Código de Processo Penal, art. 28
Protocolado n.º 18.379/11
Inquérito
Policial n.º 380/2010 – MM. Juízo da 2.ª Vara Criminal
da Comarca de Itaquaquecetuba
Indiciado: (...)
Assunto:
revisão de arquivamento de inquérito policial
EMENTA: CPP, ART. 28. ESTUPRO DE VULNERÁVEL (CP, ART. 217-A). VÍTIMA MENOR DE 14 ANOS. VALOR PROBANTE DE SUAS DECLARAÇÕES. VALIDADE. NARRATIVA CONFIRMADA POR OUTROS ELEMENTOS DE INFORMAÇÃO. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA QUE SE IMPÕE.
1. Os crimes contra a dignidade sexual, em sua maioria, são cometidos na clandestinidade, de modo que as declarações vitimárias tornam-se fundamentais para a formação da opinio delicti. A questão se torna delicada quando não há vestígios do contato sexual (até porque muitos destes não deixam quaisquer marcas ou sinais) e o ofendido é criança (já que tais pessoas, em face de sua tenra idade, tendem a fantasiar situações ou até mesmo serem alvo de manipulação por terceiros). Daí porque se mostra necessário o confronto crítico desta prova com outros elementos informativos. Na hipótese dos autos, a confiabilidade das declarações infantis foi corroborada por avaliação psicológica e por relatos de terceiros, para os quais a ofendida relatou o ocorrido.
2. Deve-se
obtemperar que a deflagração do devido processo legal, por meio do ajuizamento
da denúncia, não depende de provas cabais, senão de um conjunto de elementos
que permita assegurar-se da existência do fato e indícios de autoria. Não se
trata, portanto, de efetuar um juízo definitivo de censura, mas apenas de se
constatar a existência de um mínimo de embasamento para a deflagração do devido
entendimento de nossos tribunais. De acordo com o Egrégio Superior Tribunal de
Justiça: “não se exige, na primeira fase
da persecutio criminis, que a autoria
e a materialidade da prática de um delito sejam definitivamente provadas, uma
vez que a verificação de justa causa para a ação penal pauta-se em juízo de
probabilidade, e não de certeza” (HC n. 100.296, rel. Min. ARNALDO ESTEVES
LIMA, 5.ª TURMA, DJe de
Solução: designação de outro promotor de justiça para oferecer denúncia e prosseguir nos ulteriores termos da ação penal.
O presente inquérito foi instaurado visando à apuração do delito de estupro de vulnerável (CP, art. 217-A), que teria sido perpetrado, em tese, por (...), tendo como vítima a criança (...).
O Ilustre Promotor de Justiça postulou o arquivamento do feito, aduzindo que os elementos coligidos não se mostraram suficientes para embasar o devido processo legal (fls. 51/52).
O MM. Juiz, contudo, discordando de tal posicionamento, aplicou à espécie o art. 28 do CPP, promovendo a remessa do expediente a esta Procuradoria-Geral de Justiça (fls. 56/57).
Eis a síntese do necessário.
Com a devida vênia do ilustre Membro do Parquet, parece-nos que há nos autos lastro probatório bastante para embasar o ajuizamento da ação.
O objeto da investigação consistiu em apurar o abuso sexual praticado contra a menina (...). O fato foi comunicado à Polícia por sua genitora, (...), a qual asseverou ter deixado a filha na residência de uma vizinha, (...), enquanto trabalhava, tendo esta lhe contado, com base no relato da própria infante, que um morador das proximidades a levara para sua casa prometendo-lhe doces e, depois de perguntar-lhe se havia urinado, abaixou sua calça e esfregou a língua em sua região genital, dando-lhe a seguir uma moeda de vinte e cinco centavos.
Os depoimentos encontram-se encartados a fls. 06, 16 e 22 e se mostraram todos eles uniformes.
O averiguado, em suas declarações, negou a prática do crime (fls. 23).
Não se logrou constatar vestígios de qualquer ato libidinoso, consoante se verifica no laudo de fls. 25/26, resultado que, pela natureza do contato íntimo, era mesmo de antever.
Registre-se, por fim, que a ofendida foi submetida a avaliação psicológica, encontrando-se o respectivo parecer a fls. 47/49.
Pois bem.
Do confronto crítico das provas reunidas infere-se existir prova de que a menor foi vítima do delito sexual noticiado.
Além do depoimento consistente da pequena ofendida, corroborado por sua genitora e pela vizinha que dela cuidava, o relatório psicológico expedido pelo “Centro de Referência Especializado de Assistência Social” concluiu que:
“Diante dos fatos aquilatados na
entrevista de avaliação e consultando os anexos contendo as cópias dos autos
observamos que (...) descreve sem demonstração se estar fantasiando, a situação
de abuso sexual em que o Sr. (...), a seduziu para ir a sua casa em troca de
moedas e praticou Atos Libidinosos. (...) demonstrou toda imaturidade própria
de sua idade cronológica (08 anos), reforçou que desejava os doces, o
acompanhou e vivenciou uma situação que normalmente as genitoras orientam suas
filhas. Entretanto, vislumbrava os doces de uma pessoa da qual a princípio
conhecia e não pensou no risco da situação apresentada, pois reforçou não ter
recebido doces e sim moedas, sendo fato, que este vizinho buscou agradar a
criança para conseguir seus propósitos...” (fls. 49).
Com respeito à autoria, o panorama não difere, tendo em vista
os mesmo elementos já destacados. Não houve, é bem verdade, testemunhas
presenciais do ocorrido; todavia, da maneira como foi o ato cometido, não se
poderia esperar algo diferente. Vale registrar que, em casos como o presente:
“A
palavra da vítima, em sede de crime de estupro, ou atentado violento ao
pudor, em regra, é elemento de convicção de alta importância, levando-se em
conta que estes crimes, geralmente, não tem testemunhas, ou deixam vestígios”
(HC 7622/SP, HABEAS CORPUS 2007/0063667-5, I. Ministro FELIX FISCHER, 5ª Turma,
julgado em
Cumpre sublinhar que não se trata de fazer um juízo definitivo de censura, mas apenas de se constatar a existência de um mínimo de embasamento para a deflagração do devido processo legal. Não é outro, aliás, o entendimento de nossos tribunais:
“não
se exige, na primeira fase da persecutio criminis, que a autoria e a materialidade da prática de um delito sejam
definitivamente provadas, uma vez que a verificação de justa causa para a ação
penal pauta-se em juízo de probabilidade, e não de certeza” (STJ, HC n.
100.296, rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, 5.ª TURMA, DJe de
O oferecimento de denúncia, com a deflagração da “persecutio criminis in judicio”, assim, é a medida que se mostra adequada.
Diante do exposto, designo outro promotor de justiça para propor a peça exordial, devendo prosseguir nos ulteriores termos do processo.
Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato
Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de
Expeça-se portaria designando o substituto automático.
Publique-se a ementa.
São
Paulo,
Fernando Grella Vieira
Procurador-Geral de Justiça
/aeal