Código de Processo Penal, art. 28

 

Protocolado n.º 154.750/09

Autos n.º 479/05 – MM. Juízo da 1ª Vara Judicial da Comarca de Ferraz de Vasconcelos

Réu: (...)

Assunto: recusa de aditamento da denúncia por ocasião do encerramento da instrução criminal (CPP, art. 384, §1.º)

 

 

 

EMENTA: CPP, ART. 28. RECUSA QUANTO AO ADITAMENTO DA DENÚNCIA (CPP, ART. 384, §1º). CONTROVÉRSIA RELATIVA AO ENQUADRAMENTO LEGAL DOS FATOS (LESÃO CORPORAL GRAVE OU TENTATIVA DE HOMICÍDIO). DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA (CP, ART. 15). INOCORRÊNCIA. ADITAMENTO DA EXORDIAL QUE SE RECOMENDA.

1.      A questão subjacente reside em estabelecer se o comportamento atribuído ao réu configura crime de lesão corporal grave (CP, art. 129, §1º, II) ou tentativa de homicídio (CP, art. 121, c.c. art. 14, II). O elemento subjetivo do injusto, embora difícil de ser determinado, pode ser encontrado por meio de outros elementos. O autor da conduta, no mais das vezes, não o verbaliza, limitando-se a praticar seu comportamento em busca de um desiderato enclausurado em sua psique. A falta de comunicação a terceiros do opróbrio motivador do delito, todavia, não impede aferir-se qual sua meta optata, notadamente quando se avalia, no contexto dos fatos e mediante o cotejo das provas colhidas, a maneira como se portou diante da cena criminosa.

2.      No caso em tela, o acusado colheu o ofendido com uma foice, golpeando-o violentamente em sua barriga, provocando perfuração tamanha que lesionou o pulmão direito do sujeito passivo. Ainda que outros golpes não tenham sido vibrados, percebe-se que isto não se verificou porque o denunciado supôs desnecessário. É que a vítima, com uma só foiçada, tombou inerte e sangrou intensamente, fazendo com que o réu acreditasse haver consumado seu objetivo (ou seja, que tivesse produzido um ferimento efetivamente letal) e, a partir de então, passasse a se preocupar com a fuga do local.

3.      A cessação do iter criminis, portanto, mostrou-se involuntária, não cabendo falar em desistência voluntária ou arrependimento eficaz (CP, art. 15). Isto porque a prova demonstra, como se ponderou, não ter o agente atingido sua meta por circunstâncias alheias à sua vontade.

Conclusão: designo outro promotor de justiça para oferecer o aditamento à imputação inicial, cumprindo-lhe oficiar na causa até sua conclusão final.

 

Cuida-se de ação penal movida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO em face do réu acima epigrafado, imputando-lhe delito de lesão corporal grave.

O feito teve regular seguimento e, ao final da instrução criminal, foram apresentadas as razões finais por ambas as partes.

A MM. Juíza, ao receber os autos conclusos para sentença, verificou que a prova colhida indicava o cometimento de ilícito mais grave, qual seja, tentativa de homicídio e, em face disto, determinou o envio da causa à Douta Representante Ministerial (fls. 309/310).

Esta, contudo, insistiu no pedido de condenação deduzido, elaborado em consonância com o tipo penal descrito na denúncia (fls. 320), razão pela qual se aplicou o art. 28 do CPP, com a remessa do feito a esta Procuradoria Geral de Justiça.

Eis a síntese do necessário.

A questão fundamental reside em saber se o comportamento atribuído ao agente configura crime de lesão corporal grave (CP, art. 129, §1º, II) ou tentativa de homicídio (CP, art. 121, c.c. art. 14, II).

O elemento subjetivo do injusto, como se sabe, é por vezes difícil de ser determinado, porquanto o autor da conduta não o verbaliza, limitando-se a praticar seu comportamento em busca de um desiderato enclausurado em sua psique.

A ausência de comunicação a terceiros do opróbrio motivador do delito, todavia, não impede aferir-se qual sua meta optata, notadamente quando se avalia, no contexto dos fatos e mediante o cotejo das provas colhidas, a maneira como se portou diante da cena criminosa.

Pois bem.

O acusado, conforme resultou amplamente demonstrado, colheu o ofendido com uma foice, golpeando-o violentamente em sua barriga, provocando perfuração tamanha que lesionou o pulmão direito do sujeito passivo.

É bem verdade que o sujeito ativo não desferiu outros golpes, embora, tudo indica, pudesse fazê-lo; ocorre, todavia, que não o fez por supor desnecessário. É que a vítima, com uma só foiçada, tombou inerte no chão e sangrou intensamente, fazendo com que o réu acreditasse haver consumado seu objetivo (ou seja, que tivesse produzido um ferimento efetivamente letal) e, a partir de então, passasse a se preocupar com a fuga do local.

 Parece-nos, desta feita, que a cessação do iter criminis foi involuntária, isto é, o ato consubstancia tentativa de homicídio.

Dessa forma, em que pesem as judiciosas ponderações da competente Promotora de Justiça, parece-nos que não cabe falar, na hipótese vertente, em desistência voluntária ou arrependimento eficaz (CP, art. 15). Isto porque a prova demonstra, como se ponderou, não ter o agente atingido sua meta por circunstâncias alheias à sua vontade.

Repise-se não existir dúvidas (ao menos nesta fase da persecução penal) quanto ao animus necandi, recomendando seja adotada a postura vislumbrada na r. decisão judicial.

Diante do exposto, designo o promotor de justiça com atuação no Tribunal do Júri (ou seu substituto automático, caso tal função seja exercida pela Ilustre Representante Ministerial oficiante no processo) para aditar a exordial, nos termos acima expostos, passando este a oficiar na causa até sua conclusão final. Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006. Expeça-se portaria. Publique-se a ementa.

                                                      

                                               São Paulo, 10 de dezembro de 2009.

 

 

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

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