Protocolado n.º 154.123/08 - art. 28 do CPP

Inquérito policial n.º 050.08.088792-9 – MM. Juízo do DIPO 3

Indiciados: (...) e (...)

 

EMENTA: CPP, ART. 28. REQUERIMENTO DE DILIGÊNCIAS. APLICAÇÃO DO ART. 28 DO CPP – CABIMENTO. PORTE DE ARMA DE FOGO DESMUNICIADA – TIPICIDADE FORMAL E MATERIAL.

1. A remessa dos autos à Procuradoria Geral de Justiça, com fulcro no art. 28 do CPP, afigura-se como medida adequada quando o promotor de justiça deixa de oferecer denúncia e, em vez disso, requisita diligências desnecessárias à propositura da ação penal. Isto porque a decisão judicial que aplica o art. 28 do CPP prende-se à fiscalização do princípio da obrigatoriedade ou legalidade da ação penal pública (CF, art. 129, I e CPP, art. 24, caput).

2. O crime de porte ilegal de arma de fogo se perfaz ainda que se trate de arma desmuniciada (precedentes do STJ). No caso concreto, entretanto, houve a apreensão de projétil, compatível com a arma de fogo, no automóvel conduzido pela amiga do indiciado, que o acompanhava no dia dos fatos.

Solução: designação de outro promotor de justiça para oferecer denúncia e prosseguir nos ulteriores termos da ação penal.

 

 

Cuida-se de inquérito policial instaurado para apurar suposto crime de porte ilegal de arma de fogo, praticado, em tese, por (...) e (...), os quais foram presos em flagrante delito no dia 17 de novembro de 2008, por volta das 04 horas.

 

                                      Ao término das investigações, o i. Promotor de Justiça deixou de oferecer denúncia, justificando sua postura na necessidade de se adotarem “várias diligências investigativas”, postulando o retorno à origem para que se fizesse “uma ampla investigação sobre o mencionado flagrante” (fls. 50/52).

 

                                      Discordando da manifestação ministerial, a MM. Juíza aplicou a regra do art. 28 do CPP (fls. 54/57). Houve pedido de reconsideração (fls. 60/62), o qual foi negado (fls. 64/65).

 

                                      É o relatório.

 

                                      Cumpre esclarecer, preliminarmente, que a remessa dos autos à Procuradoria Geral de Justiça, com fulcro no art. 28 do CPP, além de juridicamente possível no caso concreto, constitui medida adequada, haja vista que, a contrário do quanto se ponderou a fls. 60/62, a atitude se justifica à luz da fiscalização do princípio da obrigatoriedade da ação penal pública.

 

                                      No mérito, cumpre desde logo sublinhar que o ponto central da controvérsia consiste em saber se há elementos suficientes para a propositura da ação penal em face dos denunciados.

 

                                      A resposta parece-nos afirmativa, ao menos em face de (...).

 

                                      É de ver que, no dia dos fatos, policiais militares o surpreenderam conduzindo um veículo automotor e, ao revistarem o automóvel, encontraram arma de fogo junto ao banco do motorista. O instrumento bélico foi devidamente apreendido, como se nota a fls. 17/18. É de se registrar que a arma encontrava-se desmuniciada.

 

                                      O veículo do agente era acompanhado por outro, conduzido por (...), com quem foi encontrado projétil de arma de fogo compatível com a arma apreendida em poder de (...) (cf. auto de apreensão de fls. 17/18).

 

                                      Pois bem. O princípio da obrigatoriedade ou legalidade da ação penal pública, acolhido no art. 24, caput, do CPP, impõe que, presentes prova da materialidade e indícios suficientes de autoria, deva o membro do Ministério Público oferecer a denúncia. Não lhe cabe aqui um juízo de conveniência ou oportunidade. Deve, isto sim, ingressar com a ação penal e cumprir seu dever constitucional de promovê-la (CF, art. 129, I).

 

                                      Se ao promotor de justiça parecer necessário um aprofundamento das investigações, de outra parte, deve requerer pormenorizadamente as diligências necessárias, nos termos do art. 16 do CPP, sem prejuízo do oferecimento imediato da denúncia, quando possível fazê-lo.

 

                                      É de ver que, no caso dos autos, o inquérito policial contém base para se deflagrar a ação penal. Não se justifica, data venia, a atitude do Representante Ministerial. Acrescente-se, ainda, que se a ele parecera lacunosa a investigação, deveria indicar, de maneira detalhada, quais as diligências a serem adotadas para complementá-la. Ocorre que, como se nota na manifestação de fls. 50/52, nenhuma providência foi indicada, senão um pedido para que se fizesse, no âmbito policial, “uma ampla investigação sobre o mencionado flagrante”.

