Código de Processo Penal, art. 28

Protocolado n.º 29.941/12

Autos n.º 1.089/11 – MM. Juízo da 1.ª Vara Criminal da Comarca de Cotia

Réu: (...)

Assunto: cabimento de proposta de suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei n. 9.099/95)

 

EMENTA: CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, ART. 28. RECUSA MINISTERIAL EM FORMULAR PROPOSTA DE SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO (ART. 89 DA LEI N. 9.099/95). CP, ART. 184, § 2.º (VENDA DE VIDEOFONOGRAMAS DESTITUÍDOS DE ORIGINALIDADE). PENA MÍNIMA DE DOIS ANOS. DECISÃO JUDICIAL RECONHECENDO INCIDENTALMENTE A INCONSTITUCIONALIDADE DO PRECEITO SECUNDÁRIO DO DISPOSITIVO, REDIMENSIONANDO O PISO PUNITIVO PARA UM ANO. DESCABIMENTO. POSTURA MINISTERIAL MANTIDA.

1.      Cuida-se de ação penal que tem como objeto a imputação do crime tipificado no art. 184, § 2.º, do CP, porquanto o réu expôs à venda videofonogramas destituídos de originalidade (armazenados em diversas mídias com o formato “DVD”).

2.      Antes de receber a exordial, o MM. Juiz declarou incidentalmente a inconstitucionalidade do art. 1.º da Lei nº 10.695/03, na parte em que aumentou a pena mínima do tipo incriminador do §2.º do art. 184 do Código Penal para dois anos de reclusão, restabelecendo o piso anteriormente vigente, de um ano. Em razão disto, sustentou a aplicabilidade da suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei n. 9.099/95) e abriu vista dos autos ao Parquet para se manifestar a respeito. A Douta Representante Ministerial, porém, deixou de concedê-la, entendendo haver expressa vedação legal para tanto.

3.      O Digníssimo Magistrado, ressaltando que não houve interposição de recurso contra a r. decisão proferida, encaminhou o procedimento a esta Procuradoria-Geral de Justiça, nos termos do art. 28 do CPP, aplicável à espécie por analogia.

4.      Mostra-se peremptoriamente descabida a concessão do benefício quando o piso punitivo excede um ano de prisão. Cite-se, a título de ilustração, o seguinte julgado do Egrégio Superior Tribunal de Justiça:“(...) Conquanto a Lei 10.259/01 tenha ampliado o conceito de crimes de menor potencial ofensivo também no âmbito da Justiça Estadual, derrogando o art. 61 da Lei 9.099/95, não houve alteração no patamar previsto para o instituto da suspensão condicional do processo, disciplinado no art. 89 da referida lei, que continua sendo aplicado apenas aos crimes cuja pena mínima não seja superior a 1 (um) ano” (STJ, HC 83.640, rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, j. 21.05.09, publicada no DJe de 15.6.09; grifo nosso).

5.      Com relação à profligada inconstitucionalidade da elevação da pena mínima ao delito imputado ao agente, parece-nos que melhor sorte não assiste ao MM. Juiz. Calha lembrar, nesse aspecto, a lição de LUCIANO FELDENS, segundo a qual o princípio constitucional da proporcionalidade deve ser sempre utilizado (cum grano salis) para promover a readequação típica de eventuais comportamentos, quando se verificar gritante desproporção entre a sanção prevista e a gravidade concreta da conduta. Com efeito, essa medida há de pressupor um excessivo e desarrazoado rigor punitivo. Como obtempera o mencionado autor: “Um tal juízo, consistente no deslocamento do fato a uma espécie normativa menos rigorosa, por implicar o afastamento, ainda que parcial e in concreto, da lei penal, não pode fazer-se sem mais. Pelo menos, conforme já aventado, não se pode fazê-lo mediante uma constatação eminentemente empírica sobre a desproporcionalidade de uma determinada medida, que nada mais seria do que uma concepção subjetiva de proporcionalidade ostentada pelo julgador. Reitere-se: apesar de não ser absoluta, a regra é, e seguirá sendo, a liberdade de configuração do legislador. Para contrarrestá-la, devemos encontrar pontos de apoio seguros. Não poderá o juiz, simplesmente, suplantar o legislador, limitando-se a dizer que tal ou qual situação é ofensiva do princípio da proporcionalidade porquanto assim lhe parece” (Constituição Penal: a dupla face da proporcionalidade no controle de normas penais, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2005, pág. 195).

