Código de Processo Penal, art. 28

 

Protocolado n.º 21.537/10

Autos n.º 050.05.039650-5 – MM. Juízo do DIPO 4 (Comarca da Capital)

Indiciados: (...)

Assunto: revisão de arquivamento de inquérito policial

 

EMENTA: CPP, ART. 28. PEDIDO DE ARQUIVAMENTO LASTREADO NA PRESCRIÇÃO ANTECIPADA. INADMISSIBILIDADE POR FALTA DE AMPARO LEGAL. INTERESSE DE AGIR PRESENTE. PRINCÍPIO DA OBRIGATORIEDADE DA AÇÃO PENAL PÚBLICA. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA QUE SE IMPÕE.

1.                  A tese invocada pelo nobre representante do Ministério Público para propor o arquivamento dos autos, qual seja, a da prescrição pela pena em perspectiva, não pode, com a devida vênia, ser acolhida, posto que colide com um dos pilares da atuação do Parquet no âmbito da persecução penal em crimes de ação pública, qual seja, o princípio da obrigatoriedade ou legalidade (CPP, art. 24).

2.                  Acrescente-se, também, que a chamada “prescrição antecipada” lastreia-se no virtual reconhecimento da prescrição retroativa, prevista no art. 110, §2º, do CP, cuja permanência em nosso sistema penal é de todo inconveniente e atenta contra uma Política Criminal eficaz, notadamente na punição de delitos de baixa visibilidade.

Solução: designação de outro promotor de justiça para oferecer denúncia e prosseguir nos ulteriores termos da ação penal.

 

 

Cuida-se de inquérito policial instaurado para apurar a prática, em tese, dos delitos tipificados no art. 3.º, VI, da Lei n. 1521/51 (crime contra a economia popular) e art. 27-C da Lei n. 6385/76 (crime contra o mercado de capitais), que teriam sido perpetrados pelos indiciados acima epigrafados.

O ínclito Representante Ministerial, em manifestação exauriente e muito bem fundamentada, requereu o arquivamento dos autos louvando-se na ocorrência da prescrição pela pena em perspectiva (fls. 896/921), tese que esta Procuradoria Geral de Justiça, com a devida vênia, considera juridicamente inviável.

O MM. Juiz, apreciando o requerimento ministerial, entendeu por bem aplicar à espécie o art. 28 do CPP e remeteu o feito a este Órgão (fls. 931).

É o relatório.

É preciso destacar, inicialmente, que o exercício da ação penal pública é regido pelo princípio da legalidade ou da obrigatoriedade (CPP, art. 24), de modo que, uma vez preenchidos os requisitos legais, notadamente a prova da materialidade e os indícios de autoria, cumpre ao membro do Parquet oferecer denúncia (ou, quando for o caso, propor a transação penal).

Não procede, outrosssim, eventual argumento de que a imposição de pena, no futuro, provocará o reconhecimento da prescrição retroativa (CP, art. 110, §2.º).  Isto porque se trata de hipótese sujeita a diversas contingências, entre as quais não se pode excluir a possibilidade de que ocorra uma modificação na descrição típica, ensejadora de crime mais grave (mutatio libelli – art. 384 do CPP).

Não é só. A prescrição “antecipada” ou “virtual” lastreia-se, como se ponderou acima, na prescrição retroativa. Tal modalidade de prescrição constitui criação brasileira e se mostra única em todo o Mundo. Sua insubsistência, inclusive, vem sendo sustentada pelo Colendo Colégio Nacional de Procuradores-Gerais de Justiça, o qual manifestou expresso apoio e auxílio técnico ao Projeto de Lei n. 1.383/2003, do Deputado Federal Antônio Carlos Biscaia, que visa à supressão de dita modalidade de causa extintiva da punibilidade.

Diversos são os defeitos da prescrição retroativa, dentre os quais se destacam: (i) a violação aos fundamentos do instituto da prescrição, que objetiva à punição da inércia do Estado, inexistente nesta modalidade de causa extintiva do ius puniendi estatal; (ii) a ofensa aos princípios da certeza, da irredutibilidade e da utilidade dos prazos, porquanto lapsos temporais cumpridos a seu tempo são desprezados, por conta de uma futura redução e recontagem que se produz; (iii) a violação aos fundamentos das causas interruptivas do prazo prescricional, os quais, uma vez verificados, encerram um período que não mais deveria ser reaberto; (iv) ofensa à lógica formal, porquanto ela se baseia numa sentença condenatória e, uma vez reconhecida, a invalida, isto é, a sentença penal só é válida para declarar que não tem validade...[1]

Daí se vê que esta Procuradoria Geral de Justiça não poderia, por razões de Política Criminal, prestigiar fundamento jurídico embasado na prescrição retroativa, como é o caso da chamada prescrição “virtual” ou “antecipada”.

Não se pode olvidar, por derradeiro, que a jurisprudência é firme ao rechaçar o instituto acima, como se nota no seguinte julgado, prolatado pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça:

 

“PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. SONEGAÇÃO FISCAL. 1. RÉ PRIMÁRIA E DE BONS ANTECEDENTES. PRESCRIÇÃO EM PERSPECTIVA. RECONHECIMENTO. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. (...) 3. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. Inviável o reconhecimento de prescrição antecipada, por ausência de previsão legal. Trata-se, ademais, de instituto repudiado pela jurisprudência desta Corte e do Supremo Tribunal Federal, por violar o princípio da presunção de inocência e da individualização da pena a ser eventualmente aplicada.

2. O fato de ainda encontrar-se em trâmite processo de execução fiscal para a satisfação do crédito tributário é irrelevante para os fins penais, uma vez que já houve o lançamento definitivo do crédito tributário em questão.

3. Recurso a que se nega provimento.”

(STJ, RHC n. 18.569, rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, DJe de 13/10/2008).

 

Diante do exposto, designo outro promotor de justiça para oferecer denúncia e prosseguir nos ulteriores termos da ação penal, facultando-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006. Expeça-se portaria, designando o substituto automático.

São Paulo, 18 de fevereiro de 2010.

 

 

José Luiz Abrantes

Procurador Geral de Justiça em exercício

 

 

/aeal



[1] Argumentos de Guaragni, Fábio André. Prescrição penal e impunidade. Curitiba: Juruá, 2000, p. 117 e seguintes.