Código de Processo Penal, art. 28

Protocolado n.º 157.136/14

Autos n.º 0028983-60.2012 - MM. Juízo da 3.ª Vara Criminal da Comarca de Taubaté

Indiciado: (...)

Assunto: revisão de promoção de arquivamento de inquérito policial

 

 

CPP, ART. 28. ARQUIVAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL. INDEFERIMENTO JUDICIAL. VIOLAÇÃO SEXUAL MEDIANTE FRAUDE (CP, ART. 215). ELEMENTO SUBJETIVO DO INJUSTO CORROBORADO PELAS CONTUNDENTES DECLARAÇÕES VITIMÁRIAS E PELO DEPOIMENTO DE TESTEMUNHA, IGUALMENTE VÍTIMA DE ABUSO POR PARTE DO MÉDICO. ÂNIMO LÚBRICO CONFIRMADO POR DIVERSOS ELEMENTOS INFORMATIVOS. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA QUE SE IMPÕE.

1.     Pelo que se revelou, a vítima compareceu ao consultório do autor (médico) e, durante a realização de exame físico, o sujeito introduziu insistentemente seu dedo, com luva e lubrificante, no ânus da ofendida, causando-lhe desconforto pela maneira lúbrica com a qual procedia, confirmada por comentários inoportunos efetuados pelo profissional, tais como indagar se o toque lhe machucava e, diante da negativa, questionar se ela estava gostando.

2.     O elemento subjetivo do injusto foi corroborado, ainda, pela atitude seguinte, quando desferiu dois tapas nas nádegas do sujeito passivo, afirmando com ar de deboche que iria limpá-lo, e ele poderia retornar outras vezes, pois o atenderia mesmo sem convênio.

3.     A vítima imediatamente saiu do recinto e comunicou o ocorrido a seu esposo, o qual voltou ao local, mas não conseguiu falar com o médico, pois este se recusou a atendê-lo, dirigindo-se ambos, então, à Polícia.

4.     Mostrou-se de extrema relevância, de modo a corroborar a narrativa vitimária, as declarações da Escrivã de Polícia, destacada para atuar no inquérito policial, a qual se considerou suspeita para atuar, porquanto também sofrera abuso sexual cometido pelo indiciado, não registrando a ocorrência à época por se sentir envergonhada, mas descreveu as atitudes por ele praticadas depondo neste autos, por ordem da d. autoridade policial, como testemunha.

5.     Como é cediço, em delitos sexuais as declarações vitimárias constituem prova bastante de autoria e materialidade. Não é outro o entendimento vigente na jurisprudência: (TJSP, Apelação Criminal n. 990.08.098171-4, Rel. Desembargador Machado de Andrade, j. em 12.02.2009; STJ, HC 7622/SP, Relator Ministro FELIX FISCHER, 5.ª Turma, julgado em 20.09.2007, publicado em DJ 12.11.2007, p. 253; STJ, R.Esp. 700.800/RS, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 22.03.2005, DJ 18.04.2005, p. 384).

6.     Pondere-se, não obstante, que mesmo existindo dúvida razoável a respeito da capitulação jurídica da conduta, há que se aplicar o princípio in dubio pro societate (STJ, Conflito de Competência n. 113.020, rel. MIN. OG FERNANDES, julgado em 23/03/2011).

7.     Não se pode perder de vista que o oferecimento de denúncia não traduz um juízo definitivo de censura, mas apenas a constatação da existência de um mínimo de embasamento para a deflagração do devido processo legal, pois: “... não se exige, na primeira fase da persecutio criminis, que a autoria e a materialidade da prática de um delito sejam definitivamente provadas, uma vez que a verificação de justa causa para a ação penal pauta-se em juízo de probabilidade, e não de certeza” (STJ, HC n. 100.296, rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, 5.ª TURMA, DJe de 01/02/2010).