6.      Na hipótese retratada nestes autos, não parece que o princípio da proporcionalidade restou vulnerado, sobretudo quando se tem em mente sua perspectiva de proibição de proteção deficiente. A respeito da multicitada inconstitucionalidade do dispositivo em tela, assim se posicionou o Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo: “APELAÇÃO CRIMINAL – Violação de direito autoral – Alegação de inconstitucionalidade do art. 184, do Código Penal – Arguição afastada – Norma penal em branco que encontra no ordenamento jurídico a complementação necessária – Pleito de absolvição ao argumento insuficiência de prova da materialidade, ante a fragilidade do laudo pericial e a não identificação das vítimas – Impossibilidade – Laudo pericial que aponta de maneira suficiente que os produtos são contrafações de originais – Conduta delituosa que prejudica não só os direitos dos autores, mas a sociedade como um todo – Alegação de atipicidade por ausência do dolo, decorrente de desconhecimento da ilicitude dos fatos – Impossibilidade – Não é crível, ante a ampla divulgação midiática, que o agente desconhecesse o caráter ilícito de sua conduta – Condenação mantida – Penas – Erro de proibição – Inocorrência - Mesmos fundamentos pelos quais se afastou a atipicidade da conduta – Pleito de aplicação da pena prevista no art. 12, da Lei 9.609/98 – Impossibilidade – Legislação especial que não trata dos fatos em questão – Penas bem dosadas que não comportam reparo – Pleito de isenção do pagamento das custas processuais que deve ser direcionado ao Juízo da Execução. Recurso desprovido.” (Apelação nº 0496797-27.2010.8.26.000, Relator Desembargador Camilo Léllis, 15ª Câmara Criminal, j. em 19.01.12).

7.      Deve-se obtemperar, ademais, que a r. decisão judicial que asseverou a suposta inconstitucionalidade da Lei n. 10.695/03 não tem caráter definitivo, daí porque se mostra irrelevante a ausência de interposição de recurso. Sabe-se que, no processo penal, vigora, ainda que com exceções, o princípio da irrecorribilidade, em separado, das interlocutórias simples. Caso se tratasse de decisão definitiva ou com força de definitiva, outra seria a conclusão, podendo se falar até mesmo em preclusão do reconhecimento da incompatibilidade vertical do Texto Legal suso citado. Como não se cuida de sentença, porém, a matéria não se encontra preclusa e, de certo, será objeto de impugnação ministerial, no momento oportuno. A propositura da suspensão condicional do processo afigurar-se-ia, diante de semelhante contexto, patentemente ilegal.

Solução: conhece-se da presente remessa, com fulcro no art. 28 do CPP, deixando-se de oferecer a proposta de suspensão condicional do processo ou de designar promotor de justiça para fazê-lo.

 

Cuida-se a presente de ação penal movida em face de (...), imputando-lhe, na peça inaugural de fls. 01-D/02-D, o crime tipificado no art. 184, § 2.º, do CP, porquanto, no dia 05 de outubro de 2010, foi surpreendido por policiais civis expondo à venda videofonogramas destituídos de originalidade (armazenados em diversas mídias com o formato “DVD”).

Antes de receber a exordial, o MM. Juiz declarou incidentalmente a inconstitucionalidade do art. 1.º da Lei nº 10.695/03, na parte em que aumentou a pena mínima do tipo incriminador do §2.º do art. 184 do Código Penal para dois anos de reclusão, restabelecendo o piso anteriormente vigente, de um ano. Em razão disto, sustentou a aplicabilidade da suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei n. 9.099/95) e abriu vista dos autos ao Parquet para se manifestar a respeito (fls. 78/80).

A Douta Representante Ministerial, porém, deixou de concedê-la, entendendo haver expressa vedação legal para tanto (fls. 89).

O Digníssimo Magistrado, ressaltando que não houve interposição de recurso contra a r. decisão proferida, encaminhou o procedimento a esta Procuradoria-Geral de Justiça, nos termos do art. 28 do CPP, aplicável à espécie por analogia (fls. 91).

Eis a síntese do necessário.

Em que pese os criteriosos argumentos desenvolvidos pelo MM. Julgador a fls. 78/80, cremos que não lhe socorre razão.

         Isto porque se mostra peremptoriamente descabida a concessão do benefício quando o piso punitivo excede um ano de prisão. Cite-se, a título de ilustração, o seguinte julgado do Egrégio Superior Tribunal de Justiça:

 

“PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIMES DE USO DE DOCUMENTO FALSO E FALSIDADE IDEOLÓGICA. CONCURSO MATERIAL. SOMATÓRIO DAS PENAS EM ABSTRATO SUPERIOR A 1 (UM) ANO. SÚMULA 243/STJ. IMPOSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. ORDEM DENEGADA.

1. Conquanto a Lei 10.259/01 tenha ampliado o conceito de crimes de menor potencial ofensivo também no âmbito da Justiça Estadual, derrogando o art. 61 da Lei 9.099/95, não houve alteração no patamar previsto para o instituto da suspensão condicional do processo, disciplinado no art. 89 da referida lei, que continua sendo aplicado apenas aos crimes cuja pena mínima não seja superior a 1 (um) ano.

2. No caso de concurso de crimes, a pena considerada para fins de oferecimento do sursis processual será o resultado da soma, no caso de concurso material, ou a exasperação, na hipótese de concurso formal ou crime continuado, das penas máximas cominadas aos delitos. Precedentes do STJ.

