Código de Processo Penal, art. 28

Protocolado n.º 23.366/15

Autos n.º 0000184-78.2015.8.26.0438 – MM. Juízo da 2.ª Vara Criminal da Comarca de Penápolis

Adolescente: (...)

Assunto: análise de promoção de arquivamento parcial de inquérito policial

 

EMENTA: CPP, ART. 28. ADITAMENTO DA DENÚNCIA DETERMINADO NO DESPACHO LIMINAR. INCLUSÃO DE NOVO CRIME (CORRUPÇÃO DE MENORES – ART. 244-B DO ECA). INICIAL QUE ATRIBUIU AO RÉU TRÁFICO DE DROGAS AGRAVADO PELA REALIZAÇÃO EM TRANSPORTE PÚBLICO E POR ENVOLVER ADOLESCENTE. BIS IN IDEM. INOCORRÊNCIA. EMENDA À EXORDIAL QUE SE IMPÕE. PRECEDENTES DO EGRÉGIO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.

1.      O debate diz respeito à correta capitulação jurídica da conduta, no que tange ao fato de o acusado se fazer acompanhar, para a prática delituosa, de um adolescente. Na visão do Ilustre Representante do Parquet, referida situação enseja a incidência da causa especial de aumento de pena prevista no art. 40, inc. VI, da Lei Antidrogas, ao passo que no entendimento do MM. Julgador, a espécie aponta para a inexistência da circunstância, mas para o reconhecimento de infração autônoma de corrupção de menores (art. 244-B do ECA). Segundo o Nobre Membro Ministerial haveria em semelhante caso inaceitável bis in idem.

2.      Parece, entretanto, que inexiste, com a máxima vênia, a dupla imputação excogitada. Note-se que se cuida de crimes com momentos consumativos diversos. O tráfico, delito de mera conduta, atingira seu summatum opus com a mera posse do objeto material, visando sua difusão a terceiros; a corrupção de menores, infração formal, nos termos da Súmula n.º 500 do STJ, realiza-se integralmente com a atuação ilícita acompanhada de pessoa menor de 18 (dezoito) anos, dispensando-se a prova da efetiva degradação moral do jovem.

3.      Além disso, os ilícitos possuem distintas objetividades jurídicas: saúde pública versus paz pública e livre formação da personalidade de pessoas em desenvolvimento.

4.      Bem por isso o Egrégio Superior Tribunal de Justiça já afastou, em casos análogos envolvendo roubo circunstanciado, a tese de que há bis in idem, admitindo a possibilidade de haver cumulativamente a infração descrita no ECA; confira-se, entre outros: “AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. ROUBO MAJORADO PRATICADO EM CONCURSO COM UM INIMPUTÁVEL E CORRUPÇÃO DE MENOR 1. BENS JURÍDICOS DISTINTOS. MOMENTOS CONSUMATIVOS DIVERSOS. DESÍGNIOS AUTÔNOMOS. BIS IN IDEM. NÃO OCORRÊNCIA. 2. RECURSO DESPROVIDO. 1. Não ocorre bis in idem quando o agente maior pratica crime de roubo em concurso com adolescente, pois os tipos penais tutelam bens jurídicos distintos, apresentam momentos consumativos diversos, em que o agente maior revela, em uma só conduta, vontade dirigida a finalidades distintas: praticar o roubo e corromper o menor. 2. Agravo regimental a que se nega provimento” (AgRg no HC 223.996/DF, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, 5.ª TURMA, julgado em 26/06/2012, DJe de 07/08/2012).

Solução: designa-se outro promotor de justiça para aditar a denúncia e prosseguir no feito em seus ulteriores termos.

                                                                                            

Cuida-se de ação penal movida pelo Ministério Público em face de (...) imputando-lhe o crime descrito no art. 33, caput, c.c. art. 40, III e VI, da Lei n.º 11.343/06, c.c. art. 29, caput, do CP.

