Código de Processo Penal, art. 28

 

Protocolado n. 154.169/12

Autos n. 182/12 – MM. Juízo do Juizado Especial Criminal da Comarca de Cerqueira César

Rés: (...)

Assunto: revisão de pedido de arquivamento parcial do feito

 

 

 

EMENTA: CPP, ART. 28. CRIME DE “FAVORECIMENTO REAL IMPRÓPRIO” (CP, ART. 349-A). DETENTAS SURPREENDIDAS NA POSSE DE APARELHOS DE TELEFONIA MÓVEL EM REVISTA EFETUADA NO ESTABELECIMENTO PENAL. PRESUNÇÃO DE QUE CONCORRERAM COM O INGRESSO DO OBJETO, EFETUADO POR TERCEIRO DESCONHECIDO. INEXISTÊNCIA DE RESPONSABILIDADE PENAL POR PRESUNÇÃO. NECESSIDADE DE SE APURAR AO MENOS INDICIARIAMENTE, PARA EFEITO DE IMPUTAÇÃO CRIMINAL, COMO O DISPOSITIVO ADENTROU AO AMBIENTE PRISIONAL. FATO QUE CONSTITUI TÃO SOMENTE FALTA GRAVE (ART. 50, VII, DA LEP). ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL CONFIRMADO.

1.     A controvérsia estabelecida no feito em testilha reside em definir se há prova suficiente para vincular às increpadas participação no ingresso criminoso de aparelhos de telefonia celulares no estabelecimento penal (CP, art. 349-A).

2.     Dá-se o delito em questão quando do ingresso de aparelho telefônico de comunicação móvel, rádio ou similar, sem autorização legal, em estabelecimento prisional. A lei incrimina, também, os atos de promover (efetuar, direta ou indiretamente), intermediar (atuar como intermediador, interceder), auxiliar (prestar ajuda) ou facilitar a entrada do dispositivo de comunicação à distância. O objeto material, isto é, a coisa sobre a qual recai o comportamento, é o aparelho telefônico de comunicação móvel, de rádio ou similar, v.g. os radiocomunicadores, “walkie-talkies”, dispositivos que permitam acesso à rede mundial de computadores (“internet”), etc. Deve-se considerar estabelecimento prisional todo o recinto destinado a albergar presos, definitivos ou provisórios. Há, finalmente, o elemento normativo do tipo consubstanciado na expressão: “sem autorização legal”. O crime somente é punido na forma dolosa. Exige-se que o agente atue com consciência e vontade de efetuar, direta ou indiretamente, a entrada do aparelho em estabelecimento prisional, sem que possua autorização legal para fazê-lo. Pode-se dizer que há um elemento subjetivo implícito, consistente no intuito de fazer o objeto chegar às mãos de um detento, isso porque o escopo da norma é evitar que este receba dispositivo capaz de viabilizar sua comunicação à distância com outras pessoas. Pode ser qualquer indivíduo (como familiares do preso ou advogados) e até o próprio detento. Lembre-se, porém, de que este não comete crime algum quando somente utiliza aparelho de telefonia celular. Essa conduta constitui, para o indivíduo privado de sua liberdade, falta grave, sujeitando-o, portanto, a um maior rigor durante o cumprimento de sua pena (proibição de progressão de regime, perda do direito aos dias remidos, etc.). É o que dispõe o art. 50, VII, da LEP (Lei de Execução Penal). Caso o sujeito, todavia, tenha colaborado com o ingresso do objeto para os limites internos do estabelecimento penal, além da sanção penitenciária ficará sujeito às penas do art. 349-A do CP.

3.     Não se pode afastar, de outra parte, a possibilidade de que o detento seja o executor material do delito quando, por exemplo, retorna de uma audiência no Fórum trazendo consigo o aparelho, a ele entregue por terceiro, ou ainda, se obtém o benefício da saída temporária ou do trabalho externo e, por ocasião de seu regresso à instituição, ingressa com o dispositivo em seu interior. É justamente a tese a que se filiou o Digníssimo Magistrado. Ocorre, porém, que a presente investigação não trouxe à baila qualquer elemento informativo tendente a indicar, de maneira concreta, atos de participação cometidos pelas indiciadas.

