Código de Processo Penal, art. 28

 

Protocolado n.º 28.897/10

Inquérito Policial n.º 050.09.053158-2 – MM. Juízo do DIPO 4 (Comarca da Capital)

Indiciado: (...)

Assunto: revisão de proposta de arquivamento de inquérito policial

 

 

 

EMENTA: CPP, ART. 28. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PROIBIDO. REVÓLVER MUNICIADO COM NUMERAÇÃO SUPRIMIDA. OBJETO LOCALIZADO NO AUTOMÓVEL CONDUZIDO PELO INDICIADO, COM OUTRAS DUAS PESSOAS EM SEU INTERIOR. ALEGAÇÃO DE QUE PRETENDIAM ENTREGAR O INSTRUMENTO BÉLICO À POLÍCIA NÃO EVIDENCIADA. APREENSÃO DA COISA QUE TRADUZ INVOLUNTARIEDADE NA ENTREGA. DENÚNCIA QUE SE IMPÕE.

1.     No caso dos autos, indicam os elementos de informação que os suspeitos haviam encontrado a arma de fogo no dia em que surpreendidos por policiais militares transportando-a no automóvel. Ocorre, todavia, que a verberada intenção de levá-la aos órgãos competentes jamais ficou demonstrada, sequer minimamente.

2.     Os agentes realizavam serviço em empresa, na condição de terceiros, e, se de boa fé estivessem, teriam comunicado a descoberta da coisa ao responsável; em vez disso, dela se apoderaram. Além disso, ao serem abordados, revelaram indisfarçável nervosismo, bem detectado pelos milicianos. Acrescente-se, ainda, que o revólver (cuja eficácia se comprovou mediante perícia) estava devidamente municiado e pronto para ser utilizado. Sublinhe-se, por fim, que um dos suspeitos, de acordo com o policial auscultado, revelou que pretendia, na verdade, vendê-la.

Solução: designo outro promotor de justiça para oferecer denúncia e prosseguir nos ulteriores termos da ação penal.

Cuida-se de inquérito policial instaurado visando a apurar suposto crime de porte ilegal de arma de fogo de uso proibido, tendo em conta a supressão de seu número de série (art. 16 da Lei n. 10.826/03).

Segundo consta, policiais militares avistaram (...) conduzindo veículo automotor juntamente com duas pessoas, tendo estes agido de modo suspeito quando da aproximação dos servidores públicos.

Efetuada a abordagem, o investigado declarou que encontrara, no mesmo dia, um revólver no pátio da empresa onde trabalha, tendo se apoderado da arma com o intuito de entregá-la à Polícia Federal.

Na Delegacia de Polícia, constatou-se que o revólver se encontrava sujo de barro. A d. autoridade policial, por cautela, dirigiu-se ao local do suposto encontro do objeto e constatou que a terra encontrava-se revolta. Optou-se, então, pelo registro da ocorrência sem a lavratura do auto de prisão em flagrante.

A arma foi periciada, constatando-se sua eficácia e a raspagem da numeração (fls. 38/40).

Os suspeitos foram ouvidos a fls. 45/46, 49/50 e 52/53, o mesmo se sucedendo quanto ao miliciano (fls. 56/57).

Encerradas as providências de Polícia Judiciária, entendeu por bem a diligente Promotora de Justiça requerer o arquivamento do inquérito policial, sustentando a ausência do elemento subjetivo do injusto (fls. 64/65).

A MM. Juíza, todavia, discordando de tal posicionamento, determinou a remessa do feito a esta Procuradoria-Geral de Justiça (fls. 67/68).

Eis a síntese do necessário.

O escrutínio dos elementos de informação reunidos revela, com absoluta clareza, ser fidedigna a versão apresentada pelos agentes no que toca ao encontro da arma.

Com efeito, as cautelas procedidas pela d. autoridade policial, que se dirigiu ao locus apontado para a alegada localização do instrumento bélico, somadas à circunstância de que a arma se encontrava com inequívocos vestígios de descoberta recente, demonstra terem eles, de fato, recém obtido o revólver.

Ocorre, porém, que o mesmo não se pode dizer quanto ao elemento subjetivo do tipo.

O crime do art. 16 da Lei n. 10.826/03 constitui delito doloso e, como tal, contenta-se com a vontade e a consciência de concretizar os elementos típicos objetivos. A norma penal não requer nenhuma finalidade especial a dominar a conduta do agente. É bem verdade, por outro lado, que o transporte visando à entrega voluntária, conforme prevê o art. 32 do Estatuto do Desarmamento, torna lícito o comportamento do autor. O legislador, todavia, para evitar que as pessoas escapem da incidência da Lei mediante a simplista alegação de que pretendiam levá-la às autoridades, exige a realização de algumas atitudes, dentre as quais a impressão de guia de transporte e o acondicionamento da res sem munição, de modo que não se configure a possibilidade de pronto uso.

Na hipótese vertente, nada disso ocorreu. Os investigados, que inadvertidamente decidiram levar consigo a arma encontrada, não tiveram a cautela de verificar os procedimentos legais para a entrega. Além disso, o revólver (eficaz) encontrava-se municiado.

Deve-se sublinhar, ainda, que os suspeitos foram abordados pela Polícia com a res, ou seja, houve a apreensão da arma, o que revela involuntariedade. Não é só. O policial militar revelou ter ouvido de um dos agentes que sua intenção era vender o bem.

Tudo está a demonstrar, portanto, que os suspeitos se aproveitaram do encontro (in)fortuito do instrumento bélico e decidiram, então, lucrar com isso. Acrescente-se, ademais, que o objeto foi encontrado no terreno de uma empresa na qual eles, na condição de terceiros, efetuavam serviços. Dita o bom senso que, estivessem de boa fé, teriam comunicado a descoberta aos responsáveis; em vez disso, tomaram a coisa para si. O conluio dos três, por derradeiro, evidenciou-se pela maneira como todos se portaram de maneira suspeita e procuraram esconder seu real propósito da autoridade policial.

Diante do exposto, designo outro promotor de justiça para oferecer denúncia, prosseguindo no feito em seus ulteriores termos. Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006. Expeça-se portaria. Publique-se a ementa.

São Paulo, 03 de março de 2010.

 

                        José Luiz Abrantes

                         Procurador-Geral de Justiça em Exercício

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