Segundo a denúncia, no dia 13 de janeiro de 2015, policiais militares de Penápolis e Guaimbê receberam a notícia de que dois indivíduos estariam dentro de um ônibus da empresa “Reunidas”, transportando drogas para vendê-las no Município de Lins.

Os primeiros conseguiram abordar o coletivo na Estrada Vicinal Armando Viana Egreja, Bairro Urutagua, na Comarca de Penápolis, percebendo quando (...) arremessou algo para fora do veículo.

Durante revista pessoal, os servidores encontraram com o autor o montante de R$ 490,00 (quatrocentos e noventa reais), mas ele nada portava de ilícito, e (...), o adolescente que o acompanhava, tinha escondidas na cueca trinta e sete porções de cânhamo.

O material dispensado por (...) tratava-se da mesma substância psicoativa.

(...) confessou a posse da droga, asseverando que a adquiriu em Birigui para consumo próprio, encontrando-se casualmente com (...) na rodoviária de Penápolis.

Este alegou ter jogado as porções do material a pedido do menor, e o acompanhou até Birigui para que ele comprasse o tóxico, visando ao consumo de ambos.

Ao oferecer a peça acusatória, o Douto Promotor de Justiça postulou o arquivamento parcial dos autos quanto ao possível cometimento do delito de associação para o tráfico (art. 35 da Lei n.º 11.343/06), pois não comprovada a existência de reunião permanente e estável para tal fim.

O fez também com relação ao crime de corrupção de menor (art. 244-B da Lei n.º 8.069/90), ponderando que a infração autônoma, de natureza formal, seria afastada pelo princípio da especialidade, pois o envolvimento de adolescente caracteriza a causa de aumento de pena especial descrita no art. 40, VI, da Lei Antidrogas, e o reconhecimento simultâneo da majorante e da infração configuraria bis in idem.

Por fim, pleiteou a expedição de ofício à Vara da Infância e Juventude, com o objetivo de serem juntados ao presente feito os depoimentos do jovem e a sentença eventualmente proferida (fls. 58/60).

O MM. Juiz discordou do posicionamento referente ao ECA, observando que os bens jurídicos são distintos, e a previsão do Estatuto da Criança e do Adolescente é mais recente e mais severamente apenada, devendo ser considerada especial em relação à mencionada causa de aumento.

Em consequência, remeteu a questão para análise desta Procuradoria-Geral de Justiça, com fulcro no art. 28 do CPP (fls. 63/64).

Eis a síntese do necessário.

A razão se encontra com Digníssimo Julgador, com a devida vênia do Douto Promotor de Justiça; senão, vejamos.

O debate diz respeito à correta da capitulação jurídica da conduta, no que tange ao fato de o acusado se fazer acompanhar, para a prática delituosa, de um adolescente.

Na visão do Ilustre Representante do Parquet, referida situação enseja a incidência da causa especial de aumento de pena prevista no art. 40, inc. VI, da Lei Antidrogas, ao passo que no entendimento do MM. Julgador, a espécie aponta para a inexistência da circunstância, mas para o reconhecimento de crime autônomo de corrupção de menores (art. 244-B do ECA).

Parece, entretanto, que inexiste, com a máxima vênia, a dupla imputação excogitada. Note-se que se cuida de infrações com momentos consumativos diversos. O tráfico, delito de mera conduta, atingira seu summatum opus com a mera posse do objeto material, visando sua difusão a terceiros; a corrupção de menores, crime formal, nos termos da Súmula n.º 500 do STJ, realiza-se integralmente com a atuação ilícita acompanhada de pessoa menor de 18 (dezoito) anos, dispensando-se a prova da efetiva degradação moral do jovem.

Além disso, os ilícitos possuem distintas objetividades jurídicas: saúde pública versus paz pública e livre formação da personalidade de pessoas em desenvolvimento.