 

                                      Com relação aos aspectos relevantes do caso concreto, deve-se destacar que a arma encontrava-se desmuniciada, mas o projétil encontrava-se à disposição do agente, no carro conduzido por sua amiga (...) (vide depoimento dos milicianos – fls. 03 e 06 e das testemunhas ouvidas a fls. 08 e 09).

 

                                      De mais a mais, o só fato de se apreender com o indiciado o instrumento bélico justificaria o oferecimento da denúncia. Confira-se recente julgado do STJ nesse sentido:

 

 

“’HABEAS CORPUS’. AGRAVO REGIMENTAL CONTRA O INDEFERIMENTO DE PEDIDO LIMINAR. DESCABIMENTO. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO E PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO. DESMUNICIADAS. IRRELEVÂNCIA PARA CONFIGURAÇÃO DO DELITO. RISCO À PAZ SOCIAL. ORDEM DENEGADA.

1.   Não cabimento de agravo regimental interposto contra decisão que denega ou concede pedido de liminar em “Habeas Corpus”.

2.   Na linha de precedentes desta Corte, o porte ilegal de arma de fogo traz risco à paz social, de modo que, para caracterização da tipicidade das condutas elencadas nos arts. 14 e 16 da Lei 10.826/03, basta, tão somente, o porte de armas sem a devida autorização da autoridade competente ou de uso restrito. A circunstância destas se encontrarem desmuniciadas não exclui, por si só, a tipicidade do delito, eis que ela oferece potencial poder de lesão.

3.   O MPF manifestou-se pela indeferimento do writ.

4.   Ordem denegada”.

(STJ, HC n. 109.231, rel.  Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe de 20/10/2008; grifos nossos).

 

 

                                      Isso sem falar que o fato de possuir ou portar munição constitui, de per si, fato penalmente típico.

 

                                      Como ressalta GUILHERME DE SOUZA NUCCI:

 

“Quer-se, no Brasil, efetivar o controle estatal de arma de fogo em geral, contando, para tanto, com os acessórios – igualmente perigosos – bem como levando-se em conta a munição – sem a qual a arma de fogo é inútil. Surpreender alguém portando grande quantidade de munição, por exemplo, sem autorização legal, pode ser conduta mais grave que o singelo porte de um revólver calibre 38, devidamente registrado. Logo, não vemos infringência a nenhum princípio penal, mormente o da proporcionalidade...” (Leis Penais e Processuais Penais Comentadas, 2ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 82).

 

                                      No mesmo sentido encontra-se o escólio de Fernando Capez, para quem o princípio da ofensividade, “segundo o qual somente existe crime quando se demonstrar a efetiva lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico, deve ser aplicado excepcionalmente, apenas quando claramente for hipótese de crime impossível (CP, art. 17). Por exemplo: munição inidônea a disparo e arma obsoleta” (Curso de direito penal, vol. 4, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 332-333).

 

                                      A jurisprudência trilha o mesmo caminho:

 

HABEAS CORPUS. PENAL. PORTE ILEGAL DE MUNIÇÃO. ART. 14 DA LEI N.º 10.826/03 (ESTATUTO DO DESARMAMENTO). TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ATIPICIDADE. INEXISTÊNCIA. PERIGO ABSTRATO CONFIGURADO. DISPOSITIVO LEGAL VIGENTE.
1. Malgrado os relevantes fundamentos jurídicos esposados na impetração, diante da tese adotada por este Tribunal em caso análogo – concernente ao porte ilegal de arma de fogo desmuniciada, cuja potencialidade lesiva é, em princípio, equivalente, uma vez que em nenhuma das hipóteses se vislumbra perigo concreto, mas apenas abstrato ao objeto jurídico protegido pela norma –, não há como considerar atípico o porte de munição. 
2. Não obstante o entendimento da Corte Suprema, a Lei n.º 10.826, de 23 de dezembro de 2003 – Estatuto do Desarmamento – dispôs inteiramente sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição, definindo claramente a conduta praticada em tese pelo Paciente.
3. Desse modo, estando em plena vigência o dispositivo legal ora impugnado, não tendo sido declarada sua inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, não há espaço para o pretendido trancamento da ação penal.
4. Ordem denegada”.

(STJ, HC n. 63.354, rel. Min. Laurita Vaz, D.J. de 18.12.2006 p. 443; grifo nosso).

 

 

                                      Em face das considerações acima aduzidas, não há outra solução senão o ajuizamento da ação penal em face de (...).

 

                                      Diante do exposto, designo outro promotor de justiça para oferecer denúncia e prosseguir nos ulteriores termos do feito.

 

                                      Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

 

                                      Com relação à investigação de outros crimes ou da participação de outras pessoas no delito, requisito desde já a instauração de inquérito policial autônomo, requerendo ao MM. Juízo que expeça o ofício pertinente à autoridade policial.

 

                                      Expeça-se portaria de designação do substituto automático. Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 18 de dezembro de 2008.

 

FERNANDO GRELLA VIEIRA

Procurador-Geral de Justiça