Código de Processo Penal, art. 28

 

Protocolado n.º 17.947/10

Autos n.º 203/09 – MM. Juízo da 1.ª Vara Judicial da Comarca de Ubatuba

Réu: (...)

Assunto: recusa de aditamento da denúncia por ocasião do encerramento da instrução criminal (CPP, art. 384, §1.º)

 

 

 

EMENTA: CPP, ART. 28. RECUSA QUANTO AO ADITAMENTO DA DENÚNCIA (CPP, ART. 384, §1º). CONTROVÉRSIA RELATIVA AO ENQUADRAMENTO LEGAL DOS FATOS (DANO QUALIFICADO OU TENTATIVA DE LESÃO CORPORAL). “ABERRATIO CRIMINIS” OU RESULTADO DIVERSO DO PRETENDIDO (CP, ART. 74). POSTURA QUE DEVE SER GUIADA PELO ELEMENTO SUBJETIVO DO INJUSTO. ADITAMENTO DA EXORDIAL QUE SE RECOMENDA.

1.      A questão subjacente reside em estabelecer se o comportamento atribuído ao réu configura crime de dano qualificado (CP, art. 163, par. ún., III) ou tentativa de lesão corporal leve (CP, art. 129, caput, c.c. art. 14, II). O elemento subjetivo do injusto, embora difícil de ser determinado, pode ser encontrado por meio de outros elementos. O autor da conduta, no mais das vezes, não o verbaliza, limitando-se a praticar seu comportamento em busca de um desiderato enclausurado em sua psique. A falta de comunicação a terceiros do opróbrio motivador do delito, todavia, não impede aferir-se qual sua meta optata, notadamente quando se avalia, no contexto dos fatos e mediante o cotejo das provas colhidas, a maneira como se portou diante da cena criminosa.

2.      No caso em tela, o acusado arremessou o objeto na direção da testemunha, nitidamente visando a atingi-la. Não há falar-se, contudo, em resultado diverso do pretendido, já que a vidraça configurava obstáculo natural que se interpunha entre ambos. Destruí-la, portanto, era necessário para atingir seu desiderato. Houve, destarte, dolo (ao menos eventual) de danificá-la.

3.      O aditamento à denúncia, em semelhante contexto, deve se dar não para substituir a imputação bem descrita na denúncia, mas para acrescentar o crime contra a pessoa acima mencionado.

Conclusão: adito a petição inicial e determino o retorno dos autos à origem a fim de que a causa tenha seu regular desfecho.

 

Cuida-se de ação penal movida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO em face do réu acima epigrafado, imputando-lhe delito de dano qualificado.

O feito teve regular seguimento e, ao final da instrução criminal, foram apresentadas as razões finais por ambas as partes.

O MM. Juiz, ao receber os autos conclusos para sentença, verificou que a prova colhida indicava o cometimento de outro ilícito, qual seja, tentativa de lesão corporal leve e, por conta disto, determinou o envio da causa ao Douto Representante Ministerial (fls. 129/131).

Este, contudo, insistiu no pedido de condenação deduzido, elaborado em consonância com o tipo penal descrito na denúncia (fls. 133), razão pela qual se aplicou o art. 28 do CPP, com a remessa do feito a esta Procuradoria Geral de Justiça (fls. 136/138).

Eis a síntese do necessário.

A questão fundamental reside em saber se o comportamento atribuído ao agente configura crime de lesão corporal leve (CP, art. 129, caput, c.c. art. 14, II) ou dano qualificado (CP, art. 163, par. ún., III).

O elemento subjetivo do injusto, como se sabe, é por vezes difícil de ser determinado, porquanto o autor da conduta não o verbaliza, limitando-se a praticar seu comportamento em busca de um desiderato enclausurado em sua psique.

A ausência de comunicação a terceiros do opróbrio motivador do delito, todavia, não impede aferir-se qual sua meta optata, notadamente quando se avalia, no contexto dos fatos e mediante o cotejo das provas colhidas, a maneira como se portou diante da cena criminosa.

Pois bem.

O acusado, conforme resultou demonstrado, pretendia, com o arremesso do objeto, atingir a testemunha; confira-se:

 

“J: Qual o intuito dele, qual a sensação que o senhor teve que ele queria? D: Na hora que bateu a pedra foi tão forte, mas o pára-brisa segurou, mas veio em direção ao meu tórax” (fls. 97).

 

Ficou evidente que o objetivo somente não se logrou porque o denunciado não conseguiu imprimir força suficiente para romper o vidro e, conforme pretendia, ferir a vítima visada.

É de ver, entretanto, que diversamente do quanto sugeriu o MM. Juiz, a imputação do dano deve subsistir, concomitantemente com o delito contra a pessoa (em concurso formal – art. 70 do CP).

Isto porque a vidraça não foi atingida por erro, mas dolosamente (no mínimo, dolus eventualis). O autor da conduta efetivamente pretendia estilhaçá-la e, rompendo-a, lesionar o ofendido. Significa que a consecução de seu desiderato dependia da destruição efetiva do patrimônio alheio.

Diante do exposto, adito a denúncia para incluir na imputação o crime de lesão corporal dolosa leve, na forma tentada, nos seguintes termos:

 

Nas circunstâncias de tempo e lugar mencionadas na denúncia de fls. 02-d/04-d, ANTÔNIO CARLOS DOS SANTOS, qualificado nos autos, tentou ofender a integridade corporal de JOSÉ ADELSON OLIVEIRA, arremessando contra ele uma pedra, que somente não o atingiu por circunstâncias alheias à sua vontade, já que não empregou força suficiente para romper a vidraça que o separava da vítima visada. Diante do exposto, reitero todos os termos da exordial e acrescento à imputação, em concurso formal (CP, art. 70), a infração capitulada no art. 129, caput, c.c. art. 14, II, do CP”.

 

Diante do exposto, determino o retorno dos autos à origem, a fim de que a causa tenha seu regular desfecho. Publique-se a ementa.

                                                     

    São Paulo, 09 de fevereiro de 2010.

 

 

 

                Fernando Grella Vieira

             Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

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