Código de Processo Penal, art. 28
Protocolado nº
16.706/09
Assunto: revisão
de arquivamento de inquérito policial
Ementa: CPP, ART. 28. PEDIDO DE
ARQUIVAMENTO LASTREADO PRESCRIÇÃO ANTECIPADA. INADMISSIBILIDADE POR FALTA DE
AMPARO LEGAL. INTERESSE DE AGIR PRESENTE. PRINCÍPIO DA OBRIGATORIEDADE DA AÇÃO
PENAL PÚBLICA. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA QUE SE IMPÕE.
2. Não se pode olvidar que a
atividade do Ministério Público na persecução penal, em delitos de ação penal
pública, rege-se pelo princípio da obrigatoriedade ou legalidade (CPP, art.
24).
3. Acrescente-se, também, que a tese
da prescrição pela pena em perspectiva lastreia-se no virtual reconhecimento da
prescrição retroativa, prevista no art. 110, §2º, do CP, cuja permanência em
nosso sistema penal é de todo conveniente e atenta contra uma Política Criminal
eficaz, notadamente na punição de delitos de baixa visibilidade.
Solução: designação de outro promotor de justiça para oferecer denúncia.
Cuida-se de termo circunstanciado instaurado para
apurar suposto crime de receptação culposa, praticado, em tese, por (...).
De início, o i. Membro do Ministério Público propôs
ao agente transação penal, a qual foi devidamente aceita (fls. 20/21), muito
embora não cumprida (fls. 26). Após, requereu fosse o autor do fato intimado
para efetuar o cumprimento, sob pena de oferecimento de denúncia e, tendo em
vista a inércia do agente, para comparecer à Promotoria de Justiça a fim de ser
advertido das consequências legais de sua contumácia (fls. 28). Ocorre,
entretanto, que o i. Promotor de Justiça, posteriormente, entendeu por bem
requerer o arquivamento dos autos, baseando-se na ocorrência da prescrição pela
pena em perspectiva (fls. 33/35).
A MM. Juíza discordou de tal posicionamento e, com fulcro
no art. 28 do CPP, remeteu o feito a esta Procuradoria Geral de Justiça (fls.
36).
É o relatório.
A tese em que se apoiou o requerimento ministerial
não pode ser abraçada por esta Procuradoria Geral de Justiça, em que pese seus
judiciosos fundamentos.
É preciso destacar que o exercício da ação penal
pública é regido pelo princípio da legalidade ou da obrigatoriedade (CPP, art.
24), de modo que, uma vez preenchidos os requisitos legais, notadamente a prova
da materialidade e os indícios de autoria, cumpre ao membro do Parquet oferecer denúncia (ou, quando
for o caso, propor a transação penal).
Não procede, ademais, o argumento de que a
imposição de pena, no futuro, provocará o reconhecimento da prescrição
retroativa (CP, art. 110, §2.º). Isto
porque se trata de hipótese sujeita a diversas contingências, entre as quais
não se pode excluir a possibilidade de que ocorra uma modificação na descrição
típica, ensejadora de crime mais grave (mutatio
libelli – art. 384 do CPP).
Não é só. A prescrição “antecipada” ou “virtual”
lastreia-se, como se ponderou acima, na prescrição retroativa. Tal modalidade
de prescrição constitui criação brasileira e se mostra única em todo o Mundo.
Sua insubsistência, inclusive, vem sendo sustentada pelo Colendo Colégio
Nacional de Procuradores-Gerais de Justiça, o qual manifestou expresso apoio e
auxílio técnico ao Projeto de Lei n. 1.383/2003, do Deputado Federal Antônio
Carlos Biscaia, que visa à supressão de dita modalidade de causa extintiva da
punibilidade.
Diversos são os defeitos da prescrição retroativa,
dentre os quais se destacam: (i) a violação aos fundamentos do instituto da
prescrição, que objetiva à punição da inércia do Estado, inexistente nesta
modalidade de causa extintiva do ius
puniendi estatal; (ii) a ofensa aos princípios da certeza, da
irredutibilidade e da utilidade dos prazos, porquanto lapsos temporais
cumpridos a seu tempo são desprezados, por conta de uma futura redução e
recontagem que se produz; (iii) a violação aos fundamentos das causas
interruptivas do prazo prescricional, os quais, uma vez verificados, encerram
um período que não mais deveria ser reaberto; (iv) ofensa à lógica formal,
porquanto ela se baseia numa sentença condenatória e, uma vez reconhecida, a
invalida, isto é, a sentença penal só é válida para declarar que não tem
validade...[1]
Daí se vê que esta Procuradoria Geral de Justiça
não poderia, por razões de Política Criminal, prestigiar fundamento jurídico
embasado na prescrição retroativa, como é o caso da chamada prescrição
“virtual” ou “antecipada”.
Não se pode
olvidar, por derradeiro, que a jurisprudência é firme ao rechaçar o instituto
acima, como se nota no seguinte julgado, prolatado pelo Egrégio Superior
Tribunal de Justiça:
“PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO
1. Inviável o reconhecimento de prescrição antecipada, por ausência de previsão legal. Trata-se,
ademais, de instituto repudiado pela jurisprudência desta Corte e do Supremo
Tribunal Federal, por violar o princípio da presunção de inocência e da
individualização da pena a ser eventualmente aplicada.
2. O fato de ainda encontrar-se em trâmite processo de execução
fiscal para a satisfação do crédito tributário é irrelevante para os fins
penais, uma vez que já houve o lançamento definitivo do crédito tributário em
questão.
3. Recurso a que se nega provimento”
(STJ, RHC n. 18.569, rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA,
DJe de 13/10/2008)
Diante do exposto, designo outro
promotor de justiça para oferecer denúncia e prosseguir nos ulteriores termos
da ação penal, facultando-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato
Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada
pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006. Expeça-se
portaria. Publique-se a ementa.
São Paulo, 09 de fevereiro de 2009.
Fernando
Grella Vieira
Procurador-Geral de Justiça
/aeal