Código de Processo Penal, art. 28

Protocolado n.º 21.025/16

Autos n.º 0000077-94.2016.8.26.0536 – MM. Juízo da 1.ª Vara Criminal da Comarca de Santos

Indiciado: FABIANO PERES DA SILVA

Assunto: análise de promoção de arquivamento parcial de inquérito policial

 

EMENTA: CPP, ART. 28. ADITAMENTO DA DENÚNCIA DETERMINADO NO DESPACHO LIMINAR. INCLUSÃO DE NOVO CRIME (DANO QUALIFICADO – CP, ART. 163, PAR. ÚN., INC. III). PRESO QUE DANIFICA O VIDRO DA VIATURA POLICIAL. SUPOSTA INTENÇÃO DE FUGA. AUSÊNCIA DE ELEMENTO SUBJETIVO ESPECÍFICO NO TIPO PENAL. CRIME, EM TESE, CARACTERIZADO. EMENDA À EXORDIAL QUE SE IMPÕE.

1.      O debate trazido para análise desta Chefia Institucional diz respeito ao cometimento do dano qualificado (CP, art. 163, parágrafo único, inciso III).

2.      Sob o ponto de vista fático, não há nos autos qualquer elemento informativo que corrobore a tese segundo a qual o agente, ao destruir o vidro da viatura, intentava fugir. Pelo contrário, as declarações da testemunha auscultada no auto de prisão em flagrante demonstram que sua atitude foi motivada pelo inconformismo ao ver sua companheira igualmente detida pelos milicianos.

3.      Sob o aspecto jurídico, parece-nos igualmente que a tese não comporta acolhida. Trata-se, aqui, da clássica divergência doutrinária e jurisprudencial, consistente em saber se o preso que destrói patrimônio público, visando à fuga, incorre no crimen retro citado. A discussão gravita em torno da existência (ou não) de elemento subjetivo específico no tipo penal em questão. As elementares contidas na cabeça do artigo contém elementos de ordem puramente objetiva: “destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia”. Daí já se nota que, com a devida vênia da tese abraçada pela competente Promotora de Justiça oficiante, atribuir ao tipo requisitos não exigidos no texto legal é criar embaraços inexistentes à correta aplicação da lei penal. Cuida-se o dano de crime doloso, para o qual basta a consciência e vontade de destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia. A lei não especifica qualquer finalidade ulterior, de modo a se diferenciar entre dano (doloso) punível ou impunível e, onde a lei não distinguiu, não cabe ao intérprete fazê-lo. Acrescente-se, ainda, que o parágrafo único, ao dispor a respeito do dano qualificado, determina a imposição de pena mais severa, v.g., quando o delito é cometido por motivo egoístico (inc. IV, primeira figura). Eis aí um elemento subjetivo específico. Ora, se o propósito do agente se traduz na satisfação de um desejo egoístico, incorre na citada qualificadora, sendo outra sua finalidade, comete dano simples (salvo se presente outra exasperante – como no caso em tela). É relevante anotar que, in casu, o comportamento do agente resultou em danos materiais ao patrimônio público, sendo o fundamento político criminal da maior punibilidade do ato a natureza dos bens lesados, que constituem res publicae, de modo que toda a sociedade arca com sua reparação.

Solução: designa-se outro promotor de justiça para aditar a denúncia e prosseguir no feito em seus ulteriores termos.

 

 

Cuida-se de ação penal movida pelo Ministério Público em face de FABIANO PERES DA SILVA imputando-lhe o crime descrito no art. 155, caput, do CP.

Segundo consta dos autos, no dia 04 de janeiro de 2016, o indiciado subtraiu para si uma bicicleta pertencente a AMANDA DE MATOS SABATO.

O agente fora visto por uma testemunha, que acionou a Polícia, a qual logrou prendê-lo em flagrante e apreender a res furtivae.

O autor da conduta, depois de contido e colocado no interior da viatura, vendo sua companheira também ser presa em flagrante, pois praticara, segundo os policiais, desacato, passou a bater violentamente a cabeça contra o vidro da viatura, até estilhaça-lo por completo.

Ao oferecer a peça acusatória, a Douta Promotora de Justiça postulou o arquivamento parcial dos autos, notadamente no que tange ao dano qualificado (decorrente da quebra do vidro do automóvel oficial) e ao desacato (fls. 48/49).

O MM. Juiz, contudo, discordou do posicionamento referente ao delito patrimonial conexo e, refutando os argumentos expostos na manifestação ministerial (ausência de elemento subjetivo específico dado ao propósito de fuga), nos planos jurídico e fático, determinou a remessa dos autos para análise desta Procuradoria-Geral de Justiça, com fulcro no art. 28 do CPP (fls. 50/51).

