Código de Processo Penal, art. 28

Protocolado n. 153.591/12

Autos n. 0037275-13.2012.8.26.0050 – MM. Juízo do DIPO 4 (Comarca da Capital)

Autor do fato: (...)

Assunto: revisão de promoção de arquivamento de inquérito policial

 

 

EMENTA: CPP, ART. 28. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. CTB, ART. 306 (COM REDAÇÃO DADA PELA LEI N. 11.705/08). NÍVEL DE DOSAGEM ALCOÓLICA ATESTADO POR ETILÔMETRO (“BAFÔMETRO”). VALIDADE. POSTERIOR EXAME CLÍNICO, REALIZADO CINCO HORAS APÓS, QUE NÃO CONSTATOU A ALCOOLEMIA. PREVALÊNCIA DA PROVA COLHIDA NO MOMENTO DA CONDUTA. INEXISTÊNCIA DE DIREÇÃO IRREGULAR. IRRELEVÂNCIA. CRIME DE PERIGO ABSTRATO. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA QUE SE IMPÕE.

1.      O nível de dosagem alcoólica, que constitui requisito típico, foi comprovado materialmente em exame pericial realizado in loco, no momento da conduta, por meio de etilômetro (“bafômetro”), constatando-se o índice de 0,38 mg/L (trinta e oito miligramas por litro de ar expelido pelos pulmões) (vide art. 2º, II, do Decreto n. 6.488/08). O investigado foi, posteriormente, encaminhado ao Instituto Médico Legal e, cinco horas após a abordagem, colheu-se material para exame clínico, o qual não detectou remanescerem vestígios de embriaguez.

2.      O confronto dos elementos informativos amealhados no curso da investigação há de ser efetuado de maneira crítica, não se admitindo que uma prova se sobreponha às demais, sem se verificar as condições em que produzida. No caso em tela, dois exames periciais foram realizados: um deles no exato instante da perpetração da conduta criminosa e outro, horas após. O primeiro apurou quantidade de álcool por litro de ar expelido pelos pulmões capaz de incriminar o investigado; o segundo não concluiu pelo estado inebriante. A contradição, destaque-se, é aparente. Isto porque, como é sabido, o organismo humano possui condições, com o passar do tempo, de eliminar o álcool ingerido.

3.      De mais a ver, ainda que se pudesse reputar conflitante o cenário probatório, nesta fase da persecução penal as dúvidas devem ser dirimidas em favor da sociedade (nesse sentido: STJ, Conflito de Competência n. 113.020, rel. MIN. OG FERNANDES, julgado em 23 de março de 2011). Há de prevalecer, destarte, a constatação aferida no momento da ação.

4.      O delito em questão configura crime de perigo abstrato e sua descrição legal não atenta contra princípios constitucionais, até porque é científica e estatisticamente comprovado que a condução de veículo automotor por quem ingeriu álcool ou substâncias psicoativas em determinado patamar põe em risco a incolumidade física e a vida de terceiros, dada a diminuição dos reflexos, da percepção sensorial e motora, entre outros (vide , nesse sentido, HC n. 109.269/MG, Rel. Ministro LEWANDOWSKI, j. em 27/09/2011, DJe de 11/10/2011).

Solução: designa-se outro promotor de justiça para oferecer denúncia e prosseguir nos ulteriores termos da ação penal.

 

Cuida-se de inquérito policial instaurado com o fim de apurar a conduta de (...) que, em tese, teria praticado o delito de embriaguez ao volante (CTB, art. 306).

Concluídas as providências de polícia judiciária, o Douto Promotor de Justiça oficiante pugnou pelo arquivamento do feito, aduzindo que a prova colhida por meio do etilômetro não se mostrou idônea à comprovação do requisito típico, pois, embora anotasse nível superior ao permitido, o exame clínico posteriormente realizado não apontou encontrar-se o sujeito alcoolizado (fls. 17/18).

O MM. Juiz, de sua parte, discordando de tal posicionamento, por julgar válida a prova técnica efetivada no momento do fato, remeteu o caso a esta Procuradoria Geral de Justiça, nos termos do art. 28 do CPP (fls. 19/20).

Eis a síntese do necessário.

A razão socorre ao Digníssimo Magistrado, com a devida vênia do Ilustre Representante Ministerial.

 

Dos fatos

Apurou-se neste procedimento inquisitivo que, aos 21 de fevereiro de 2012, por volta da meia-noite, policiais militares, realizando operação de bloqueio “Direção Segura”, abordaram o indiciado, o qual conduzia veículo automotor.

O investigado foi submetido, in loco, ao exame do etilômetro, constatando-se o índice de 0,38 mg/L (trinta e oito miligramas por litro de ar expelido pelos pulmões) (fls. 06).

LUCIANO foi, então, encaminhado ao Instituto Médico Legal e, cinco horas após a abordagem, colheu-se material para exame clínico, e este não detectou remanescerem vestígios de embriaguez (fls. 12).

Ao ser ouvido, o suspeito admitiu ter ingerido bebida alcóolica (fls. 08).