Solução: designa-se outro promotor de justiça para oferecer denúncia e prosseguir nos ulteriores termos da ação penal.

 

Cuida-se de investigação penal instaurada visando à apuração do crime previsto no art. 215 do CP (violação sexual mediante fraude) cometido, em tese, por (...) em face de (...).

Encerradas as providências inquisitivas, o Douto Promotor de Justiça postulou o arquivamento do feito, entendendo frágeis os elementos de convicção reunidos, insuficientes para embasar o oferecimento de denúncia (fls. 287/292).

A MM. Juíza, contudo, discordou de tal solução, encaminhando a questão para análise desta Procuradoria-Geral de Justiça, nos termos do art. 28 do CPP (fls. 293/294).

Eis a síntese do necessário.

A razão se encontra com a Digníssima Julgadora, com a máxima vênia do Culto Representante Ministerial; senão, vejamos.

Trata-se de suposto crime contra a liberdade sexual cometido por médico em face de paciente quando, ao realizar exame clínico, aproveitou-se do contato íntimo e, em vez de se limitar à colheita de dados para formação de diagnóstico, deu vazão à sua lascívia.

Pelo que se revelou, a vítima compareceu ao consultório do autor e, durante a realização de exame físico, o sujeito introduziu insistentemente seu dedo, com luva e lubrificante, no ânus da ofendida, causando-lhe desconforto pela maneira lúbrica com a qual procedia, confirmada por comentários inoportunos efetuados pelo profissional, tais como indagar se o toque lhe machucava e, diante da negativa, questionar se ela estava gostando.

O elemento subjetivo do injusto foi corroborado, ainda, pela atitude seguinte, quando desferiu dois tapas nas nádegas de (...), afirmando com ar de deboche que iria limpá-la, e ela poderia retornar outras vezes, pois a atenderia mesmo sem convênio (fls. 17/18).

A vítima imediatamente saiu do recinto e comunicou o ocorrido a seu esposo (...), o qual voltou ao local, mas não conseguiu falar com o médico, pois este se recusou a atendê-lo (fls. 20/21).

(...) negou a conduta imputada (fls. 26/27).

(...), secretária do investigado à época dos fatos, confirmou o retorno do casal ao consultório, mas asseverou que o increpado negou-lhe o abuso citado (fls. 38/39).

Mostrou-se de extrema relevância, de modo a corroborar a narrativa de (...), as declarações da Escrivã de Polícia (...).

Esta se considerou suspeita para atuar funcionalmente no expediente, porquanto também sofrera abuso sexual cometido pelo indiciado, não registrando a ocorrência à época por se sentir envergonhada, mas descreveu as atitudes por ele praticadas depondo neste autos, por ordem da d. autoridade policial, como testemunha (fls. 205/208).

Esse fato, frise-se, embora não mais punível em virtude da decadência do direito de representação, robustece a narrativa da ofendida.

O médico (...), amigo do increpado, descreveu a dinâmica do exame, acrescentando que a presença de algum acompanhante do paciente não é obrigatória, mas não devem ser dados tapas nas nádegas do paciente (fls. 272/273).

O Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo arquivou a sindicância instaurada contra o sujeito, por não vislumbrar evidência de infração ao Código de Ética Médica (fls. 276/284).

Pois bem.

Há elementos mais do que hábeis para deflagração da persecução penal em juízo.

Como é cediço, em delitos sexuais as declarações vitimárias constituem prova bastante de autoria e materialidade. Não é outro o entendimento vigente na jurisprudência:

 

“Estupro – Art. 213, c.c. arts. 224, alínea “a” e 226, inciso II, na forma do art. 71, todos do Código Penal – Materialidade e autoria demonstradas – Padrasto que manteve relações sexuais com vítima de 13 anos de idade, mediante o uso de força e ameaça. Prova – palavra de vítima – Credibilidade” (TJSP, Apelação Criminal n. 990.08.098171-4, Rel. Desembargador Machado de Andrade, j. em 12.02.2009).