3. Ordem denegada.”

(STJ, HC 83.640, rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, j. 21.05.09, publicada no DJe de 15.6.09; grifo nosso).

 

Com relação à profligada inconstitucionalidade da elevação da pena mínima ao delito imputado ao agente, parece-nos que melhor sorte não assiste ao MM. Juiz.

Calha lembrar, nesse aspecto, a lição de LUCIANO FELDENS, segundo a qual o princípio constitucional da proporcionalidade deve ser sempre utilizado (cum grano salis) para promover a readequação típica de eventuais comportamentos, quando se verificar gritante desproporção entre a sanção prevista e a gravidade concreta da conduta. Com efeito, essa medida há de pressupor um excessivo e desarrazoado rigor punitivo.

Como obtempera o mencionado autor: “Um tal juízo, consistente no deslocamento do fato a uma espécie normativa menos rigorosa, por implicar o afastamento, ainda que parcial e in concreto, da lei penal, não pode fazer-se sem mais. Pelo menos, conforme já aventado, não se pode fazê-lo mediante uma constatação eminentemente empírica sobre a desproporcionalidade de uma determinada medida, que nada mais seria do que uma concepção subjetiva de proporcionalidade ostentada pelo julgador. Reitere-se: apesar de não ser absoluta, a regra é, e seguirá sendo, a liberdade de configuração do legislador. Para contrarrestá-la, devemos encontrar pontos de apoio seguros. Não poderá o juiz, simplesmente, suplantar o legislador, limitando-se a dizer que tal ou qual situação é ofensiva do princípio da proporcionalidade porquanto assim lhe parece” (Constituição Penal: a dupla face da proporcionalidade no controle de normas penais, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2005, pág. 195).

Na hipótese retratada nestes autos, não parece que o princípio da proporcionalidade restou vulnerado, sobretudo quando se tem em mente sua perspectiva de proibição de proteção deficiente.

A respeito da multicitada inconstitucionalidade do dispositivo em tela, assim se posicionou o Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo:

 

“APELAÇÃO CRIMINAL – Violação de direito autoral – Alegação de inconstitucionalidade do art. 184, do Código Penal – Arguição afastada – Norma penal em branco que encontra no ordenamento jurídico a complementação necessária – Pleito de absolvição ao argumento insuficiência de prova da materialidade, ante a fragilidade do laudo pericial e a não identificação das vítimas – Impossibilidade – Laudo pericial que aponta de maneira suficiente que os produtos são contrafações de originais – Conduta delituosa que prejudica não só os direitos dos autores, mas a sociedade como um todo – Alegação de atipicidade por ausência do dolo, decorrente de desconhecimento da ilicitude dos fatos – Impossibilidade – Não é crível, ante a ampla divulgação midiática, que o agente desconhecesse o caráter ilícito de sua conduta – Condenação mantida – Penas – Erro de proibição – Inocorrência - Mesmos fundamentos pelos quais se afastou a atipicidade da conduta – Pleito de aplicação da pena prevista no art. 12, da Lei 9.609/98 – Impossibilidade – Legislação especial que não trata dos fatos em questão – Penas bem dosadas que não comportam reparo – Pleito de isenção do pagamento das custas processuais que deve ser direcionado ao Juízo da Execução. Recurso desprovido.” (Apelação nº 0496797-27.2010.8.26.000, Relator Desembargador Camilo Léllis, 15ª Câmara Criminal, j. em 19.01.12).

 

Daí se infere, conforme exposto na denúncia, que o comportamento do acusado se subsume ao tipo penal descrito no art. 184, § 2.º, do CP, cuja pena mínima, repita-se, é de dois anos de reclusão.

Deve-se obtemperar, ademais, que a r. decisão judicial que asseverou a suposta inconstitucionalidade da Lei n. 10.695/03 não tem caráter definitivo, daí porque se mostra irrelevante a ausência de interposição de recurso.

Sabe-se que, no processo penal, vigora, ainda que com exceções, o princípio da irrecorribilidade, em separado, das interlocutórias simples.

Caso se tratasse de decisão definitiva ou com força de definitiva, outra seria a conclusão, podendo se falar até mesmo em preclusão do reconhecimento da incompatibilidade vertical do Texto Legal suso citado.

Como não se cuida de sentença, porém, a matéria não se encontra preclusa e, de certo, será objeto de impugnação ministerial, no momento oportuno.

A propositura da suspensão condicional do processo afigurar-se-ia, diante de semelhante contexto, patentemente ilegal.

Destarte, deixo de propô-la ou de designar promotor de justiça para fazê-lo e insisto na postura já adotada, pugnando pelo prosseguimento regular do feito.

Publique-se a ementa. Cumpra-se.



São Paulo, 29 de fevereiro de 2012.

 

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

 

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