Código de Processo Penal, art. 28
Protocolado n.º
30.036/11
Autos n.º 114.01.2011.002576-9/000000-000
– MM. Juízo da 1.ª Vara Criminal da Comarca de Campinas
Investigada: (...)
Assunto: revisão
de promoção de arquivamento de inquérito policial
EMENTA: CPP, ART. 28. DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA (CP, ART. 339). IMPUTAÇÃO DE IRREGULARIDADES PRATICADAS POR ADVOGADO, O QUAL TERIA RECEBIDO VERBA HONORÁRIA SEM TOMAR MEDIDAS JUDICIAIS OU PRESTAR CONTAS DE SUAS AÇÕES. DEMONSTRAÇÃO DE QUE ESTE REALIZARA ATOS EXTRAJUDICIAIS QUE CULMINARAM COM A SATISFAÇÃO DO CRÉDITO DA SEDIZENTE VÍTIMA. ATRIBUIÇÃO À DECLARANTE, POR PARTE DO PROFISSIONAL, DE DELITO CONTRA A ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA. DESCABIMENTO, POIS A CLIENTE SE LIMITOU A NARRAR A CONDUTA DO CONSTITUÍDO, SEM ALTERAR A VERDADE DOS FATOS QUE ERAM DE SEU CONHECIMENTO. ARQUIVAMENTO MANTIDO.
1. Dá-se a denunciação caluniosa quando alguém provoca a instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente. Pode-se dizer, então, que dois são os requisitos necessários para a subsunção da conduta ao tipo: 1.º) atribuir falsamente um fato criminoso a alguém sabendo-o inocente (conduta); 2.º) provocar, com isso, a instauração de investigação policial ou administrativa, processo judicial, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa (resultado naturalístico).
2. A imputação há de ser (obviamente) falsa, podendo tanto referir-se a fato fictício (infração que nunca ocorreu) ou a fato verdadeiro praticado por outrem. Na hipótese dos autos, a inexistência de ilícito penal no proceder do investigado não importa, necessária e imediatamente, na caracterização de denunciação caluniosa por parte da sedizente ofendida. Observando-se as declarações por ela prestadas, percebe-se que se limitou a narrar dados verdadeiros, sob sua ótica evidentemente, pois se sentia lesada, sem qualificar em momento algum a conduta de (...) como criminosa ou inserir informações mendazes no proceder do agente. Note-se que o profissional não a comunicou, em momento algum, sobre quais diligências realizava em seu nome. Nesse contexto, passados vários meses do pagamento de substancial quantia em dinheiro, não é de se estranhar que a declarante se sentisse prejudicada e, não conseguindo entrar em contato com seu advogado, adotasse providências concretas para reaver aquilo que julgava seu de direito. Vê-se bem, por aí, que o ato por ela praticado não encontra correspondência com o tipo penal retro cogitado.
Solução: arquivamento de inquérito policial confirmado.
Cuida-se de inquérito policial instaurado mediante requerimento da sedizente ofendida, visando à apuração da conduta do advogado (...), que contratara para prestar assistência jurídica, mas supostamente teria se limitado a receber os valores pagos, sem tomar qualquer providência legal.
Constatou-se, no curso das investigações, que o profissional realizara diligências extrajudiciais, que culminaram com o recebimento de uma quantia em favor da cliente.
Cogitou-se, ao final, de possível crime de denunciação caluniosa por parte de (...) (CP, art. 339), mas a Douta Promotora de Justiça oficiante, em judiciosa manifestação, entendeu ausentes quaisquer indícios de que houvera delito de ação penal pública, seja a apropriação indébita por parte do investigado, seja o ilícito praticado contra a administração da Justiça, motivo por que pugnou pelo arquivamento dos autos (fls. 212/216).
A MM. Juíza, todavia, limitou-se a indeferir o pleito, asseverando existir elementos de informação confirmando o cometimento de denunciação caluniosa, e a determinar o encaminhamento do caso a esta Procuradoria-Geral de Justiça, nos termos do art. 28 do CPP (fls. 217).
Eis a síntese do necessário.
Com a devida vênia da Digna Magistrada, cremos que não lhe assiste razão.
Cumpre registrar, inicialmente, que não há provas de que (...) praticara apropriação indébita, haja vista a extensa documentação exibida, comprovando a realização dos serviços profissionais e a satisfação do crédito de sua cliente.
No que concerne à situação de (...), enquanto suposta autora de denunciação caluniosa (CP, art. 339), igualmente não há como prosperar eventual acusação.
Dá-se tal crime quando alguém provoca a instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente.
Pode-se dizer, então, que dois são os requisitos necessários para a subsunção da conduta ao tipo:
1.º) atribuir falsamente um fato criminoso a alguém sabendo-o inocente (conduta);
2.º) provocar, com isso, a instauração de investigação policial ou administrativa, processo judicial, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa (resultado naturalístico).
A imputação há de ser (obviamente) falsa, podendo tanto referir-se a fato fictício (infração que nunca ocorreu) ou a fato verdadeiro praticado por outrem.
Pois bem. A inexistência de ilícito penal no proceder do investigado não importa, necessária e imediatamente, na caracterização de denunciação caluniosa por parte de (...).
Observando-se as declarações por ela prestadas, nota-se que se limitou a narrar dados verdadeiros, sob sua ótica evidentemente, pois se sentia lesada, sem qualificar em momento algum a conduta de (...) como criminosa.
Como bem anotou a competente Representante do Parquet, ela retratou fielmente o comportamento profissional do investigado, que, se realmente encetou esforços extrajudiciais em favor da cliente, não a comunicou em momento algum, deixando de prestar contas sobre quais diligências realizava em seu nome.
Passados vários meses do pagamento de substancial quantia em dinheiro, não é de se estranhar que (...) se sentisse prejudicada e, não conseguindo entrar em contato com seu advogado, buscasse seus direitos, inclusive comparecendo à Delegacia de Polícia.
Vê-se bem, por aí, que o ato por ela praticado não encontra correspondência com o tipo penal retro cogitado.
Diante do exposto, deixo de denunciar a investigada ou de designar outro promotor de justiça para fazê-lo e insisto no arquivamento deste inquérito policial. Publique-se a ementa.
São Paulo, 25 de março de 2011.
Fernando Grella Vieira
Procurador-Geral de Justiça
/aeal