“A palavra da vítima representa viga mestra da estrutura probatória e a sua acusação firme e segura, em consonância com as demais provas, autoriza a condenação.” (TJDF, Ap. 10.389, DJU 15.5.90, p. 9859, Ap. 13.087, DJU 22.9.93, pp. 39109-20, in RBCCr 4/176, TJMG 128/367).

“A palavra da vítima, em sede de crime de estupro, ou atentado violento ao pudor, em regra, é elemento de convicção de alta importância, levando-se em conta que estes crimes, geralmente, não tem testemunhas, ou deixam vestígios” (STJ, HC 7622/SP, Relator Ministro FELIX FISCHER, 5.ª Turma, julgado em 20.09.2007, publicado em DJ 12.11.2007, p. 253).

“A palavra da vítima, nos crimes contra os costumes, quando em perfeita harmonia com outros elementos de certeza dos autos, reveste-se de valor probante e autoriza a conclusão quanto à autoria por ela apontada.” (STJ, HC 9289/SP, Ministro FERNANDO GONÇALVES, 6.ª TURMA, julgado em 18/10/1999, publicado em DJ 16.11.199, p. 230).

“CRIMINAL, RESP. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. ABSOLVIÇÃO EM SEGUNDO GRAU. REVALORAÇÃO DAS PROVAS. PALAVRA DA VÍTIMA. ESPECIAL RELEVO. AUSÊNCIA DE VESTÍGIOS. RECURSO PROVIDO” (STJ, R.Esp. 700.800/RS, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 22.03.2005, DJ 18.04.2005, p. 384).

Não há, por ora, qualquer razão plausível para se duvidar da versão apresentada por (...), corroborada pela narrativa da Escrivã (...).

Pondere-se, não obstante, que mesmo existindo dúvida razoável a respeito da capitulação jurídica da conduta, há que se aplicar o princípio in dubio pro societate, como se pode inferir do seguinte julgado:

 

“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PENAL. HOMICÍDIO, NA FORMA TENTADA, PRATICADO POR MILITAR CONTRA CIVIL. INQUÉRITO POLICIAL. NECESSIDADE DE EXAME DETALHADO E CUIDADOSO DO CONJUNTO PROBATÓRIO. PRINCÍPIO “IN DUBIO PRO SOCIETATE”. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM.

(...)

2. Os fatos serão melhor elucidados no decorrer do desenvolvimento da ação penal, devendo o processo tramitar no Juízo Comum, por força do princípio “in dubio pro societate” que rege a fase do inquérito policial, em razão de que somente diante de prova inequívoca deve o réu ser subtraído de seu juiz natural. Se durante o inquérito policial, a prova quanto à falta do “animus necandi” não é inconteste e tranqüila, não pode ser aceita nesta fase que favorece a sociedade, eis que não existem evidências inquestionáveis para ampará-la sem margem de dúvida.

(...)” (STJ, Conflito de Competência n. 113.020, rel. MIN. OG FERNANDES, julgado em 23/03/2011).

 

Não se pode perder de vista que o oferecimento de denúncia não traduz um juízo definitivo de censura, mas apenas a constatação da existência de um mínimo de embasamento para a deflagração do devido processo legal, pois:

 

“...não se exige, na primeira fase da persecutio criminis, que a autoria e a materialidade da prática de um delito sejam definitivamente provadas, uma vez que a verificação de justa causa para a ação penal pauta-se em juízo de probabilidade, e não de certeza” (STJ, HC n. 100.296, rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, 5.ª TURMA, DJe de 01/02/2010).

 

Diante do exposto, designa-se outro promotor de justiça para oferecer a peça inaugural, devendo prosseguir no feito em seus ulteriores termos.

Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n.º 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n.º 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria designando o substituto automático.

Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 17 de outubro de 2014.

 

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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