Código de Processo Penal, art. 28

 

Protocolado nº 18.327/09

Processo nº 838/08 – MM. Juízo da 10ª Vara Criminal do Foro Central da Comarca da Capital

Ré: (...)

Assunto: revisão de recusa de aditamento da denúncia (CPP, art. 384)

 

Ementa: CPP, art. 28. Aditamento da denúncia na fase do art. 384 do CPP. Recusa ministerial. Divergência que toca somente ao enquadramento legal dos fatos. Inaplicabilidade do art. 384 do CPP. Caso de “emendatio libelli”. Inteligência do art. 383 do CPP.

1.      A recusa em aditar a denúncia efetuada pelo Representante do Ministério Público não impede a prolação de sentença quando a descrição da peça acusatória, em conformidade com as provas produzidas, autoriza a prolação da édito condenatório, ainda que por crime diverso do capitulado na exordial.

2.      Quando se trata de suposta correção da tipificação legal dos fatos, não se faz necessário o aditamento, uma vez que a sistemática contida no art. 384 do CPP visa à observância do princípio da correlação entre os fatos descritos na exordial e aqueles apreciados na sentença. Suposto defeito na classificação jurídica pode ser corrigido na sentença, a teor do art. 383 do CPP.

Solução: deixo de aditar a denúncia ou de designar outro promotor de justiça para fazê-lo.

 

 

         A presente ação penal foi movida pelo Ministério Público em face da ré, imputando-lhe crime de uso de documento público falsificado (CP, art. 304, c.c. art. 297).

         Ao término da instrução processual, o competente Representante do Parquet ofereceu memorais escritos, pugnando pela condenação da acusada nos termos da denúncia (fls. 154/157).

         A defesa manifestou-se a fls. 161/166. Como tese principal, requereu a absolvição da ré por falta de provas ou o reconhecimento de estado de necessidade em sua ação; em caráter subsidiário, postulou a aplicação da atenuante da confissão e a concessão de regime inicial aberto para cumprimento da pena privativa de liberdade.

         O MM. Juiz, ao receber os autos conclusos para sentença, entendeu que o fato cometido não constituía o crime descrito na peça inaugural; em função disto, baixou o processo e o remeteu ao Ministério Público para aditamento da acusação (fls. 170/172). Em face da recusa ministerial (fls. 177 e verso), aplicou o disposto no art. 28 do CPP (fls. 180).

         É o relatório.

         A controvérsia estabelecida neste expediente refere-se fundamentalmente a respeito da classificação jurídica adequada para o comportamento delitivo praticado pela ré.

         Nesse sentido, é preciso enfatizar que tanto o i. Membro do Parquet quando o MM. Juiz são acordes quanto à circunstância de ter sido a agente surpreendida por funcionários de uma agência bancária tentando abrir conta corrente com documentos falsos. Eis a conduta que se atribuiu à denunciada e sobre a qual exerceu seu direito constitucional à ampla defesa (CF, art. 5º, LV).

         Ocorre, todavia, que tal ação configurou, no entender do diligente Promotor de Justiça, crime de uso de documento público falsificado, tendo ele a tipificado no art. 304 do CP.

         Para o i. Magistrado, entretanto, não se trata de crime contra a fé pública, mas de delito patrimonial, pois, como assinalou em sua r. decisão de fls. 170/173, “diante do próprio teor da denúncia e das provas existentes nos autos, o delito, em tese, praticado pela acusada é outro”.

Ora, se o próprio teor da denúncia sugere o cometimento do estelionato, resta evidente, com a devida vênia do MM. Juiz, que não é caso de aditar a peça acusatória.

Não se pode ignorar, inclusive, que a d. defensoria, em momento algum, aduziu que o comportamento imputado à ré encontrar-se-ia divorciado da realidade fática ou mesmo (quanto ao tipo penal violado) da prova.

         Cumpre assinalar que o art. 384 do CPP regula a mutatio libelli, figura intimamente ligada ao princípio da correlação (ou congruência) entre acusação e sentença. Em outras palavras, as providências contidas no dispositivo citado, notadamente o aditamento da denúncia ou queixa-subsidiária, visam à que sempre se mantenha uma absoluta correspondência entre os fatos descritos pela acusação e aqueles apreciados na sentença.

         Pois bem. O princípio da correlação ou congruência baseia-se no princípio da inércia da jurisdição e no princípio da ampla defesa. Garante-se, por um lado, o ne procedat iudex ex officio e, por outro, assegura-se ao acusado o direito de somente se ver condenado pelos fatos que foram objeto da acusação e sobre os quais pode elaborar sua defesa.

No caso dos autos, independentemente da discussão meritória (se houve falso ou estelionato), mostra-se descabida a aplicação do art. 384 do CPP.

         Significa afirmar que, se ao juiz parece ter ocorrido crime diverso, deve proferir decisão desclassificatória, sem a necessidade do aditamento, a teor do que determina o art. 383 do CPP (emendatio libelli).

Diante do exposto, deixo de aditar a denúncia ou de designar outro promotor de justiça para fazê-lo.

Publique-se a ementa.

São Paulo, 11 de fevereiro de 2009.

 

                        Fernando Grella Vieira

                        Procurador-Geral de Justiça

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