4.     Estas disseram desconhecer a origem dos objetos, se negaram a revelar, ou aduziram tê-los adquirido no interior da cadeia, inexistindo qualquer traço capaz de estabelecer de onde ou por meio de quem adentraram no ambiente prisional. Em consequência, não se pode imputar a elas o crime descrito no art. 349-A do CP, sob pena de fazê-lo por mera presunção.

5.     Como bem frisou a Ilustre Promotora de Justiça, subsiste tão somente a falta grave a ser apurada.

Solução: insiste-se no arquivamento formulado, pelos seus próprios e jurídicos fundamentos, com a ressalva do art. 18 do CPP.

 

 

 

Cuida-se de procedimento instaurado para apurar as circunstâncias pelas quais (...), recolhidas na Cadeia Pública de Cerqueira César, encontravam-se na posse de aparelhos de telefones celulares e respectivo carregador para bateria, constatada em revista realizada no dia 15 de maio de 2012, após recebimento de notícia nesse sentido efetuada anonimamente.

Concluídas as providências de Polícia Judiciária, a Douta Promotora de Justiça deixou de oferecer denúncia quanto ao crime previsto no art. 349-A do CP, entendendo inexistentes indícios de autoria.

Não vislumbrou, também, o cometimento do delito de receptação (art. 180, caput, do CP), tampouco a infração descrita no art. 319-A do CP, mas apenas falta disciplinar prevista no art. 50, VII, da Lei n. 7.210/84.

Em consequência, no que tange a tais enfoques, propugnou o arquivamento do expediente.

Com relação às lesões sofridas por EDILENE, postulou se aguardasse o transcurso do prazo decadencial para oferecimento de representação (fls. 81/87).

O MM. Juiz, discordando do arquivamento proposto, remeteu a questão para análise desta Procuradoria-Geral de Justiça, nos termos do art. 28 do CPP (fl. 88).

Eis a síntese do necessário.

A razão se encontra com a Ilustre Representante Ministerial.

A controvérsia estabelecida no feito em testilha reside em definir se há prova suficiente para vincular às increpadas participação no ingresso criminoso de telefones celulares na cadeia.

Cumpre consignar, de início, que a utilização destas vias de comunicação em estabelecimentos prisionais tornou-se, a partir da última década, grave problema de segurança pública. No início dos anos 2000, viu-se um progressivo crescimento da telefonia celular móvel em nosso país, acompanhado da oferta, cada vez mais intensa e menos exigente de formalidades (notadamente na modalidade de aparelhos e chips pré-pagos), de dispositivos para conversação à distância.

Os criminosos não ficaram alheios a tais facilidades e aproveitaram para se abastecer de incontáveis linhas telefônicas móveis, com as quais começaram a cometer delitos no interior de prisões, coordenando ações ilícitas e gerenciando organizações criminosas.

O Estado, então, apercebeu-se da necessidade de combater essas condutas.

No plano jurídico, a primeira tentativa de reprimir os atos deu-se com a edição de regulamentos administrativos impondo sanções disciplinares que levavam à cassação de benefícios, como se fosse falta grave.

Ocorre, todavia, que a Lei de Execução Penal somente autoriza o Estado-membro a dispor sobre faltas leves e médias, sendo as graves albergadas por reserva de lei federal (art. 49 da LEP, a contrario sensu).

Baseando-se nesse fundamento, o Superior Tribunal de Justiça cassou inúmeras decisões que impuseram a perda dos dias remidos a presos flagrados com aparelho celular (posto que tal consequência apenas pode decorrer da citada falta grave).

Nossos legisladores, a partir daí, visando suprir a lacuna identificada, apressaram-se em aprovar a Lei n. 11.466/2007, a qual incluiu o inciso VII ao art. 50 da Lei de Execução Penal, considerando falta grave o ato de ter na “posse, utilizar ou fornecer aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo”.

Além disso, inseriram no Código Penal o art. 319-A, punindo o diretor de penitenciária ou agente público que se omitir no dever de impedir o ingresso de tais objetos no ambiente prisional.

Colmatava-se, então, o hiato acima mencionado. Outro, todavia, persistia, porquanto os particulares responsáveis pela introdução dos aparelhos nas prisões, salvo quando conluiados com o servidor penitenciário, permaneciam impunes.

