilize as expressões lingüísticas contidas no preceito primário da norma penal incriminadora vislumbrada pelo d. julgador, oferece a este plenas condições de atribuir ao sujeito o “crimen” cogitado no r. despacho que determinou houvesse aditamento.

3.      Quando a quaestio se limita à correção da tipificação legal, portanto, não se faz necessário o aditamento, uma vez que a sistemática contida no art. 384 do CPP visa à observância do princípio da correlação entre os fatos descritos na exordial e aqueles apreciados na sentença. Suposto defeito na classificação jurídica pode ser corrigido quando do julgamento, a teor do art. 383 do CPP.

Solução: deixo de aditar a denúncia ou de designar outro promotor de justiça para fazê-lo.

 

 

A presente ação penal foi movida pelo Ministério Público em face do réu, imputando-lhe crimes de resistência qualificada (CP, art. 329, §1º) e ameaça (CP, art. 147).

Ao cabo da instrução processual, a MM. Juíza entendeu que a prova indicava a ocorrência de infração diversa da capitulada na inicial (desobediência em vez de resistência), motivo por que determinou fosse a denúncia aditada, nos termos do art. 384 do CPP (fls. 134).

O Ilustre Promotor de Justiça, contudo, não vislumbrou a necessidade de fazê-lo, pois o delito perpetrado teria sido exatamente aquele narrado na exordial (fls. 136).

A d. Magistrada, então, aplicou à espécie o art. 28 do CPP e encaminhou o feito a esta Procuradoria Geral de Justiça (fls. 138/140).

É o relatório.

A controvérsia estabelecida neste expediente refere-se fundamentalmente a respeito da classificação jurídica adequada ao comportamento delitivo praticado pelo réu, quando desatendeu à ordem de parada emanada pelos Policiais Militares.

Nesse sentido, é preciso enfatizar que tanto o Membro do Parquet oficiante quanto a MM. Juíza, ao que se depreende dos autos, são acordes quanto à dinâmica dos fatos. Não há dúvida de que a conduta imputada é exatamente aquela narrada na inicial acusatória, a qual formou a base da persecutio criminis in juditio e, ademais, o fundamento balizador do direito constitucional à ampla defesa e ao contraditório (CF, art. 5º, LV).

A divergência, portanto, refere-se exclusivamente ao enquadramento legal da ação praticada.

No entender do diligente Promotor de Justiça, trata-se de resistência qualificada. Ressalte-se que a peça inaugural deixa claro o modo como procedeu o sujeito, que, ao receber ordem de parada oriunda dos milicianos, a descumpriu, deixando sua bicicleta no local e pulando a grade de ferro existente nas proximidades.

Para a i. Magistrada, no entanto, cuidar-se-ia de desobediência (CP, art. 330). É o que se depreende do r. despacho de fls. 134.

Ora, é induvidoso que a controvérsia não diz respeito à dinâmica dos fatos, satisfatoriamente descritos na exordial, mas tão-somente à sua definição típica.

Conclui-se, por conseguinte, que a hipótese deve ser regida pelo art. 383 do CPP, e não pelo art. 384, com a devida vênia da mui digna Julgadora.

Cumpre assinalar que o art. 384 do Estatuto Processual Penal disciplina a mutatio libelli, figura intimamente ligada ao princípio da correlação (ou congruência) entre acusação e sentença. Em outras palavras, as providências contidas no dispositivo citado, notadamente o aditamento da denúncia (ou da queixa-subsidiária), visam à que sempre se mantenha uma absoluta correspondência entre os fatos descritos pela acusação e aqueles apreciados na sentença.

É de ver, ainda, que o princípio da correlação ou congruência baseia-se no princípio da inércia da jurisdição e no princípio da ampla defesa. Garante-se, por um lado, o ne procedat iudex ex officio e, por outro, assegura-se ao acusado o direito de somente se ver condenado pelos fatos que foram objeto da acusação e sobre os quais pode elaborar sua defesa.

No caso dos autos, independentemente da discussão meritória (se a primeira atitude atribuída ao réu deve ser tida como resistência ou desacato), mostra-se descabida a aplicação do art. 384 do CPP.

Significa afirmar que, se ao juiz parece ter ocorrido crime diverso, deve proferir decisão desclassificatória, sem a necessidade do aditamento, a teor do que determina o art. 383 do CPP (emendatio libelli).

Diante do exposto, deixo de aditar a denúncia ou de designar outro promotor de justiça para fazê-lo. Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 07 de dezembro de 2009.

 

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

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