Código de Processo Penal, art. 28

Protocolado n.º 170.600/11

Autos n.º 543/11 – MM. Juízo da 1.ª Vara Judicial da Comarca de Amparo

Autor do fato: (...)

Assunto: revisão de promoção de arquivamento de inquérito policial

 

 

EMENTA: CPP, ART. 28. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE (CTB, ART. 306). COMPROVAÇÃO DA EBRIEZ EFETUADA POR MEIO DE EXAME CLÍNICO. VALIDADE DA PROVA. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA QUE SE IMPÕE.

1.     A comprovação do estado de embriaguez, elementar do tipo, pode se dar por qualquer meio de prova, notadamente quando o agente se recusa a se submeter ao exame do etilômetro.

2.     Não é outro o entendimento da Colenda 5.ª Turma do Egrégio Superior Tribunal de Justiça: “A prova da embriaguez ao volante deve ser feita, preferencialmente, por meio de perícia (teste de alcoolemia ou de sangue), mas esta pode ser suprida (se impossível de ser realizada no momento ou em vista da recusa do cidadão), pelo exame clínico e, mesmo, pela prova testemunhal, esta, em casos excepcionais, por exemplo, quando o estado etílico é evidente e a própria conduta na direção do veículo demonstra o perigo potencial a incolumidade pública, como ocorreu no caso concreto." (STJ, RHC n. 26.432/MT, 5.ª Turma, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe de 22/02/2010; no mesmo sentido: STJ, HC 155.069/RS, Rel. Ministra LAURITA VAZ, 5.ª Turma, julgado em 06/04/2010, DJe de 26/04/2010).

3.                O delito em questão configura crime de perigo abstrato e sua descrição legal não atenta contra princípios constitucionais, até porque é científica e estatisticamente comprovado que a condução de veículo automotor por quem ingeriu álcool ou substâncias psicoativas em determinado patamar põe em risco a incolumidade física e a vida de terceiros, dada a diminuição dos reflexos, da percepção sensorial e motora, entre outros. Destaque-se o recente entendimento do Pretório Excelso nesse sentido: “I – A objetividade jurídica do delito tipificado na mencionada norma transcende a mera proteção da incolumidade pessoal, para alcançar também a tutela da proteção de todo corpo social, asseguradas ambas pelo incremento dos níveis de segurança nas vias públicas. II – Mostra-se irrelevante, nesse contexto, indagar se o comportamento do agente atingiu, ou não, concretamente, o bem jurídico tutelado pela norma, porque a hipótese é de crime de perigo abstrato, para o qual não importa o resultado. Precedente. III – No tipo penal sob análise, basta que se comprove que o acusado conduzia veículo automotor, na via pública, apresentando concentração de álcool no sangue igual ou superior a 6 decigramas por litro para que esteja caracterizado o perigo ao bem tutelado e, portanto, configurado o crime” (STF, HC n. 109.269/MG, Rel. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, j. em 27/09/2011, DJe de 11/10/2011).

 

Solução: designa-se outro promotor de justiça para oferecer denúncia e prosseguir nos ulteriores termos da ação penal.

 

Cuida-se de inquérito policial instaurado para apurar a conduta de (...) que, em tese, teria praticado o delito de embriaguez ao volante (CTB, art. 306).

Concluídas as diligências de Polícia Judiciária, o Douto Promotor de Justiça pugnou pelo arquivamento do procedimento asseverando que, em face da não-realização de exame do etilômetro ou toxicológico de dosagem alcoólica, não seria possível comprovar-se o nível de embriaguez (fls. 27/28).

A MM. Juíza, porém, discordando do posicionamento ministerial, encaminhou a questão para análise desta Procuradoria-Geral de Justiça, nos termos do art. 28 do CPP (fls. 29).

Eis a síntese do necessário.

Com a devida vênia do entendimento esposado pelo Ilustre Representante do Parquet, não lhe assiste razão.

Ressalte-se inicialmente que o tipo penal em tese infringido, antes da modificação trazida pela Lei n. 11.705/08, exigia expressamente que o agente conduzisse veículo “sob influência” de álcool ou substância análoga. Cuidava-se, portanto, de crime de perigo concreto. Com a alteração recentemente introduzida, o legislador retirou o requisito mencionado, transformando-o em crime de perigo abstrato.

Nada há de inconstitucional na construção típica em apreço, em que pese as opiniões contrárias de renomados juristas.

