Código de Processo Penal, art. 28
Protocolado n.º
177.675/11
Autos n.º 125/10 – MM. Juízo da 2.ª Vara Judicial
da Comarca de São Manuel
Réu: (...)
Assunto: recusa de aditamento da denúncia
por ocasião do encerramento da instrução criminal (CPP, art. 384, §1.º)
EMENTA: CPP, ART. 28. RECUSA QUANTO AO ADITAMENTO DA DENÚNCIA (CPP, ART. 384, §.1º). CONTROVÉRSIA RELATIVA AO ENQUADRAMENTO LEGAL DOS FATOS (LESÃO CORPORAL GRAVE OU TENTATIVA DE HOMICÍDIO). ADITAMENTO DA EXORDIAL QUE SE RECOMENDA.
1. A questão subjacente reside em estabelecer se o comportamento atribuído ao réu configura crime de lesão corporal grave (CP, art. 129, §1.º, II) ou tentativa de homicídio (CP, art. 121, c.c. art. 14, II). O elemento subjetivo do injusto, embora difícil de ser determinado, pode ser encontrado por meio de outros elementos. O autor da conduta, no mais das vezes, não o verbaliza, limitando-se a praticar seu comportamento em busca de um desiderato enclausurado em sua psique. A falta de comunicação a terceiros do opróbrio motivador do delito, todavia, não impede aferir-se qual sua meta optata, notadamente quando se avalia, no contexto dos fatos e mediante o cotejo das provas colhidas, a maneira como se portou diante da cena criminosa.
2. No caso em tela, o acusado deflagrou cinco tiros em direção à vítima e seu filho, atingindo a primeira, diante da precária iluminação do local, em flagrante caso de erro quanto à pessoa, pois pretendia atacá-lo.
3. De seu ato pode-se supor, ao menos, o dolo eventual, isto é, o
fato de que, com seu modo de agir, assumiu o risco de produzir a morte.
Conclusão: designo o promotor de justiça atuante perante o Tribunal do Júri para oferecer o aditamento à imputação inicial, cumprindo-lhe oficiar na causa até sua conclusão final.
Cuida-se de ação penal movida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO em face do réu
acima epigrafado, imputando-lhe, na denúncia de fls. 1-D/2-D, delito de lesão
corporal dolosa grave (CP, art. 129, § 1.º, I).
O feito teve regular seguimento e, ao final da instrução criminal, foram
apresentadas as razões finais por ambas as partes, tendo o Parquet propugnado pela condenação do acusado nos termos da peça
inicial (fls. 155/159).
A MM. Juíza, ao receber os autos conclusos, verificando que a prova
colhida indicava o cometimento de ilícito mais grave, qual seja, tentativa de
homicídio, como já frisara anteriormente (fls. 140), determinou o envio da
causa a esta Chefia Institucional, nos termos do art. 384, § 1.º, do CPP (fls.
169/172).
Eis a síntese do necessário.
A questão fundamental reside em saber se o comportamento atribuído ao
agente configura crime de lesão corporal grave (CP, art. 129, §1º, II) ou
tentativa de homicídio (CP, art. 121, c.c. art. 14, II).
O elemento subjetivo do injusto, como se sabe, é por vezes difícil de
ser determinado, porquanto o autor da conduta não o verbaliza, limitando-se a
praticar seu comportamento em busca de um desiderato enclausurado em sua
psique.
A ausência de comunicação a terceiros do opróbrio motivador do delito,
todavia, não impede aferir-se qual sua meta
optata, notadamente quando se avalia, no contexto dos fatos e mediante o
cotejo das provas colhidas, a maneira como se portou diante da cena criminosa.
Pois bem.
O acusado, conforme resultou demonstrado pelos depoimentos testemunhais e
requerimento formulado pela autoridade policial para que fosse decretada sua
prisão temporária, muito embora não se ignore que apresentou versão diversa,
corroborada por seus familiares, se dirigiu à residência da ofendida pouco após
a
Segundo dizia, buscava o responsável pelo arremesso de pedras em um
local conhecido como ponto de venda de drogas, acusando o esposo da vítima de
tê-lo feito.
De outra parte, o relacionamento com o filho de (...), (...), também não
era pacífico, porque a atual companheira do averiguado o fora anteriormente
dele.
No dia dos fatos, assim, o agente abriu o portão, ingressou no imóvel e
deflagrou cinco disparos na direção do filho da vítima, atingindo esta
acidentalmente, por confundi-la com a vítima visada.
No presente caso, deve-se frisar, houve erro quanto à pessoa, figura
prevista no art. 20, §3.º, do CP, eis que das provas infere-se ter o réu pretendido,
com os disparos, atingir (...), mas em razão da precária iluminação existente,
o confundiu com (...), colhendo-a gravemente.
De seu ato pode-se supor, ao menos, o dolo eventual, isto é, o fato de
que, com seu modo de agir, assumiu o risco de produzir a morte.