Eis a síntese do necessário.

A razão se encontra com Digníssimo Julgador, com a devida vênia da Ilustre Promotora de Justiça; senão, vejamos.

O debate trazido para análise desta Chefia Institucional diz respeito ao cometimento do dano qualificado (CP, art. 163, parágrafo único, inciso III).

Sob o ponto de vista fático, não há nos autos qualquer elemento informativo que corrobore a tese segundo a qual o agente, ao destruir o vidro da viatura, intentava fugir. Pelo contrário, as declarações da testemunha auscultada a fls. 05 demonstram que sua atitude foi motivada pelo inconformismo ao ver sua companheira igualmente detida pelos milicianos.

Sob o aspecto jurídico, parece-nos igualmente que a tese não comporta acolhida.

 Trata-se, aqui, da clássica divergência doutrinária e jurisprudencial, consistente em saber se o preso que destrói patrimônio público, visando à fuga, incorre no crimen retro citado.

A discussão gravita em torno da existência (ou não) de elemento subjetivo específico no tipo penal em questão.

As elementares contidas na cabeça do artigo contém elementos de ordem puramente objetiva: “destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia”.

Daí já se nota que, com a devida vênia da tese abraçada pela competente Promotora de Justiça oficiante, atribuir ao tipo requisitos não exigidos no texto legal é criar embaraços inexistentes à correta aplicação da lei penal.

Cuida-se o dano de crime doloso, para o qual basta a consciência e vontade de destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia. A lei não especifica qualquer finalidade ulterior, de modo a se diferenciar entre dano (doloso) punível ou impunível e, onde a lei não distinguiu, não cabe ao intérprete fazê-lo.

Acrescente-se, ainda, que o parágrafo único, ao dispor a respeito do dano qualificado, determina a imposição de pena mais severa, v.g., quando o delito é cometido por motivo egoístico (inc. IV, primeira figura). Eis aí um elemento subjetivo específico. Ora, se o propósito do agente se traduz na satisfação de um desejo egoístico, incorre na citada qualificadora, sendo outra sua finalidade, comete dano simples (salvo se presente outra exasperante – como no caso em tela).

DAMÁSIO DE JESUS leciona que:

 

“o elemento subjetivo do tipo do crime de dano é simplesmente o dolo, a vontade de destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia. O tipo não exige qualquer outro elemento subjetivo ulterior” (Código Penal Anotado. 17.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006. pág. 621-622­).

 

         GUILHERME NUCCI, de sua parte, pondera que:

 

“não se exige, no tipo penal, qualquer elemento subjetivo específico, consistente na intenção de causar prejuízo. Logo, se destruir ou deteriorar a cela para escapar, merece responder pelo que fez” (Código Penal Comentado. 3ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. pág. 555).

 

         Nossos tribunais possuem precedentes nesse sentido:

 

“EMENTA: PENAL. PROCESSUAL PENAL. "HABEAS CORPUS". CRIME DE DANO. PRESO QUE DANIFICA A CELA PARA FUGIR. EXIGÊNCIA APENAS DO DOLO GENÉRICO. CP, art. 163, paragrafo único, III.

I. - Comete o crime de dano qualificado o preso que, para fugir, danifica a cela do estabelecimento prisional em que esta recolhido. Cód. Penal, art. 163, parag. único, III.

II. - O crime de dano exige, para a sua configuração, apenas o dolo genérico.

III. - H.C. indeferido”.

(STF, H.C. n. 73189, rel. Min. CARLOS VELLOSO,  DJU de 29-03-1996, pág. 9.346).

 

Vide, ainda, TAMG, RT 708/345 e 740/676-7; TACrimSP, RT 683/331 e 754/650.

É relevante anotar que, in casu, o comportamento do agente resultou em danos materiais ao patrimônio público, sendo o fundamento político criminal da maior punibilidade do ato a natureza dos bens lesados, que constituem res publicae, de modo que toda a sociedade arca com sua reparação.

Afigura-se, portanto, justificada a postura judicial, com a máxima vênia da zelosa e culta Promotora de Justiça.

Diante do exposto, designa-se outro membro ministerial para aditar a peça acusatória, de modo a atribuir ao réu também o delito de dano qualificado, cumprindo-lhe prosseguir no feito em seus ulteriores termos.

Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n.º 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n.º 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria designando o substituto automático.

Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 16 de fevereiro de 2016.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

                                                                               

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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