 

Do quadro probatório

Anote-se que o confronto dos elementos informativos amealhados no curso da investigação há de ser efetuado de maneira crítica, não se admitindo que uma prova se sobreponha às demais, sem se verificar as condições em que colhida.

No caso em tela, dois exames periciais foram realizados: um deles no exato instante da perpetração da conduta criminosa e outro, horas após. O primeiro apurou quantidade de álcool por litro de ar expelido pelos pulmões capaz de incriminar o investigado; o segundo não concluiu pelo estado inebriante.

A contradição, destaque-se, é aparente.

Isto porque, como é sabido, o organismo humano possui condições, com o passar das horas, de eliminar o álcool ingerido.

De mais a ver, ainda que se pudesse reputar conflitante o cenário probatório, nesta fase da persecução penal as dúvidas devem ser dirimidas em favor da sociedade (nesse sentido: STJ, Conflito de Competência n. 113.020, rel. MIN. OG FERNANDES, julgado em 23 de março de 2011).

Há de prevalecer, destarte, a constatação aferida no momento da ação.

 

Do enquadramento típico

Ressalte-se inicialmente que o tipo penal em tese infringido, antes da modificação trazida pela Lei n. 11.705/08, exigia expressamente que o agente conduzisse veículo “sob influência” de álcool ou substância análoga. Cuidava-se, portanto, de crime de perigo concreto. Com a alteração recentemente introduzida, o legislador retirou o requisito mencionado, transformando-o em crime de perigo abstrato.

Nada há de inconstitucional na construção típica em apreço, em que pese as opiniões contrárias de renomados juristas.

É preciso ponderar, na esteira dos ensinamentos de Fernando Capez, que são válidos e constitucionais os delitos de perigo presumido. Com efeito, ensina o autor que:

 

“...subsiste a possibilidade de tipificação dos crimes de perigo abstrato em nosso ordenamento legal, como legítima estratégia de defesa do bem jurídico contra agressões em seu estágio ainda embrionário, reprimindo-se a conduta, antes que ela venha a produzir um perigo concreto ou um dano efetivo. Trata-se de cautela reveladora de zelo do Estado em proteger adequadamente certos interesses. Eventuais excessos podem, no entanto, ser corrigidos pela aplicação do princípio da proporcionalidade” (Curso de direito penal, vol. 1, 4ª ed., São Paulo, Saraiva, 2002, p. 25).

 

Tendo em vista cuidar-se de infração de perigo presumido, torna-se despicienda a comprovação de que houve conduta anormal.

De outro lado, não é menos relevante anotar que, cientifica e estatisticamente, já se demonstrou que o fato de o motorista encontrar-se com determinado nível de álcool (ou substância psicoativa) em seu sangue reduz consideravelmente seus reflexos e percepção, provocando risco efetivo a ele próprio e a todos os demais que se encontram ao seu redor.

Bem por isso, não se admite como válido eventual argumento de que há violação ao princípio da ofensividade, na medida em que a conduta não produziria, de per si, riscos aos valores maiores (vida e integridade corporal) salvaguardados por nossa Constituição.

O Colendo Supremo Tribunal Federal, com relação ao tema, assim se manifestou:

 

HABEAS CORPUS. PENAL. DELITO DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. ART. 306 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO REFERIDO TIPO PENAL POR TRATAR-SE DE CRIME DE PERIGO ABSTRATO. IMPROCEDÊNCIA. ORDEM DENEGADA.

I – A objetividade jurídica do delito tipificado na mencionada norma transcende a mera proteção da incolumidade pessoal, para alcançar também a tutela da proteção de todo corpo social, asseguradas ambas pelo incremento dos níveis de segurança nas vias públicas.

II – Mostra-se irrelevante, nesse contexto, indagar se o comportamento do agente atingiu, ou não, concretamente, o bem jurídico tutelado pela norma, porque a hipótese é de crime de perigo abstrato, para o qual não importa o resultado. Precedente.

III – No tipo penal sob análise, basta que se comprove que o acusado conduzia veículo automotor, na via pública, apresentando concentração de álcool no sangue igual ou superior a 6 decigramas por litro para que esteja caracterizado o perigo ao bem tutelado e, portanto, configurado o crime.

IV – Por opção legislativa, não se faz necessária a prova do risco potencial de dano causado pela conduta do agente que dirige embriagado, inexistindo qualquer inconstitucionalidade em tal previsão legal.

V – Ordem denegada”

(HC 109.269/MG, Rel. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, j. em 27/09/2011, DJe de 11/10/2011).

 

Não se afigura acertada, bem por isso, a solução excogitada pelo Ilustre Promotor de Justiça oficiante.

 

Conclusão

Diante do exposto, designa-se outro membro ministerial para oferecer denúncia e prosseguir no feito em seus ulteriores termos. Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006. Expeça-se portaria designando-se o substituto automático. Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 25 de outubro de 2012.

 

 

                        Márcio Fernando Elias Rosa

                        Procurador-Geral de Justiça

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