Tal figura, como é cediço, encontra-se traçada em nosso Código Penal, na fórmula abstrata do art. 18, inc. I, in fine, calcada na atitude subjetiva de assumir o risco de produzir o resultado.
A descrição legal, todavia, não é considerada pela doutrina como fiel à essência do dolus eventualis, como adverte, entre outros, HELENO CLÁUDIO FRAGOSO (Lições de Direito Penal, A nova Parte Geral, 8ª edição, Rio de Janeiro, Forense, 1985, pág. 178).
O delineamento dessa modalidade de dolo ocorre quando o sujeito prevê o resultado como possível e o aceita ou com ele consente.
Há, portanto, a representação do evento, isto é, o desfecho gravoso passa pela mente do autor, aliada à sua aquiescência, ou seja, à indiferença quanto à sua produção. Como ensina DAMÁSIO DE JESUS:
“A vontade não se dirige ao resultado
(o agente não quer o evento), mas sim à conduta, prevendo que esta pode
produzir aquele. Percebe que é possível
causar o resultado e, não obstante, realiza o comportamento. Entre
desistir da conduta e causar o resultado, prefere que este se produza” (Direito Penal, Vol. 1, São Paulo,
Saraiva, 2008, pág. 288).
Essa anuência à produção do resultado não é, jamais, verbalizada ou mesmo confessada. Não requer, ademais, consentimento explícito e formalmente demonstrado. O único meio de se aferir essa postura psíquica se dá por meio do exame do comportamento exterior. Jamais o indiciado, com efeito, irá declarar perante a autoridade que previu e não se importou com o evento. O inquérito policial sub examen não foge à regra.
Neste diapasão, o que se deve perquirir é identificar no pensamento do autor da conduta a seguinte postura psicológica:
"vejo o perigo, sei de sua
possibilidade, mas, apesar disso, dê no que der, vou praticar o ato arriscado"
(FRANCISCO DE ASSIS TOLEDO. Princípios básicos de Direito Penal, 5.ª edição, 10.ª Tiragem, São Paulo,
Saraiva, 2002, pág. 303).
Nessa forma de dolo, ensina LUIZ LUISI,
"o agente se propõe a
determinado fim e na representação dos meios a serem usados, bem como na forma
de operá-los, prevê a possibilidade de ocorrerem determinadas conseqüências.
Quando o agente, apesar de prever essas conseqüências como possíveis - e embora
não as deseje - tolera, consente, aprova ou anui na efetivação das mesmas, não
desistindo de orientar sua ação no sentido escolhido e querido para atingir o
fim visado, consciente da possibilidade das consequências de tal opção, o dolo,
com relação às conseqüências previstas como possíveis, é eventual" (O
tipo penal e a teoria finalista da ação, Porto Alegre, A Nação Editora,
1979, pág. 74[1]).
A prova examinada demonstra que o increpado não se deixou dissuadir da execução do fato pela possibilidade, e até mesmo probabilidade, dele conhecida, de causar danos pessoais e gravíssimos às vítimas, inclusive de natureza letal.
Repita-se que o aplicador do Direito, na pesquisa do dolo eventual, deve se valer das circunstâncias exteriores.
De conferir-se, nesta linha, a clássica lição de NELSON HUNGRIA:
"Como reconhecer-se a voluntas
ad necem? Desde que não é possível pesquisá-lo no foro íntimo do agente,
tem-se de inferi-lo dos elementos e circunstâncias do fato externo. O fim do
agente se traduz, de regra, no seu ato" (Comentários ao Código Penal,
5.ª edição, Rio de Janeiro, Forense, 1955, vol. V, pág. 49).
Há, destarte, elementos bastantes para se inferir o dolus eventualis.
Dessa forma, em que pesem as judiciosas ponderações do competente Representante
Ministerial, parece-nos que não cabe falar, na hipótese vertente, em animus laedendi.
Repise-se não existir dúvidas (ao menos nesta fase da persecução penal) quanto
ao animus necandi, recomendando seja
adotada a postura vislumbrada na r. decisão judicial.
Diante do exposto, designo o promotor de justiça com atuação no Tribunal
do Júri (ou seu substituto automático, caso tal função seja exercida pelo
Ilustre Membro do Parquet oficiante
no processo) para aditar a exordial, nos termos acima expostos, passando este a
intervir na causa até sua conclusão final.
Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302
(PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo
n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.
Expeça-se portaria. Publique-se a ementa.
São Paulo, 16
de dezembro de 2011.
Procurador-Geral
de Justiça
/aeal
[1] Apud JESUS,
Damásio de. O caso da morte do indígena Pataxó – Hã-Hã-Hãe Galdino Jesus dos
Santos. São Paulo: Complexo Jurídico Damásio de Jesus, out. 1997. Disponível
em: <www.damasio.com.br>.