Protocolado n.º 156.550/08 – CPP, art. 28

Processo n.º 1.785/07 – MM. Juízo da 5.ª Vara Criminal do Foro Central da Comarca da Capital

Réu: (...)

 

EMENTA: CPP, ART. 28. “MUTATIO LIBELLI” (CPP, ART. 384, §1º). ADITAMENTO DA DENÚNCIA DE ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR (CP, ART. 214) PARA ESTUPRO TENTADO (CP, ART. 213, C.C. ART. 14, II). DESNECESSIDADE. INICIAL QUE NARRA DETALHADAMENTE OS FATOS. PEDIDO DE DESCLASSIFICAÇÃO ELABORADO PELA DEFESA.

1. No caso dos autos, o Ministério Público imputou ao agente crime de atentado violento ao pudor consumado, mas ao final da instrução processual, entendeu o juiz que houve estupro tentado. O processo retornou, então, ao promotor de justiça para aditamento, tendo este se recusado a fazê-lo, motivo por que se aplicou o art. 28 do CPP.

2. A nova disciplina da mutatio libelli (Lei n. 11.719/08) deve ser interpretada sistemática e teleologicamente. Nesse sentido, não se pode perder de vista que o aditamento da denúncia (ou queixa-subsidiária) exigido pelo art. 384 do CPP funda-se no princípio da correlação entre acusação e sentença, cujos pilares são a inércia da jurisdição e a garantia constitucional da ampla defesa.

3. In casu, a denúncia contém narrativa detalhada da conduta do agente, em que se verificam as elementares objetivas (expressamente descritas) e subjetiva (implicitamente narrada) do estupro tentado, uma vez que os atos libidinosos configuraram nítido prelúdio à conjunção carnal.

4. Além disso, eventual desclassificação na sentença para crime de estupro tentado não trataria prejuízo algum à defesa do réu, porquanto tal solução foi expressamente requerida, em pedido subsidiário, nos memoriais escritos apresentados pela Defensoria Pública.

Solução: deixo de aditar a denúncia ou designar outro promotor de justiça para fazê-lo.

 

 

Cuida-se de ação penal movida pelo Ministério Público em face de (...), imputando-lhe, na denúncia de fls. 01-d/04-d, o crime previsto no art. 214 do CP.

Ao término da instrução processual, o i. Membro do Ministério Público ofereceu memoriais escritos, postulando a condenação do réu nos termos da denúncia (fls. 155/162). A d. Defensoria postulou, de sua parte, a absolvição do acusado e, subsidiariamente, a desclassificação do fato para estupro tentado (CP, art. 213, c.c. art. 14, II).

 

Conclusos para sentença, o MM. Juiz houve por bem baixar os autos, a fim de que o Representante Ministerial aditasse a acusação, já que o d. Magistrado entendeu presentes indícios de tentativa de estupro, em vez de atentado violento ao pudor consumado (fls. 167).

 

O i. Promotor de Justiça deixou de aditar a exordial, por lhe parecer desnecessário em face da narrativa nela contida (fls. 168). O MM. Juiz, então, aplicou o art. 28 do CPP (fls. 169).

 

                                      É o relatório.

 

                                      Com a devida vênia do d. Magistrado, assiste razão ao diligente Membro do Parquet.

 

                                      Deveras, é preciso interpretar o art. 384 do CPP, com redação dada pela Lei n. 11.719/08, de maneira sistemática e teleológica, e não puramente gramatical.

 

                                      Nesse sentido, é de se notar que o dispositivo em questão regula a mutatio libelli, figura intimamente ligada ao princípio da correlação entre acusação e sentença. Em outras palavras, as providências contidas no dispositivo citado, notadamente o aditamento da denúncia ou queixa-subsidiária, visa à que sempre se mantenha uma absoluta correspondência entre os fatos descritos pela acusação e aqueles apreciados na sentença.

 

                                      Pois bem. O princípio da correlação ou congruência baseia-se no princípio da inércia da jurisdição e na garantia da ampla defesa. Garante-se, por um lado, o ne procedat iudex ex officio e, por outro, assegura-se ao acusado o direito de somente se ver condenado pelos fatos que foram objeto da imputação e sobre os quais pode elaborar sua defesa.

 

                                      No caso dos autos, independentemente da discussão meritória (se houve atentado violento ao pudor ou estupro tentado), mostra-se desnecessária a aplicação do art. 384 do CPP.

 

                                      Significa afirmar que, se ao MM. Juiz parece ter ocorrido crime diverso, deve proferir decisão desclassificatória, sem a necessidade do aditamento.

 

É relevante notar que foi a própria defesa que trouxe aos autos a tese exposta a fls. 167. Sendo assim, seu reconhecimento judicial, além de não violar o ne procedat, posto que houve requerimento expresso da parte, não ofende a garantia da ampla defesa.

                                     

A narrativa elaborada na denúncia, ademais, mostra-se detalhada ao ponto de nela se verificarem, de modo expresso, as elementares objetivas do estupro (na forma tentada) e, de modo implícito, seu elemento subjetivo (posto que os atos libidinosos narrados constituíam evidente prelúdio para a conjunção carnal).

 

                                      Diante de tudo o quanto se expôs, deixo de aditar a denúncia ou de designar outro membro do Ministério Público para fazê-lo. Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 29 de dezembro de 2008.

 

FERNANDO GRELLA VIEIRA

Procurador-Geral de Justiça