É preciso ponderar, na esteira dos ensinamentos de Fernando Capez, que são válidos e constitucionais os delitos de perigo presumido. Com efeito, ensina o autor que:

 

“...subsiste a possibilidade de tipificação dos crimes de perigo abstrato em nosso ordenamento legal, como legítima estratégia de defesa do bem jurídico contra agressões em seu estágio ainda embrionário, reprimindo-se a conduta, antes que ela venha a produzir um perigo concreto ou um dano efetivo. Trata-se de cautela reveladora de zelo do Estado em proteger adequadamente certos interesses. Eventuais excessos podem, no entanto, ser corrigidos pela aplicação do princípio da proporcionalidade” (Curso de direito penal, vol. 1, 4ª ed., São Paulo, Saraiva, 2002, p. 25).

 

Tendo em vista cuidar-se de delito de perigo presumido, torna-se despicienda a comprovação de que houve conduta anormal.

De outro lado, não é menos relevante anotar que, cientifica e estatisticamente, já se demonstrou que o fato de o motorista encontrar-se com determinado nível de álcool (ou substância psicoativa) em seu sangue reduz consideravelmente seus reflexos e percepção, provocando risco efetivo a ele próprio e a todos os demais que se encontram ao seu redor.

Bem por isso, não se admite como válido eventual argumento de que há violação ao princípio da ofensividade, na medida em que a conduta não produziria, de per si, riscos aos valores maiores (vida e integridade corporal) salvaguardados por nossa Constituição.

Mostra-se apta, ademais, a comprovação do estado de embriaguez, elementar do tipo, por qualquer meio de prova, notadamente quando o agente se recusa a se submeter ao exame do etilômetro ou a fornecer material para o exame de sangue.

Não é outro o entendimento do Egrégio Superior Tribunal de Justiça:

 

“A prova da embriaguez ao volante deve ser feita, preferencialmente, por meio de perícia (teste de alcoolemia ou de sangue), mas esta pode ser suprida (se impossível de ser realizada no momento ou em vista da recusa do cidadão), pelo exame clínico e, mesmo, pela prova testemunhal, esta, em casos excepcionais, por exemplo, quando o estado etílico é evidente e a própria conduta na direção do veículo demonstra o perigo potencial a incolumidade pública, como ocorreu no caso concreto."

(STJ, RHC n. 26.432/MT, 5.ª Turma, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe de 22/02/2010; no mesmo sentido: STJ, HC 155.069/RS, Rel. Ministra LAURITA VAZ, 5.ª Turma, julgado em 06/04/2010, DJe de 26/04/2010).

 

O Colendo Supremo Tribunal Federal, com relação ao tema, assim se manifestou:

 

HABEAS CORPUS. PENAL. DELITO DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. ART. 306 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO REFERIDO TIPO PENAL POR TRATAR-SE DE CRIME DE PERIGO ABSTRATO. IMPROCEDÊNCIA. ORDEM DENEGADA.

I – A objetividade jurídica do delito tipificado na mencionada norma transcende a mera proteção da incolumidade pessoal, para alcançar também a tutela da proteção de todo corpo social, asseguradas ambas pelo incremento dos níveis de segurança nas vias públicas.

II – Mostra-se irrelevante, nesse contexto, indagar se o comportamento do agente atingiu, ou não, concretamente, o bem jurídico tutelado pela norma, porque a hipótese é de crime de perigo abstrato, para o qual não importa o resultado. Precedente.

III – No tipo penal sob análise, basta que se comprove que o acusado conduzia veículo automotor, na via pública, apresentando concentração de álcool no sangue igual ou superior a 6 decigramas por litro para que esteja caracterizado o perigo ao bem tutelado e, portanto, configurado o crime.

IV – Por opção legislativa, não se faz necessária a prova do risco potencial de dano causado pela conduta do agente que dirige embriagado, inexistindo qualquer inconstitucionalidade em tal previsão legal.

V – Ordem denegada”

(HC 109269/MG, Rel. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, j. em 27/09/2011, DJe de 11/10/2011).

 

A perícia levada a efeito neste inquérito, portanto, mostra-se hábil como meio de prova, pois se encontra detalhada e aponta expressamente a embriaguez do agente, o qual apresentava seis decigramas de álcool por litro de sangue ou mais (fls. 12).

Não se afigura acertada, bem por isso, a solução excogitada pelo Ilustre Promotor de Justiça oficiante.

Diante do exposto, designo outro membro ministerial para oferecer denúncia e prosseguir no feito em seus ulteriores termos.

Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria, designando-se o substituto automático.  

Publique-se a ementa.

    

São Paulo, 05 de dezembro de 2011.

 

 

                        Fernando Grella Vieira

                        Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

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