Bem por isso o Egrégio Superior Tribunal de Justiça já afastou, em casos análogos envolvendo roubo circunstanciado, a tese de que há bis in idem, admitindo a possibilidade de haver cumulativamente a infração descrita no ECA; confira-se, entre outros:

 

“AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. ROUBO MAJORADO PRATICADO EM CONCURSO COM UM INIMPUTÁVEL E CORRUPÇÃO DE MENOR 1. BENS JURÍDICOS DISTINTOS. MOMENTOS CONSUMATIVOS DIVERSOS. DESÍGNIOS AUTÔNOMOS. BIS IN IDEM. NÃO OCORRÊNCIA. 2. RECURSO DESPROVIDO. 1. Não ocorre bis in idem quando o agente maior pratica crime de roubo em concurso com adolescente, pois os tipos penais tutelam bens jurídicos distintos, apresentam momentos consumativos diversos, em que o agente maior revela, em uma só conduta, vontade dirigida a finalidades distintas: praticar o roubo e corromper o menor. 2. Agravo regimental a que se nega provimento” (AgRg no HC 223.996/DF, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, 5.ª TURMA, julgado em 26/06/2012, DJe de 07/08/2012).

Há, inclusive, postura da mesma Colenda Corte afastando a dupla incriminação em situação análoga enfrentada em face da legislação anterior:

 

“PENAL. RECURSO ESPECIAL. ARTS. 12 E 18, INCISO III, AMBOS DA LEI Nº 6.368/76 (ANTIGA LEI DE DROGAS) E ART. 1º DA LEI Nº 2.252/54. APLICAÇÃO DA MAJORANTE DA ASSOCIAÇÃO EVENTUAL PARA O TRÁFICO E CONDENAÇÃO NO DELITO DE CORRUPÇÃO DE MENORES. BIS IN IDEM. INOCORRÊNCIA. CRIME DE PERIGO. CONCURSO EVENTUAL DE AGENTES. CAUSA DE AUMENTO DE PENA. ABOLITIO CRIMINIS. CONCESSÃO DE OFÍCIO.

I - Não se verifica a ocorrência de bis in idem no caso de aplicação da revogada majorante de associação eventual para o tráfico e a condenação pelo delito de corrupção de menores.

II - O crime previsto no art. 1º da Lei nº 2.252/54 é de perigo, sendo despicienda a demonstração de efetiva e posterior corrupção penal do menor. (Precedentes).

II - A norma insculpida no art. 1º da Lei nº 2.252/54, uma dentre tantas que se destinam à proteção da infância e da juventude, tem por objetivo que os maiores não pratiquem, em concurso com menores, infrações penais e que, também, não os induzam a tanto. Exigências adicionais para a tipificação são extra-legais e até esbarram no velho brocado commodissimum est, id accipi, quo res de qua agitur, magis valeat quam pereat. ("Prefira-se a inteligência dos textos que torne viável o seu objetivo, ao invés da que os reduz à inutilidade").

II - A nova lei de Tóxicos (Lei nº 11.343/06) não prevê o concurso eventual de agentes como causa de aumento de pena. Dessa forma, forçoso reconhecer abolitio criminis em relação à majorante prevista no art. 18, inciso III, da Lei nº 6.368/76.

(...)”

(STJ, R.Esp. 1.027.109/SC, Rel. Ministro FELIX FISCHER, 5.ª TURMA, julgado em 02/12/2008, DJe de 16/02/2009)

 

Afigura-se, portanto, justificada a postura judicial, com a máxima vênia do zeloso e culto Promotor de Justiça.

Diante do exposto, designa-se outro membro ministerial para aditar a peça acusatória, de modo a atribuir ao réu também o delito tipificado no art. 244-B do ECA, cumprindo-lhe prosseguir no feito em seus ulteriores termos.

Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n.º 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n.º 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria designando o substituto automático.

Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 18 de fevereiro de 2015.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

                                                                                

 

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