Código de Processo Penal, art. 28

 

Protocolado n.º 26.516/10

Autos n.º 920/09 – MM. Juízo da 6.ª Vara Criminal da Comarca de Santos

Investigada: (...)

Assunto: natureza da ação penal no crime de injúria qualificada pelo preconceito (CP, art. 140, §3.º)

 

EMENTA: CPP, ART. 28. INJÚRIA QUALIFICADA PELO PRECONCEITO (CP, ART. 140, §3º). OFENSA EXPLICITAMENTE DIRIGIDA À COR DA PELE DA VÍTIMA. NATUREZA DA AÇÃO PENAL. INCIDÊNCIA DA LEI N. 12.033, DE 29 DE SETEMBRO DE 2009. INICIATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO, MEDIANTE REPRESENTAÇÃO DO OFENDIDO. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA QUE SE IMPÕE.

1.     Na hipótese dos autos, a indiciada referiu-se à vítima em tom ofensivo chamando-o de “neguinho fedido”. O sujeito passivo, indignado com a injúria, comunicou o fato à Polícia, encaminhando-se todos ao Distrito Policial onde se lavrou o auto de prisão em flagrante delito, registrando-se a representação do sujeito passivo.

2.     Estando presente o animus injuriandi, algo que se extrai também dos depoimentos testemunhais, não há como negar a atribuição do Ministério Público para a propositura da demanda. A Lei n. 12.033, de 29 de setembro de 2009, já em vigor ao tempo dos fatos, alterou a natureza da ação penal no crime do art. 140, §3º, do CP, antes privada e agora pública condicionada à representação.

Solução: diante do exposto, designo outro membro do Ministério Público para atuar na causa.

 

 

 

Cuida-se o presente de inquérito policial instaurado visando à apuração de delito de injúria qualificada pelo preconceito (CP, art. 140, §3º), cometido, em tese, pela investigada acima epigrafada em face de (...).

O ofendido chamou a Polícia, sendo encaminhados todos ao Distrito Policial, onde se procedeu à lavratura do auto de prisão em flagrante, tendo o ofendido representado em face da autora (fls. 22).

O Douto Promotor de Justiça oficiante, ao cabo das investigações, requereu se aguardasse o decurso do prazo decadencial para a propositura de queixa-crime (fls. 37).

A MM. Juíza, contudo, o alertou para a superveniência da Lei n. 12.033/09, que modificara a natureza da ação penal no crime em tela (fls. 38).

O ilustre Representante do Parquet, então, justificou seu requerimento aduzindo, em síntese, não vislumbrar na hipótese a figura qualificada (fls. 41/43).

Em face da postura ministerial, entendeu por bem a magistrada aplicar o art. 28 do CPP e remeter a questão para análise desta Procuradoria-Geral de Justiça (fls. 44).

Eis a síntese do necessário.

O comportamento imputado à indiciada consiste em, no dia 18 de dezembro de 2009, por volta das 11 horas, ter ofendido a honra subjetiva de (...) chamando-o de “neguinho fedido”.

Não há a menor dúvida de que, se de injúria se trata, houve a utilização de elementos relacionados com preconceito de cor e raça.

Os argumentos expostos pelo Promotor de Justiça, no sentido de que o termo “nego” ou seu diminutivo não têm conteúdo ofensivo não podem ser acolhidos.

Há, com efeito, expressões que podem ter mais de um significado e, conforme o contexto e a intenção de quem as profere, possuir ou não carga ofensiva.

HUNGRIA já exemplificava com o ato do rapaz que, ao se referir a uma moça, chama-a de “cara”. Diversas podem ser as significações do vocábulo, desde uma menção honrosa até uma nítida mácula à dignidade da vítima.

No caso dos autos, não há dúvida alguma que os dizeres “neguinho fedido” foram utilizados com animus injuriandi, haja vista não só as declarações do sujeito passivo, mas também das testemunhas presenciais.

Sendo inequívoco o elemento subjetivo do injusto, não se pode tergiversar quanto ao enquadramento legal.

Conforme ensinam PEDRO FRANCO DE CAMPOS e outros (Direito Penal Aplicado. 3ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010. págs. 134-135), a injúria por preconceito dá-se quando a ofensa irrogada remete à raça ou à cor, assim entendidas:

 

“Raça: conjunto de ascendentes e dos antecedentes de uma família, de um povo; conjunto de indivíduos que conservam, por disposições hereditárias, caracteres semelhantes psicofísicos, provenientes de um tronco comum. O conceito de raça supõe a herança de similares variações físicas em vastos grupos do gênero humano, mas suas repercussões psicológicas e culturais, se é que existem, não foram confirmadas pela ciência. Cor: colorido da pele, especialmente das faces. Característica particular, feição, tom. É um dos aspectos que variam na espécie humana”.

 

O preclaro DAMÁSIO DE JESUS, de sua parte, ensina que:

 

“O art. 2º da Lei n. 9.459, de 13 de maio de 1997, acrescentou um tipo qualificado ao delito de injúria, recentemente modificado pela Lei n. 10.741, de 1º de outubro de 2003, impondo penas de reclusão, de um a três anos, e multa, se cometida mediante “utilização de elementos referentes a raça, cor, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência”. A alteração legislativa foi motivada pelo fato de que réus acusados da prática de crimes descritos na Lei n. 7.716, de 5 de janeiro de 1989 (preconceito de raça ou de cor), geralmente alegavam ter praticado somente delito de injúria, de menor gravidade, sendo beneficiados pela desclassificação. Por isso, o legislador resolveu criar uma forma típica qualificada envolvendo valores concernentes a raça, cor etc., agravando a pena. Andou mal mais uma vez. De acordo com a intenção da lei nova, chamar alguém de “negro”, “preto”, “pretão”, “negão”, “turco”, “africano”, “judeu”, “baiano”, “japa” etc., desde que com vontade de lhe ofender a honra subjetiva relacionada com a cor, religião, raça ou etnia, sujeita o autor a uma pena mínima de um ano de reclusão, além de multa” (Código Penal anotado. 19ª edição. São Paulo: Saraiva, 2009. pág. 502).

 

Com respeito à natureza da ação penal, a Lei n. 12.033, de 29 de setembro de 2009, alterou-a, transformando-a em delito de ação pública condicionada à representação do ofendido:

 

“Art. 145. Nos crimes previstos neste Capítulo somente se procede mediante queixa, salvo quando, no caso do art. 140, § 2º, da violência resulta lesão corporal. Parágrafo único. Procede-se mediante requisição do Ministro da Justiça, no caso do inciso I do caput do art. 141 deste Código, e mediante representação do ofendido, no caso do inciso II do mesmo artigo, bem como  no caso do § 3º do art. 140 deste Código”

 

Em face do exposto, designo outro promotor de justiça para oficiar nos autos.

Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006. Expeça-se portaria. Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 01 de março de 2010.

 

 

                        José Luiz Abrantes

                        Procurador-Geral de Justiça em Exercício

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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