Por esse motivo, entrou em vigor a Lei n. 12.012/09, introduzindo no Código Penal o art. 349-A, tipificando referida conduta (“ingressar, promover, intermediar, auxiliar ou facilitar a entrada de aparelho telefônico de comunicação móvel, de rádio ou similar, sem autorização legal, em estabelecimento prisional”).

Pune-se, no chamado “favorecimento real impróprio”, o ingresso (entrada) de aparelho telefônico de comunicação móvel, rádio ou similar, sem autorização legal, em estabelecimento prisional.

A lei incrimina, também, os atos de promover (efetuar, direta ou indiretamente), intermediar (atuar como intermediador, interceder), auxiliar (prestar ajuda) ou facilitar a entrada do dispositivo de comunicação à distância.

O objeto material, isto é, a coisa sobre a qual recai o comportamento, é o aparelho telefônico de comunicação móvel, de rádio ou similar, v.g. os radiocomunicadores, walkie-talkies, dispositivos que permitam acesso à rede mundial de computadores (internet), etc.

Deve-se considerar estabelecimento prisional todo o recinto destinado a albergar presos, definitivos ou provisórios. Abrange as penitenciárias, as colônias penais agrícolas ou industriais, as casas de albergado, as cadeias públicas, centros de detenção provisória e as celas localizadas em distritos policiais.

Há, finalmente, o elemento normativo do tipo consubstanciado na expressão: “sem autorização legal”.

O crime somente é punido na forma dolosa. Exige-se que o agente atue com consciência e vontade de efetuar, direta ou indiretamente, a entrada do aparelho em estabelecimento prisional, sem que possua autorização legal para fazê-lo.

Pode-se dizer que há um elemento subjetivo implícito, consistente no intuito de fazer o objeto chegar às mãos de um detento, isso porque o escopo da norma é evitar que este receba dispositivo capaz de viabilizar sua comunicação à distância com outras pessoas.

Pode ser qualquer indivíduo (como familiares do preso ou advogados) e até o próprio detento.

Lembre-se de que este não comete crime algum quando somente utiliza aparelho de telefonia celular. Essa conduta constitui, para o indivíduo privado de sua liberdade, falta grave, sujeitando-o, portanto, a um maior rigor durante o cumprimento de sua pena (proibição de progressão de regime, perda do direito aos dias remidos, etc.). É o que dispõe o art. 50, VII, da LEP (Lei de Execução Penal). Caso o sujeito, todavia, tenha colaborado com o ingresso do objeto para os limites internos do estabelecimento penal, além da sanção penitenciária ficará sujeito às penas do art. 349-A do CP.

Não se pode afastar, de outra parte, a possibilidade de que o detento seja o executor material do delito quando, por exemplo, retorna de uma audiência no Fórum trazendo consigo o aparelho, a ele entregue por terceiro, ou ainda, se obtém o benefício da saída temporária ou do trabalho externo e, por ocasião de seu regresso à instituição, ingressa com o dispositivo em seu interior.

É justamente a tese a que se filiou o Digníssimo Magistrado.

Ocorre, porém, que a presente investigação não trouxe à baila qualquer elemento informativo tendente a indicar, de maneira concreta, atos de participação cometidos pelas indiciadas.

Estas disseram desconhecer a origem dos objetos, se negaram a revelar, ou aduziram tê-los adquirido no interior da cadeia (fls. 16, 18, 19 e 24), inexistindo qualquer traço capaz de estabelecer de onde ou por meio de quem adentraram no ambiente prisional.

Em consequência, não se pode imputar a elas o crime descrito no art. 349-A do CP, sob pena de fazê-lo por mera presunção.

Pondere-se que inexiste responsabilidade penal in re ipsa.

Como bem frisou a Ilustre Promotora de Justiça, subsiste tão somente a falta grave a ser apurada e, por ora, as lesões corporais perpetradas em face de EDILENE.

Diante do exposto, insiste-se no arquivamento formulado, pelos seus próprios e jurídicos fundamentos, com a ressalva do art. 18 do CPP.

Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 25 de outubro de 2012.

 

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

 

 

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